Padre João Medeiros Filho
Talvez muitos já não se recordem do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), ocorrido em 25 de janeiro do ano passado. Resultou num dos maiores desastres com rejeitos de mineração, no Brasil. Estava localizada no Ribeirão Ferro-Carvão, a 65 km de Belo Horizonte e classificada como de alto potencial de danos. O citado episódio – além de chocar o país pela agressão à natureza e perda de centenas de vidas humanas – reflete a força de uma mentalidade baseada no lucro e no dinheiro. Vem corroborar a crise do antropocentrismo moderno e suas consequências destacadas na Encíclica “Laudato Sì”. As questões relacionadas com o desenvolvimento econômico e o meio ambiente têm sido amplamente abordadas, ao longo dos anos, pela Doutrina Social da Igreja. Elas exigem atenção especial às políticas nacional e local. O referido documento pontifício afirma: “Os limites impostos por uma sociedade sã, madura e soberana têm a ver com prevenção e precaução, regulamentações adequadas, vigilância sobre a aplicação das normas, ações de controle concernentes ao aparecimento de efeitos não desejados dos processos de produção e oportuna intervenção perante riscos incertos ou potenciais” (Laudato Sì, 177).
O rompimento causou uma devastação de amplas dimensões, sob o prisma ambiental, industrial e humano. É considerado o maior acidente de trabalho, no Brasil. A tragédia de Mariana, de 2015, até então, era a mais grave calamidade ecológica provocada por vazamento de minério. Segundo alguns especialistas no assunto, Brumadinho estará, certamente, no topo das desastres com barragens mineradoras no mundo, possivelmente ultrapassando as de Val di Stava (norte da Itália). Nosso país é destaque na lista de ocorrências do gênero, por contar o maior número de vítimas. Foram catástrofes significativas com perdas humanas irreparáveis e sérios prejuízos ao meio ambiente. Soma-se a elas a ruptura da barragem de Itabirito, em 2014.
Diante dos destroços de Brumadinho deve-se renovar o questionamento: qual é o valor da vida humana, nesta terra de Santa Cruz? Em uma cultura na qual tudo é descartável e fugaz, ignoram-se questões essenciais para a integridade do homem. O egoísmo, a ganância e a indiferença social ofuscam os cidadãos, mormente, certos governantes. Isto ocorre, há décadas, a ponto de não se olhar mais o “homem como a medida de todas as coisas”, segundo afirmativa de Bento XVI. Não se pode repetir indiscriminadamente que falta vontade política às autoridades brasileiras. Isso a sociedade está farta de saber. A eficácia dos governos se faz sentir, quando em momentos difíceis, como aquele, surgem respostas pautadas no bem comum. Projetos de leis, como se sabe, encontram-se engavetados no Parlamento Nacional, por interesses alheios à coletividade. Talvez faltem da parte dos cidadãos cobrança suficiente e pressão constante que levem a uma decisão política, pois “se os cidadãos não controlarem o poder público – nacional, regional e municipal – também não é possível combater os danos ambientais” (Laudato Sì, 179).
A tragédia da Vale do Rio Doce deixa uma marca indelével e uma lição ao Brasil: as ecologias ambiental e humana são inseparáveis. A ética exerce um papel unificador entre ambas. Os direitos inalienáveis de cada pessoa não podem ser desrespeitados e dissolvidos. Toda a sociedade tem o dever de defendê-los e promovê-los. A conscientização e o diálogo para elaborar normas eficazes sobre ecologia serão sempre o princípio e a meta para que outros infortúnios não ocorram. O que aconteceu em Brumadinho, Mariana, Itabirito e outros locais foram calamidades, oriundas da incúria e ganância de empresários, da cumplicidade ou omissão de governantes. A Igreja não poderá ficar indiferente a tais situações. É sério e gravíssimo o rompimento dos valores morais, éticos e humanistas da sociedade brasileira, voltada sobretudo para interesses de grupos econômicos ou ideológicos. Um dia, Deus dirá aos responsáveis, como o fizera a Caim, de acordo com a narrativa bíblica do Livro do Gênesis: “O que fizeste do teu irmão?” (Gn 4, 9). Dom Luciano Mendes de Almeida, quando arcebispo de Mariana, afirmava, de forma profética: “Subestimar e brincar com a vida dos outros é afrontar o próprio Deus”.