Padre João Medeiros Filho
“Não sois máquinas, homens é o que sois”, advertia Charles Chaplin. A sociedade hodierna é marcada por grandes avanços científicos e tecnológicos. Entretanto, passa por ingentes dramas humanos e sociais. Há beligerâncias fratricidas, perseguições religiosas e étnicas, intolerâncias ideológicas e políticas, violências ecológicas e homofóbicas. Grassam doenças pandêmicas, fome, miséria, corrupção, injustiças, em suma, males de várias espécies, delineando um quadro de desumanização. Vive-se num século de múltiplos paradoxos e contrastes. O resultado desse quadro é cada vez mais uma humanidade sofrida, vazia, angustiada e perplexa. As instituições, dentre elas as igrejas, necessitam enfrentar seriamente essas chagas com respostas eficazes, sob pena de presenciarem a derrocada das verdadeiras tradições e dos valores fundamentais da convivência humana. Para vencer a ameaça de uma completa desumanização, mister se faz priorizar os ditames da justiça e da verdade.
Urge penetrar nos corações e nas estruturas sociais. Aos cristãos cabe igualmente a responsabilidade de procurar deter as situações que estão fomentando um processo célere de desumanidade. O progresso material é incapaz de reparar tantos estragos humanos. São perdas que desfiguram nossa condição, afastando-a de sua identidade e missão próprias. O homem é imagem e semelhança de Deus, assegura-nos a Sagrada Escritura (Gn 1, 26). Parece que se caminha na contramão do indispensável humanismo, coluna e fundamento que sustentam a vida nas comunidades. Basta navegar pelo domínio poderoso das redes sociais para se chegar a essa conclusão. Ali, frequentemente a vida é vilipendiada e a morte banalizada. Trata-se com insensibilidade a dor alheia. Desrespeitam-se o luto e o sofrimento. Por lá, propagam-se a mentira, a injustiça, o elogio ao egoísmo, o incentivo ao hedonismo e a indiferença ao semelhante. Prega- se o culto do ter, do poder e do prazer. Não menos grave é o anonimato capcioso e covarde na internet, manipulando situações e confundindo pessoas, afrontando a verdade, condição essencial para o bem comum e a paz.
Este processo crescente de desumanização está contaminando as relações interpessoais e as instâncias da sociedade. Tem transformado indivíduos, grupos e famílias na condição de lobos, uns dos outros. Presencia-se uma realidade em que a propaganda enganosa, os sofismas, artifícios políticos, inverdades, falta de ética e descaso pelo próximo são adotados, virando prática rotineira. Parte-se da convicção equivocada de que todos os fins justificam os meios. É descomunal o nível de hipocrisia e conveniência nas falas e atitudes de tantos líderes. Isso gera conivências tácitas com o mal, acarretando desta forma prejuízos irreparáveis às instituições e o terrível aniquilamento de uma multidão de inocentes e indefesos. O mais grave é o descarte do outro, ignorando-se o compromisso de solidariedade, comunhão e fraternidade, ensinado por Cristo.
A desumanização proporciona e alimenta a proliferação de guetos e segregações em todos os níveis. Inviabiliza o diálogo saudável à convivência entre as pessoas. As contradições são tantas e os interesses vários, que tecem um emaranhado inexplicável, obscurecendo os corações e chegando a ofuscar o sentido do amor. Não raro, age-se inescrupulosamente em prol de proveitos pessoais ou grupais. Manipulam-se escolhas, emitem-se conceitos distorcidos, apresentam-se justificativas dúbias e juízos tendenciosos, no campo da política, ciência e religião. A sociedade desumanizada habita o submundo dos interesses mesquinhos e os porões corrompidos das instituições, como espaço privilegiado para o seu deleite. Com muito mais intensidade do que em décadas passadas, sente-se que o dolo e a inverdade, a hipocrisia, a vaidade e a arrogância estão corroendo a humanização da sociedade contemporânea.
Sabe-se que muitas coisas são urgentes e imprescindíveis, mas é inadiável aniquilar as causas de um iminente e devastador flagelo da desumanidade. É oportuno lembrar as palavras de Teilhard de Chardin:
. Quando se haverá de compreender verdadeiramente e viver a mensagem de Jesus? “Este era tão humano que só poderia ser Deus”, afirmou Augusto Cury. Cristo veio ao mundo para nos resgatar e ajudar a viver melhor a nossa humanidade. “O
Verbo de Deus se fez homem e habitou entre nós” (Jo 1, 14).
“Nós mesmos somos o nosso pior inimigo. Nada pode destruir a
humanidade, a não ser o próprio homem”