Juiz indefere pedido da bancada do solidariedade, mas a ação popular continua tramitando. Os deputados, Alinson Bezerra Kelps Lima e Cristiane Dantas, entraram na justiça contra o Governo do Estado do Rio Grande do Norte e a governadora Maria de Fátima Bezerra. Os parlamentares querem que a governadora efetue o pagamento dos vencimentos e proventos relativos aos meses de novembro e dezembro de 2018, assim como décimos terceiros salários de 2017 e 2018, em ordem cronológica dos débitos, destinando para tanto, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) dos saldos financeiros que tenham sobrado, nas contas públicas do Estado do Rio Grande do Norte, no mês de janeiro de 2019 e meses subsequentes”. O juiz da sexta vara da fazenda pública,
FRANCISCO SERÁPHICO DA NÓBREGA COUTINHO, decidiu por não conceder a liminar em desfavor ao Estado do Rio Grande do Norte. Veja a decisão.
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE NATAL
SEXTA VARA DA FAZENDA PÚBLICA
D E C I S Ã O
AUTOS Nº: 0803993-57.2019.8.20.5001.
NATUREZA DO FEITO: AÇÃO POPULAR.
PROMOVENTE: KELPS DE OLIVEIRA LIMA,CRISTIANE BEZERRA DE SOUZA DANTAS e ALLYSON LEANDRO BEZERRA SILVA.
PROMOVIDO: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e MARIA DE FATIMA BEZERRA.
KELPS DE OLIVEIRA LIMA, CRISTIANE BEZERRA DE SOUZA DANTAS e ALLYSON LEANDRO BEZERRA SILVA ajuizam AÇÃO POPULAR ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e de MARIA DE FATIMA BEZERRA, para: “impor que os Réus apresentem os extratos bancários de todas as contas públicas do Estado do Rio Grande do Norte no período de 1.º a 31 de janeiro de 2019, assim como atualizem, de imediato, as informações no Portal da Transparência do Governo do Estado” e “determinar que os Réus efetuem o pagamento dos vencimentos e proventos relativos aos meses de novembro e dezembro de 2018, assim como décimos terceiros salários de 2017 e 2018, em ordem cronológica dos débitos, destinando para tanto, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) dos saldos financeiros que tenham sobrado, nas contas públicas do Estado do Rio Grande do Norte, no mês de janeiro de 2019 e meses subsequentes“.
É o relatório.
D E C I D O :
No caso vertente, o autor pretende demonstrar que existe “saldo financeiro no mês de janeiro de 2019” e que “não é legítimo tampouco juridicamente aceitável que os servidores e aposentados do Estado continuem sem receber os proventos que se encontram em atraso” (ID 38720030).
A Ação Popular, segundo o art. 1º, da Lei nº 4.717/65, é o meio colocado à disposição de qualquer cidadão, tem por objeto o ato ilegal e/ou lesivo ao patrimônio público, buscando desconstituí-lo.
Dessa maneira, a ação popular protege interesses não só de ordem patrimonial, como também de ordem moral, cívica e ambiental. O objetivo, pois, da ação popular não é apenas restabelecer a legalidade, mas também punir ou reprimir condutas de imoralidade administrativa e de lesão ao meio ambiente. É o que se observa da leitura do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição República, a seguir transcrito:
“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
Assim, a pretensão a ser formulada pela via da ação popular deve sempre estar atrelada a algum interesse transindividual, configurando-se, portanto, como uma espécie do gênero ação coletiva em sentido amplo.
No caso dos autos, a parte demandante entende que a parte promovida fere a legalidade e moralidade, pois desrespeita a ordem cronológica de pagamentos e retem dolosamente o pagamento de salários e proventos, com o fim de formação de “caixa” para fazer frente a dívidas futuras. Fundamenta sua pretensão em (i) notícias da impressa local; (ii) em requerimentos do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público da Administração Direta do Estado do Rio Grande do Norte – SINSP-RN para utilização de sobras de recursos para iniciar o pagamento de salários atrasados e de informações; e (iii) de demonstrativo de distribuição de arrecadação.
A norma de regência, sobre tutela provisória de urgência, dispõe que:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Assim, a parte promovente deve convencer o Juízo da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do resultado útil do processo.
Ao salientar a probabilidade do direito, não quis o Legislador, evidentemente, submeter o Juiz, que utiliza cognição sumária, a um profundo exaurimento instrutório, nem, tampouco, procurou-se relegar a concessão da antecipação da tutela ao mero alvedrio de uma decisão despida de legítimo fundamento. Ora, como explica Cândido Rangel Dinamarco, “ o grau de probabilidade será apreciado pelo Juiz, prudentemente e atento à gravidade da medida a conceder. A exigência de prova inequívoca significa que a mera aparência não basta e que a verossimilhança exigida é mais do que o fumus boni iuris exigido para a tutela cautelar. Isso significa que o Juiz deve buscar um equilíbrio entre os interesses dos litigantes. Não se legitima conceder a antecipação da tutela ao autor quando dele possam resultar danos ao réu, sem relação de proporcionalidade com a situação lamentada ( In. A Reforma do Código de Processo Civil, pp. 145/146 ). ”
A questão trazida ao Judiciário, em cognição sumária própria deste momento processual, envolve a apresentação de extratos bancários e de atualização de informações no Portal da Transparência, além de determinação de pagamento de salários atrasados, pois estaria a parte demandada causando prejuízo ao erário e violando a legalidade, moralidade e impessoalidade.
As medidas pretendidas, em especial a de pagamento de remunerações atrasadas, exigem amplo aprofundamento e conhecimento da situação fiscal e orçamentária do Estado do Rio Grande do Norte, e estão inviabilizadas pela ausência de elementos que permitam essa aferição e de documentos probatórios à substanciar o pedido cautelar.
A ação ora proposta não veio acompanhada de informações ou de documentos hábeis a demonstrar a existência de superávit financeiro no mês de janeiro de 2019 ou, ainda, da comprovação de que o Portal da Transparência do Governo do Estado está desatualizado. Não se especificou, na inicial, quais informações não constam no referido Portal.
Outrossim, na forma do art. 1º, da Lei nº 4.717/1965, a parte autora não se desobrigou de justificar a ausência de requerimento, na via administrativa, da atualização do portal da transparência e de fornecimento dos extratos bancários de todas as contas públicas do Estado do Rio Grande do Norte no período de 1.º a 31 de janeiro de 2019, limitando-se a ingressar no Judiciário sem tais informações, além de requerer o deferimento de medidas cautelares.
Em síntese, os documentos acostados aos autos não comprovam o alegado, de que existe um saldo financeiro e de que o Governo do Rio Grande do Norte está fazendo “caixa para fazer frente a dívidas futuras”, restando inviabilizada a pretensão cautelar de apresentação de extratos e de atualização do portal da transparência por ausência de verossimilhança das alegações, o que prejudica, inclusive, a análise do pedido cautelar sucessivo de pagamento de salários, proventos e pensões atrasadas, além de tornar prescindível a aferição do requisito do “periculum in mora“.
Registre-se, ainda, que o pedido de pagamento de salários possui natureza satisfativa e pode causar o exaurimento da prestação jurisdicional, com total perda do objeto da ação e provável perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (art. 300, § 3º, do Código de Processo Civil), por se tratar de verba de natureza alimentar, antes mesmo de ser oportunizada a formação do contraditório e sem qualquer substrato probatório mínimo a conferir verossimilhança às alegações.
POSTO ISSO, considerando a ausência do requisito da verossimilhança das alegações, na forma prevista no art. 300, do Código de Processo Civil, INDEFIRO o pedido de tutela provisória formulado na inicial porKELPS DE OLIVEIRA LIMA, CRISTIANE BEZERRA DE SOUZA DANTAS e ALLYSON LEANDRO BEZERRA SILVA formulado em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e de MARIA DE FATIMA BEZERRA, regularmente qualificados, na Ação Popular nº 0803993-57.2019.8.20.5001.
Citem-se a Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, MARIA DE FATIMA BEZERRA, pessoalmente, e o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, de forma eletrônica, para, querendo, apresentar contestação, no prazo de 20 (vinte) dias.
Havendo arguição de matéria preliminar ou juntada de documentos, cumpra-se o disposto no art. 351, do Código de Processo Civil.
Decorrido o prazo legal, com ou sem resposta, vista dos autos ao Ministério Público.
Após, conclusos.
Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Natal/RN, 08 de fevereiro de 2019.
FRANCISCO SERÁPHICO DA NÓBREGA COUTINHO
Juiz de Direito
(documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)