Padre João Medeiros Filho
Acertadamente, chamamos esta semana de santa. Inicia com o Domingo de Ramos, denominado assim desde os primeiros séculos da era cristã. Ramos de palmas foram jogados pelo povo nas ruas, como gesto de aplauso e reverência, quando Jesus adentrou em Jerusalém. Ele fez esse percurso, montado num jumento. Gesto insólito, mas previsto pelo profeta Zacarias: “Exulta de alegria, filha de Sião, solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém: eis que vem a ti o teu Rei, justo e vitorioso. Ele é simples e vem montado num jumentinho” (Zc 9, 9). A chegada solene em Jerusalém simboliza a entrada gloriosa no seu Reino, contrastando com cortejos triunfais dos poderosos, que estamos acostumados a presenciar. Cristo demonstrou, assim, despojamento e humildade, como Rei e instaurador de um novo Reino, que não se fundamenta na prepotência, na força e, muito menos, na ostentação. “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), assegurou o Mestre a Pilatos.
Chegara o momento dos seus últimos ensinamentos, os mais difíceis de serem compreendidos e aceitos, dentre eles, o sofrimento na cruz. Trata-se da Quinta-Feira Santa, data marcante para a história de nossa Redenção. Nesse dia, Jesus instituiu o Sacerdócio e a Eucaristia, na qual está latente o autor dos sacramentos. Ainda na quinta-feira, Ele pronunciou o sermão de despedida: “Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a ti” (Jo 17,1). À noite, começa a agonia, no Horto das Oliveiras. Ali está prefigurado todo o drama do sofrimento humano, causado pelos nossos pecados. Jesus já havia falado sobre sua paixão: “O Filho do Homem deverá sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, sumos sacerdotes e doutores da Lei, deverá padecer e ser morto” (Lc 18, 22). Naquela noite, Ele iria assumi-la radicalmente, agregando à sua cruz todas as dores da humanidade. Depois de preso, flagelaram-no. Aconteceu, também, a coroação de espinhos, a única conhecida na história.
Amanhecia a Sexta-Feira Santa. Cristo foi posto diante de dois tribunais. Primeiramente, o Sinédrio, onde foi incriminado por “heresia” ou heterodoxia, ao se proclamar Filho de Deus. Depois, levaram-no até Pilatos que, diante da insistência do povo, o condenou, entregando-o para ser crucificado. Começava, assim, o caminho do Calvário, que terminou com a sua crucifixão. Cristo ficou pendente na cruz, do meio-dia até às quinze horas, aproximadamente. Seguiu-se a sua morte, na qual Ele manifestou todo o seu poder, entregando-se livremente ao Pai: “Nas tuas mãos, ó Pai, entrego o meu espírito” (Lc 23, 46).
Finalmente, tudo confluiu para o grito exuberante do aleluia, na madrugada do domingo. Jesus quebrou os laços da morte, porque ela não tem poder sobre o plano de Deus. Tornou-nos merecedores da Vida Nova, através do sofrimento e da perfeita doação de si mesmo. E, ressurgindo, no-la dá como garantia e início da felicidade eterna. “Vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Devemos celebrar a Ressurreição com toda a alegria que Jesus traz a seus irmãos, especialmente com sua presença na Eucaristia.
Nesta Semana, toda a caminhada que fazemos com Cristo – das trevas do pecado para a luz da vida renovada – encontra o seu sentido mais profundo. Por isso, ela é santa e requer que todos a celebrem com o máximo de respeito, piedade e amor. Deus ama todos os seus filhos, eis a verdade proclamada e vivida nesta Semana. Às vezes, somos incapazes de imaginar incomensurável doação. Quem dentre nós, está disposto a sacrificar seu filho único para salvar e dar a paz aos outros? É esse amor que vivemos e celebramos, de modo especial no Tríduo Pascal. O gesto de Cristo é oferta divina gratuita, que atinge o ser humano em profundidade, antecipando-se até mesmo à nossa capacidade de amar. Ele ama-nos independentemente de nosso amor, não porque sejamos bons e justos, mas porque Ele assim o quis e deseja nos salvar e comunicar a vida em plenitude. Veio nos libertar daquilo que nos deixa infelizes. Sua Palavra transformará em alegria nosso pranto, em certeza nossa dúvida, em paz nossa angústia! Mistério insondável do amor de Deus!