Sobre coelhos, colombas e ovos de páscoa


Padre João Medeiros Filho
Durante anos, elaborei projetos de cursos de teologia a fim de obter autorização de funcionamento do Ministério da Educação. Ali, incluía no perfil do teólogo a assessoria teológico-cultural a órgãos públicos e privados. Se houvesse tais graduados nas fábricas de chocolates Nestlé, Garoto, Kopenhagen, Cacau Show, Cacau Brasil etc., talvez os empresários mudassem de direcionamento e não produzissem coelhos, colombas e ovos pascais. Não se sabe exatamente quem fez a ligação de chocolate com a Ressurreição de Cristo. É corrente citar o coelho como símbolo de fertilidade e os ovos, o princípio da vida. Para muitos trata-se de uma metáfora um tanto forçada. Na Páscoa comemora-se a vitória de Cristo sobre a morte. Por isso, sua força renovadora requer algo mais simbólico, como a Luz do Círio, elemento litúrgico da Vigília Pascal. Cristo dissera: “Eu sou a Luz do mundo” (Jo 8, 12).
Há tempos, Luiz Fernando Veríssimo escreveu uma crônica sobre o tema. Reproduziu parte do diálogo entre um menino e seus pais sobre essa festa. A narração termina com a observação da criança: “Acho que se deveria substituir o coelho por uma galinha. Esta põe ovos, aquele não.” Não convêm histórias que podem confundir ou deformar a mente das crianças e pessoas incautas. Os textos bíblicos e litúrgicos não fazem referência a coelhinhos, colombas e ovos, elementos atuais da comemoração pascal.
Historiadores narram que antes do cristianismo, celebrava-se entre os povos anglo-germânicos a deusa Eostre (conhecida como “deusa da aurora”), da primavera e da fertilidade. Ainda hoje, ela é celebrada na tradição celta. Na Europa o período pascal ocorre sempre na primavera. Considerando a fecundidade dos coelhos, fizeram uma ligação com a Páscoa e o aumento de cristãos nos primeiros séculos. Entretanto, nela vivencia-se a renovação da vida espiritual e não a procriação ou fertilidade. Nas igrejas de ritos orientais (bizantino, ucraniano etc.) há o costume de pintar ovos e presenteá-los aos vizinhos na oitava pascal. Para eles, os ovos lembram o princípio da vida. Todavia, teólogos cristãos consideram elementos pouco significativos da plenitude da Vida em Cristo. O apóstolo Paulo já advertia: “Que ninguém vos faça prisioneiros de filosofias e conversas sem fundamento” (Col 2, 8).
Ultimamente, para simbolizar a Páscoa, optou-se pela pomba. Para alguns é mais icônica. A passagem do Gênesis sobre o dilúvio e a Arca de Noé (Gn 6, 11-20) narra que a pomba voou, apanhou um ramo verde de oliveira e o trouxe até Noé. Ela passou então a ser símbolo de vida. Uma das telas comoventes de Picasso é uma menina com uma pombinha em suas mãos. Os Evangelhos ressaltam que o Espírito Santo no momento do batismo de Jesus, “desceu sobre Ele em forma de pomba” (Lc 3, 22). Talvez, esses dados tenham influenciado a fabricação de colombas pascais, um tanto desfiguradas, segundo vários artistas sacros. Nenhum desses símbolos expressa com profundidade a Vida nova, trazida pela Ressurreição de Cristo.
Muitos desconhecem o significado da Páscoa. Continuam associando aos coelhos, ovos, colombas e outras guloseimas de chocolate. Desconhecem o seu sentido e não a celebram com uma mentalidade bíblico-religiosa. No período que antecede a Semana Santa, há toneladas de ovos de chocolate e outros produtos similares, em supermercados e lojas. Não há uma palavra sequer sobre o que representa a Páscoa. Fabricantes cristãos de tais produtos poderiam pôr ao menos nas embalagens um folheto explicativo sobre essa importante festa do cristianismo. Como faz falta um conhecedor da cultura religiosa. Quando estudava na Bélgica, ouvi de um sacerdote da Igreja Ortodoxa Russa que nela a Ressurreição é a solenidade máxima dos católicos. O comunismo, com todas as suas narrativas e imposições, não foi capaz de destruir a alma do povo, tocada pela fé cristã. No alvorecer do Domingo de Páscoa – retratado pelo clarão do Círio – as pessoas saem pelas ruas e se cumprimentam: “Cristo ressuscitou!” Responde-se com um largo sorriso: “Sim, Ele está vivo!” Na minha primeira noite pascal em Louvain, um jovem presenteou-me um Círio e dissera: “Cristo ilumine a tua vida e o teu Brasil.” Recomenda o apóstolo Paulo: “Faz-se necessário renovar-vos pela transformação espiritual de vossa mente” (Ef 4, 22-23).