Padre João Medeiros Filho
Este cântico litúrgico é a parte final do hino eucarístico “Pange Lingua”, composto, em 1264, por Santo Tomás de Aquino para a festa de “Corpus Christi, a pedido do Papa Urbano IV. Esta música sacra, apresentada em canto gregoriano ou polifonia, marcou a vida espiritual de muitos. O compositor brasileiro Toquinho, parceiro de Vinicius de Moraes, ainda hoje se encanta e se emociona, ao recordar a melodia tocada por Padre Romano, organista do Liceu Salesiano do Coração de Jesus (São Paulo), onde estudou. No Seridó, a interpretação musical do Maestro Felinto Lúcio comove, de modo especial, os fiéis na Bênção do Santíssimo Sacramento. A partitura do eminente seridoense é executada na Basílica de São Pedro (Vaticano), graças a nosso conterrâneo Monsenhor Flávio José de Medeiros Filho.
Plantão permanente da eterna solidariedade de Deus é o Pão Eucarístico, meiguice de um Pai, que nos envia um Irmão para dialogar conosco. Ele assegurou-nos: “Quem comer deste Pão, jamais terá fome” (Jo 6, 35). A Eucaristia é a espera de Deus por nós, abraço divino que nos é reservado. Beijo carinhoso de um Pai cheio de bondade, que no silêncio da Hóstia nos mostra seu amor misericordioso. Eis o gesto augusto da presença celestial, temporalizada no mistério da Encarnação. Cristo quis se unir à humanidade e revelar que ela tem um valor infinito, não obstante as suas limitações. Um dia, Deus em sua inefável benignidade nos perfilhou.
A Encarnação é uma incomensurável prova de amor de Deus. Mas, Ele quis ir além. Complementou misteriosamente sua prodigalidade no Sacramento do Altar. Ele se dá ainda mais, transformando elementos materiais em símbolos de sua pessoa. Consagra o universo, através dos três elementos que o representam: pão, vinho e água. A matéria inanimada torna-se suporte da divindade de Cristo ali presente, porém latente. Graças à fé, pode-se sentir essa teofania de Jesus, concedida por Deus aos filhos adotados. Por isso, exclamou Tomás de Aquino: “Ainda que o sentido falhe, a fé basta para confirmar o coração sincero.”
A profecia de Isaías, retomada pelo Mestre, no Evangelho de João, afirma: “Todos que tendes sede, vinde à água. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai, sem dinheiro e sem pagar, vinho e leite” (cf. Is 55,1 e Jo 7,37). Alude ao alimento espiritual que Jesus oferece com seu Corpo e Sangue. É verdade que temos sede de justiça e do próprio Deus, às vezes, aparentemente, tão distante de nossos sentimentos e vidas. A Eucaristia sacia a nossa fome de valores maiores. Quem tem saudades de Cristo, vai buscá-Lo na beleza dessa presença silenciosa. E, embora sem falar, Ele deixa sua graça penetrar no íntimo de cada um que se achega a Ele para mitigar todo tipo de fome e sede. A Eucaristia é o pão dos viandantes, o viático na dimensão semântica do termo. Não apenas para os enfermos, mas, sobretudo para os caminhantes. Vale citar as palavras dirigidas ao profeta Elias, cansado, deprimido, como muitos de nós, em certos momentos da vida: “Levanta-te e come, porque ainda tens um caminho longo a percorrer” (1Rs 19, 7).
“Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18), largados à própria sorte, garantiu-nos o Senhor. A Eucaristia é Cristo em nós. A caminhada solitária é difícil. Por esse motivo, Cristo quis conviver conosco. A dimensão do diálogo é importante. Assim sendo, Jesus legou-nos esse memorial, sinal de sua companhia. Não querendo que padecêssemos de solidão ou abandono, fez-se Pão e permanência. O “Sublime Sacramento” é antecipação do banquete da eternidade, no qual gozaremos o definitivo de nossa história. Deus, por Cristo, abranda em nós as saudades do Eterno. Extasia-nos um mistério tão admirável! Apesar de suas interrogações, os fiéis encontrarão paz na intimidade eucarística. Sustentados pela fé, que ilumina os nossos passos na noite da dúvida e das dificuldades, pode-se proclamar, como fizera o saudoso Monsenhor Paulo Herôncio de Melo, quando pároco de Currais Novos: “Rei eterno, ó Deus humanado, suplicamos aos céus com fervor. Glória a Ti, ó Jesus escondido, ó mistério querido, ó milagre sublime de amor!” (Hino do Congresso Eucarístico Paroquial, outubro de 1937).