Reflexão às vésperas das eleições

Padre João Medeiros Filho

Aumenta entre os brasileiros a descrença em seus políticos, mormente no que tange à coerência dasconcepções ideológicas. Muitas vezes, eles não servem ao povo, mas dele se aproveitam, revelando-se incapazes de promover o bem comum. Urge superar esse descrédito,partindo da escolha mais criteriosa dos candidatos e ummaior respeito à Ética. A credibilidade não advém apenasda simples presença de pessoas confiáveis. É preciso perceber nelas atos dignos, eficientes e profícuos, que estabeleçam valores para atingir o bem-estar do povo. Na abertura de um simpósio no Rio de Janeiro, Dom Eugênio Sales afirmou para pessoas de poder decisório:Quem se decide pela vida pública não pode desprezar o homem, imagem de Deus.”  E arrematou com palavras de São Cipriano de Cartago, inspiradas no apóstolo João (1Jo 4, 20): “Não podemos chamar a Deus de Pai, se não tivermos o outro como irmão.

A encíclica “Fratelli tutti” aponta o papel dos autênticos políticos: “interpretar o sentimento do povo e atuar em seu favor.” Apenas lideranças qualificadas contribuem para alicerçar um projeto duradouro de bem comum. Por isso, têm o dever de admitir a primazia do direito de cada ser humano em atingir a sua realização. No exercício da verdadeira política é imprescindível o debate sincero em que se discutam e defendam causas legítimas e justas. Os políticos devem agir de acordo com as necessidades e valores da população, sua última instânciae razão de ser. Nessa perspectiva, exige-se que os interesses da dimensão partidária sejam relativizados. Para tanto, é necessário imbuir-se de honestidade material e intelectual, colocando em segundo plano as preferências meramente ideológicas. A política é válida, se constróiuma comunidade justa e solidária. Desvia-se de seus objetivos, quando definições e atitudes contemplam apenas prioridades partidárias ou grupais. É igualmentedeturpada, ao se governar apenas para os adeptos. A consequência é o favorecimento de poucos, sobrando migalhas ou sobejos para muitos. Não é fácil afastar aqueles que exploram e amesquinham o povo, colocando vidas em risco pela desassistência e submetendo-as acondições existenciais deploráveis.

Tudo que fere o bem comum é desumano e anticristão, destruindo a própria essência da política. Merece singular atenção a desigualdade social brasileira com vergonhosos cenários que degradam a sociedade, gerando exclusão, condenando e aprisionando cidadãos em preconceitos e discriminações. O populismo é outra ameaça. Quem o exerce, tenta atrair consensos e manipular o povo. É um aviltamento, pois coisifica o indivíduo. É nocivo quando fala mais alto o projeto pessoal de permanência ou volta ao poder. Eis a tônica de certos candidatos. Não menos grave é quando o populismo nutre cidadãos e grupos de inclinações deletérias. Repulsivo ainda é procurar submeter instituições ao servilismo. Candidato íntegro é aquele que permanece aberto ao diálogo, a críticas e mudanças autênticas que enobrecem o homem.

Legisladores e executivos devem empenhar-se para oferecer às pessoas condições em prol do seu desenvolvimento, a fim de alcançar sua autonomia, usandoo potencial criativo. Por conseguinte, é necessário eliminaros contrastes sociais com responsabilidade e humanismo. Aos detentores de funções e cargos públicos não caberenunciar ao desafio de ajudar a desenvolver outro modelo de sociedade. Importa que ela assegure a todos o direito ao exercício pleno da cidadania, partindo de suas capacidadese valores. Há quem pense que ser líder é impor, massificar ou dominar. É indispensável que todos se abram a novos aprendizados para alavancar o Brasil. A política bem exercida é teologicamente caridade, pois é um ingente serviço que se presta aos irmãos. Quem nela se lança,deverá se persuadir dos ensinamentos bíblicos: “Ninguém busque seus próprios interesses, mas os do próximo(1Cor 10, 24). A paz e o futuro da pátria estão nas mãos dos eleitores. Às igrejas cabe unir e apaziguar. Aos pastores, a tarefa de iluminar e aproximar. Supliquemos a Deus que os futuros responsáveis pelos destinos do Brasil e dos estados federados venham a “conduzir o seu povo com retidão e equidade” (Is 32, 1), “pois quando os justos são a maioria e governam, a população se alegra” (Pr 29, 2).