Michel de Montaigne (1533-1592) é considerado o exemplo do intelectual moderno. Talvez tenha sido o primeiro da sua estirpe. Como bem define Carlos Eduardo Ortolan (em “Montaigne: um ensaísta refinado”, Cadernos EntreLivros 4 – Panorama da Literatura Francesa, 2007), ele foi um “cavalheiro elegante que, recluso em sua propriedade em Bordeaux e cercado por vasta biblioteca como um herói solitário do pensamento, produziu reflexões sobre os temas mais variados. Montaigne forneceu o tom para o estudioso erudito, o trabalhador intelectual incansável, às voltas com a leitura e a redação de seus artigos”. Montaigne foi um sábio, no que de mais positivo possa ter essa palavra. Praticante da “epoché” do ceticismo clássico, a suspensão do juízo diante da antinomia de duas formulações igualmente razoáveis e fundamentadas, evitava, entre outras coisas, falar tolices.
E Montaigne foi – ou, melhor, é – o autor de uma obra considerada seminal das letras universais, “Os ensaios” (“Les Essais”, 1580), que tratam de quase tudo e que fundam um novo gênero literário. Como anota o citado Carlos Eduardo Ortolan, “uma breve vista de olhos por suas páginas nos brindará com um cortejo imenso, heterogêneo e vazado, no melhor estilo clássico de uma variedade de temas que faria inveja a qualquer enciclopédia moderna. (…) Esse é um dos encantos da obra: os ensaios podem ser lidos sem compromisso com uma ordem rígida, abertos ao acaso e fruídos em sua sabedoria e elegância, mesmo nos tempos atuais”.
Mas, a partir do exemplo de Montaigne, o que faz alguém ser um bom ensaísta? E, em tempos tão “líquidos”, que pedem textos mais curtos, o que faz um bom cronista/ensaísta? Existe uma receita para um “fino corte ensaístico”?
Certamente, ensaios/crônicas devem ser sistemáticos somente até certo ponto. Os textos, espalhados em jornais e revistas, ou mesmo reunidos em livro, podem possuir um ou mais núcleos temáticos, é verdade. Mas o que realmente importa é que eles sejam o resultado das reflexões mais íntimas do autor, das suas preferências na vida ou mesmo do momento, enfim, do seu estado anímico, quando ele, tinta e papel à mão, ou defronte a uma tela de computador, deixa fluir suas ideias e sua imaginação.
O ensaísta/cronista não deve cair na tentação da rigidez acadêmica, embora não deva abrir totalmente mão dos elementos indispensáveis a uma formulação de ideias fundamentada e crítica. Nesse ponto, basta ser sensato.
Ele deve ser informativo. Conhecer o mundo, as pessoas e as ideias. Mas deve ser também opinativo. Ter posição. Não precisa – aliás, não deve – ser extremista. O ensaísta/cronista deve ter a coragem de ser moderado.
Pode ser irônico, até sarcástico, mas na medida certa. A ironia oferece expressividade a qualquer discurso. E o riso, para desespero dos casmurros de hoje, nos une.
Por derradeiro, o ensaísta/cronista de gênio deve saber interpretar o mundo. Para além de saber das ideias, é necessário compreendê-las. Deve sobretudo descobrir e dizer o ainda não dito a partir daquilo que já foi dito. Mark Twain (1835-1910) certa vez disse algo como: “Não existe uma nova ideia. É impossível. Nós simplesmente pegamos um monte de ideias antigas e, então, as colocamos em um tipo de caleidoscópio mental”. E assegurava o revolucionário Picasso (1881-1973): “Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”.
E, claro, o ensaísta/cronista deve concluir o seu raciocínio ou, pelo menos, sugerir alternativas coerentes de conclusão para o leitor. Pois essa é a minha receita de “fino corte ensaístico”. Que, confesso, copiei ou roubei, por partes, de muita gente.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL