Gilmar Mendes disse ontem que não há hierarquia entre as turmas e o plenário do Supremo. De fato, elas são mera divisão administrativa para agilizar o trabalho. Mas o artigo 22, do regimento interno, diz que questões de relevância jurídica devem ser levadas ao colegiado integral de 11 ministros.
Da mesma maneira, o artigo 22 garante ao relator autonomia para afetar essas questões de relevância jurídica ao plenário quando achar necessário, apesar de Gilmar ter dito que relator “não é dono” do processo.
Como registrou Edson Fachin, o artigo 305 do mesmo regimento diz que compete ao relator, de maneira discricionária, a remessa de feitos ao pleno e que essa prerrogativa é irrecorrível.
Gilmar parece inconformado com a decisão do relator da Lava Jato de anular as condenações de Lula e enviar o tema para análise do plenário. Gilmar parece temer também que o plenário julgue que a decisão de Fachin precisa ser analisada primeiro, pois é “motivo superveniente” à suspeição, como prevê o artigo 96 do CPP.
Na prática, não há como a Segunda Turma julgar primeiro a suspeição de Sergio Moro, se a questão da anulação das condenações já foi enviada a plenário. Kássio Marques não pediu vista do julgamento de suspeição à toa.
Embora Fachin tenha decidido reabilitar politicamente Lula (e o PT) por “questões de isonomia”, diante da tendência de anulação dos quadrilhões de MDB e PP, os conselheiros jurídicos de Jair Bolsonaro enxergam na manutenção de sua decisão pelo plenário a única saída para tentar tirar o ex-presidente de 2022.
Explico: o Supremo precisa escolher se Moro é suspeito ou incompetente para julgar Lula. Não é possível ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Neste caso, ministros pró-Lava Jato também concordam que tornar o ex-juiz suspeito é muito mais danoso para a operação, pois invalida todos os atos instrutórios, inclusive provas e depoimentos — o novo juiz do caso teria que recomeçar do zero. Fora que macula a imagem do juiz e gera um risco geral de anulações.
Já a decisão de Fachin sobre a incompetência da 13a Vara para os casos de Lula mantém válida a denúncia do MPF, além de provas e depoimentos colhidos, que estão sendo remetidos para a Justiça Federal em Brasília.
Os processos do triplex e do sítio estão prontos. Bastaria o juiz receber a denúncia, analisar os autos e revalidar a sentença.
Quando diz que Lula estará fora de 2022, Bolsonaro ecoa a tese de que ao menos a primeira condenação do petista poderia ser confirmada na Justiça Federal do DF e corroborada no TRF-1 antes da eleição, tornando o ex-presidiário novamente um ‘ficha suja’.
Além de tirar Lula da disputa, Bolsonaro (caso a pandemia não precipite o fim de seu governo) poderia até dizer na campanha que ajudou, pelas mãos de Kássio, a preservar o trabalho da Lava Jato, apesar da rumorosa demissão de Moro.
Quanto ao ex-ministro, o presidente aposta que ele não oferece perigo, que está feliz na iniciativa privada e amarrado contratualmente com o escritório Alvarez & Marsal por alguns anos.
O antagonista.