Aos 72 anos, bancário aposentado enfrenta tratamento de tumor severo que atinge intestino, pulmão e partes do abdômen.
Após denúncia do EXTRA, a Unimed-Ferj voltou atrás e suspendeu o reajuste de 300% do plano de saúde do bancário aposentado Henrique Manuel Morgado. Aos 72 anos e em meio ao tratamento de um câncer agressivo que já atinge vários órgãos, o idoso viu a mensalidade passar de R$ 2.761 para R$ 11.062.
O aposentado foi procurado pela QV Saúde, que administra a carteira coletiva de que faz parte. A empresa informou que a cobrança seria suspensa. Nesta quarta-feira (dia 26) ele recebeu um boleto atualizado com o valor anterior, de R$ 2,7 mil.
Gerente jurídico da QV, Henrique Bayon afirmou que a empresa apenas repassa os percentuais definidos pela operadora ao beneficiário, mas que ainda na terça-feira a Unimed informou à empresa que o reajuste proposto, de 300%, não seria mais aplicado.
— Chorei várias vezes ao ver o dia do vencimento se aproximar. Fiquei desesperado. Já estava difícil por R$ 2.700. Nesse novo valor, é impossível. Sempre paguei e nunca usei o plano. Quando mais preciso, acontece algo assim — lamenta o bancário aposentado.
Bayon explicou ainda que o contrato coletivo que o idoso faz parte era formado por ex-funcionários da Caixa Econômica Federal. Ao longo dos anos e por diferentes razões, os usuários foram deixando a carteira, que hoje só inclui o aposentado.
– Esse foi o reajuste da apólice inteira, mas só ele está no contrato atualmente. Certamente esse foi um dos motivos que levou a esse percentual, porque seria só ele custeando toda a sinistralidade e o cálculo atuarial que define o reajuste se mantém o mesmo – analisa.
No ano passado, a operadora chegou a entrar com um pedido de cancelamento da carteira. Mas a operação foi suspensa depois de o idoso, já em meio ao tratamento oncológico, levar o caso à Justiça.
Esse não foi o primeiro reajuste de alta escala sofrido pelo idoso no plano de saúde. Em 2023, o contrato passou de R$ 1.816 para R$ 2.761, um aumento de 52%. Ele buscou a operadora mas, sem mais explicações, decidiu também questionar o valor na Justiça.
— O pedido foi negado em primeira instância, mas recorremos e agora esperamos a decisão dos desembargadores. Vamos peticionar esse novo aumento e informar ao Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ). Queremos que se mantenha o valor de R$ 1.816 até que a Justiça decida qual o percentual que deve ser aplicado — explica a advogada Valéria Neves, que representa o aposentado junto da advogada Carolina Schwartz.
Operadora pede desculpas
Henrique foi diagnosticado em 2022 com um adenocarcinoma avançado no intestino, mas a doença se espalhou, alcançando o pulmão e partes do abdômen. Ele chegou a fazer quimioterapia tradicional, intravenosa, mas com a piora no quadro, o médico do aposentado decidiu pelo tratamento oral.
A medicação é feita em ciclos, com dias de pausa. As primeiras doses, porém, só foram liberadas com um mês de atraso, e a segunda remessa deveria ter chegado no dia 13.
Além disso, o idoso conta que a Unimed tem atrasado a entrega das bolsas de colostomia e negado pedidos de procedimentos mais complexos, como o PET-CT. O exame de imagem é capaz de detectar tumores em todos os lugares do corpo, e foi solicitado pelos oncologistas do aposentado justamente pelo quadro de agravamento da doença.
Em nota, a Unimed-Ferj afirmou na terça-feira que entrou em contato com o usuário para esclarecer sobre o reajuste contratual e a autorização da medicação.
Na manhã desta quarta-feira (dia 26), porém, o idoso voltou a ter problemas para acessar a quimioterapia oral. O problema só foi resolvido à tarde. O EXTRA buscou novamente a operadora, mas ainda não teve retorno.
– Um atendente da Unimed me ligou, pediu desculpa e disse que estava tudo aprovado, mas fui buscar pela manhã e disseram que a autorização foi cancelada. É um transtorno – conta.
Aumento abusivo
Planos de saúde coletivos costumam ter reajustes bem acima daqueles aplicados aos contratos individuais, que têm percentuais máximos definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Como mostrou o EXTRA no fim de abril, os coletivos — tanto empresariais quanto por adesão — terão reajuste de dois dígitos pelo terceiro ano seguido, segundo relatório da XP.
Pesquisadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Marina Magalhães analisa que um reajuste de 300% é “abusivo em qualquer cenário”.
— Essa abusividade reflete uma falta de transparência. Pela falta de regulação (dos contratos coletivos), nenhuma operadora apresenta a planilha de cálculo. É muito comum as pessoas judicializarem esses casos e, mesmo sob ordem judicial, as empresas não compartilham a planilha de cálculo — afirma Marina: — As operadoras aplicam um índice de reajuste tão alto que o beneficiário não consegue mais pagar. Acaba sendo uma forma de expulsar indiretamente esse usuário.
Coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio, o defensor Eduardo Tostes diz que os reajustes de planos coletivos variam, mas costumam ser altos, e que já se deparou com percentuais que atingiram 1.000%.
Para Tostes, a prática é uma questão sistêmica, já que somente os planos individuais possuem controle de preço.
— Mais de 80% dos planos no Brasil são coletivos, ou seja, temos a maioria dos planos sem uma regulação sobre o preço. Como o ajuste é livre, há grandes índices de reajustes que prejudicam muito a vida do consumidor quando ele mais precisa — diz.
Por: extra.globo.com/