O BRASIL PAROU PARA ACOMPANHAR uma grotesca briga pelo controle do PSL nessa semana. O baixo clero recém-empoderado pautou o país ao protagonizar uma disputa pelo controle do partido de aluguel que abrigou o bolsonarismo. Estão em jogo os R$ 350 milhões do fundo partidário do PSL para as eleições do ano que vem.
A treta foi feia, cheia de ataques, espionagens, grampos, ameaças e xingamentos entre os representantes da chamada nova política. O racha não se deu por divergências ideológicas ou programáticas, mas por grana e poder. Bem vindos à “nova era”.
A briga começou bem ao estilo bolsonarista de fazer política: com uma fofoquinha de rua, em frente ao Palácio. Um fã abordou Bolsonaro na rua e gravou um vídeo-selfie gritando “Bivar e Bolsonaro, juntos por uma nova Recife”. O presidente então pediu para o rapaz não divulgar o vídeo, porque o presidente do PSL, o deputado federal Luciano Bivar, estava “queimado pra caramba”. Três dias depois, coincidentemente — e acredita nessas coincidências de Sergio Moro quem quiser —, a Polícia Federal iniciou uma operação relâmpago contra Bivar, baixando em sua casa para cumprir uma busca e apreensão. Estava instaurada a crise no PSL, que rachou e ficou dividido entre duas alas: os bolsonaristas, que desejam continuar seguindo o presidente como o gado segue o berrante, e os bivaristas, que passaram a questionar a deslealdade de Bolsonaro e apoiar Bivar.
Os bolsonaristas passaram a cogitar publicamente uma mudança de partido, mas era só mais um conversa para gado dormir, já que a mudança resultaria na perda dos mandatos. O jogo de cena serviu apenas para forjar um conflito entre a velha e a nova política, e fazer parecer que os bolsonaristas estão insatisfeitos com a lama do PSL. Não estão. Tanto é verdade que o ministro do Turismo, que está mais envolvido no laranjal do PSL que o próprio Bivar, continua prestigiadíssimo no cargo. Tão prestigiado que não foi suspenso nem após ser acusado de ameaçar de assassinato a deputada do PSL que dedurou o esquema de laranjas. A única intenção de Bolsonaro e sua turma é pegar a chave do cofre do partido.
O presidente da República planejou um golpe contra o presidente do PSL. Um golpe ridículo, com traços de comédia-pastelão, mas que também utilizou táticas de milícia. Uma operação para substituir o líder do partido na Câmara, Delegado Waldir, pelo seu filho, Eduardo Bolsonaro, foi iniciada. O presidente passou a ligar para os correligionários, pressionando-os a assinar o requerimento que colocava o seu filhote no lugar do delegado.
O PSL tem 53 deputados. Para trocar o líder, é necessário ter apoio de mais da metade da bancada. Eduardo conseguiu juntar 27 assinaturas e chegou a dar entrevistas como líder do PSL. A Record, braço midiático do bolsonarismo, informou que o delegado já teria até limpado sua mesano gabinete da liderança. Logo em seguida, Waldir apareceu com uma lista com 32 assinaturas a favor da manutenção da sua liderança. A Secretaria-Geral da Câmara dos Deputados confirmou a vitória do delegado.
Juntando as duas listas, havia 59 assinaturas, seis a mais que a bancada inteira do partido. É que quatro deputados assinaram as duas listas. Difícil dizer se isso foi resultado de bagunça ou de picaretagem. No caso específico de Daniel Silveira, do Rio, não se pode dizer que foi picaretagem. Ele admitiu ter se inflitrado no grupo bivarista fingindo ser aliado para poder espioná-lo – tudo sob a orientação de Eduardo Bolsonaro e a conivência do presidente da República. O ex-policial militar assinou a lista de apoio a Waldir somente para os bivaristas não desconfiarem da sua crocodilagem. Não se poderia esperar nada diferente de Daniel Silveira, o pitboy que se destacou no cenário político nacional da forma mais asquerosa e covarde possível: destruindo a placa de uma vereadora assassinada pela milícia.
Silveira foi além: gravou conversas dos bivaristas e as levou ao Planalto para a apreciação do ex-capitão, que decidiu vazar tudo para a imprensa. Nos áudios, o delegado Waldir aparece aos palavrões, chamando Bolsonaro de “vagabundo” e ameaçando vazar um áudio dele que o “implodiria”. O deputado Felipe Francischini foi gravado dizendo que Bolsonaro foi quem “começou a fazer a putaria toda, falando que todo mundo é corrupto. (…) a gente foi tratado que nem cachorro desde que ele ganhou a eleição. Nunca atendeu a gente em porra nenhuma. (…) Só liga na hora que precisa de favor para foder com alguém.”
Esse palavreado varzeano é uma das características desse novo jeito de fazer política do PSL. Por mais que o Brasil já tenha vivido discussões políticas bastantes acaloradas, jamais se viu o decoro parlamentar ser pisoteado dessa maneira. O partido que se diz defensor dos valores tradicionais da família brasileira tornou o xingamento e o baixo calão um novo padrão de comportamento na política.
Não é de hoje. Os parlamentares do PSL nem haviam tomado posse, mas já protagonizavam uma série de barracos entre si. De lá pra cá, como em um reality show, toda semana temos uma briga nova com muita baixaria. Ainda durante as eleições, Alexandre Frota, que estava em campanha pelo PSL, chamou Joice, sua colega de partido, de “biscate” e “ratazana”. Semana passada, Carluxo – que nem é do PSL, mas age como se fosse dono do partido do papai – chamou o líder do partido no Senado, Major Olímpio, de “canalha” e “cadela no cio”. Essa semana, Joice fez insinuações sobre a sexualidade de Filipe Martins, assessor especial da presidência. Perceba que a violência verbal não aparece em casos isolados, mas faz parte da cultura do bolsonarismo. É a cultura do enfrentamento, dos ataques, da lacração, do bang bang, das milícias. É o reflexo do desprezo que os seus adeptos têm pela democracia.
Mas voltemos à briga entre bivaristas e bolsonaristas. Luciano Bivar se vingou de Bolsonaro destituindo Flávio e Eduardo do comando do partido no Rio e em São Paulo. A bolsonarista Bia Kicis também foi destituída do comando do PSL do Distrito Federal. Em pouco mais de 24 horas, Bolsonaro perdeu a liderança do partido na Câmara e o comando do partido nos três principais estados do país. O presidente decidiu então retirar Joice Hasselmann da liderança do governo da Câmara e colocou no lugar, vejam só, um emedebista da ala de Renan Calheiros, Romero Jucá e Eunício de Oliveira. Os caminhos da nova política nos leva a lugares inimagináveis.
O modo intimidador como o presidente da República tratou seus correligionários causou incômodo. Em um dos áudios vazados, a deputada Professora Dayane Pimentel disse que Bolsonaro fez uma proposta irrecusável aos parlamentares: “Assina, senão é meu inimigo”. Parece mais uma ação de chefe de milícia do que de presidente da República. Joice Hasselmann, a ex-líder do governo que votou contra a vontade do governo na escolha do líder do PSL, afirmou que o gabinete da presidência foi transformado em “instrumento de coação”. Bolsonaro usou o poder do cargo para coagir parlamentares a contribuírem com o seu golpe dentro do PSL.
Bolsonaro começou o governo com uma boa base de apoio que, aos poucos, foi perdendo com seu autoritarismo e deslealdade. É um presidente diferente de todos os outros, que renega a política, que não se preocupa em formar maioria para poder governar. O bolsonarismo está tentando implantar uma cultura miliciana na política brasileira, mas pode ser engolido por ela.
O PSL é a sigla que juntou outsiders reacionários com políticos veteranos do baixo clero que, malandramente, resolveram abraçar o discurso da antipolítica. Os ataques de Bolsonaro contra seu próprio partido, usando táticas de milícia virtual, é também um ataque à representatividade democrática. Há quem ainda não percebeu, mas o bolsonarismo é um projeto de destruição da democracia. Mas tudo leva a crer que o chimpanzé presidencial e os seus aliados, cada vez menos numerosos, se auto-implodirão antes de cumprir essa tarefa.