Que padre os fiéis desejam?

Padre João Medeiros Filho
Hoje, 25 de agosto, ao completar 55 anos de vida sacerdotal, renovo a indagação acima. Inúmeras respostas poderiam ser aventadas. A missão do padre consiste em ser pastor e mensageiro da misericórdia de Deus, artífice da unidade e da paz, autêntico, místico e acadêmico. A figura do sacerdote sofreu mutações, ao longo da história da Igreja, apresentando contrastes analisáveis sob diversos ângulos. O cura de aldeia, que inspirou Georges Bernanos, diverge do pároco de metrópole. Distante é a postura dos purpurados de outrora – assemelhados aos nobres – daquela do Cardeal Martini. Este, quando foi designado arcebispo de Milão em 1979, pediu a seus diocesanos que o chamassem simplesmente Irmão ou Padre Carlos. Tais dissimilitudes demonstram a compreensão do sacerdócio por quem o assumiu. Os ministros ordenados são influenciados pelas culturas e necessidades de seu tempo.
Sou da geração dos primeiros presbíteros ordenados, após a realização do Concílio Vaticano II. Fui formado no contexto universitário do eixo teológico Bélgica-Holanda, onde havia doze peritos conciliares, liderados pelo Cardeal Suennes. O clero, de lá para cá, passou por mudanças internas e externas. Dentre elas, migrou do uso da batina para o “clergyman” e trajes civis. A vestimenta em si não constitui um problema. “O hábito não faz o monge”, diz o brocardo. A questão reside quando indumentárias se sobrepõem à conduta e à vida. Importa que haja constante disponibilidade para servir. “Nossas vestimentas testemunhem uma Igreja disposta à inclusão e não à divisão”, declarou São João XXIII. Pretende-se afirmar tão somente que no ministério sacerdotal – usando-se qualquer veste talar – o princípio da autenticidade e coerência de vida (ética) deve ser um imperativo. O estético não pode ofuscar o ético.
É relevante que o ministro sacerdotal possua um discernimento acadêmico. Não se trata apenas de titulação, apesar de sua importância. Atualmente, enquanto leigos são detentores do título de pós-doutor, muitos padres não possuem uma graduação superior legalmente reconhecida. Quando se fala de presbítero e meio acadêmico, refere-se ao que é genuíno desse ambiente: o diálogo e o debate. O sacerdote necessita ser preparado para analisar e lidar com os problemas do mundo, à luz do Evangelho. Não se trata de apologia ou proselitismo, mas de abertura a valores existentes, na atualidade. Torna-se indispensável uma sólida formação intelectual. Não raro, depara-se com eclesiásticos opinando sobre temas e emitindo juízos que padecem de argumentos convincentes e razoabilidade. Seu discurso pode atingir sentimentos, mas nem sempre penetra a espiritualidade e enriquece os fiéis. Assim, o sacerdote precisa consolidar uma mentalidade acadêmica, isto é, de intercâmbio e transdisciplinariedade. É sabido que a universidade nasceu à sombra dos mosteiros e catedrais.
Outrossim, o presbítero deve ser místico. Afirmava o teólogo jesuíta Karl Rahner: “Ou seremos místicos ou não seremos nada.” E isto não consiste em “visões ou revelações” e sim em configurar-se a Cristo para olhar o mundo com esperança e alegria. No afã equivocado de atingir esse ideal, há quem queira ser paladino de pastorais sentimentalistas. Existem também os arautos da intransigência ou do radicalismo, como se fossem donos da graça divina. A verdadeira mística deriva da vivência do Evangelho, marcada pela escuta e solidariedade. Jesus ouviu mais do que pregou. E porque soube ouvir, perdoou muito.
Cabe ao sacerdote ser pregoeiro de clemência e ternura, pastor e pontífice (cf. Carta aos Hebreus). Ao se dividir a comunidade, quebra-se o clima de unidade e paz – o qual deve reinar – e deixa-se de ser teologicamente pontífice (aquele que faz pontes), missão importante do sacerdócio ministerial. “Pai, que todos sejam um, como Eu e Tu” (Jo 17, 21). Além disso, é dever do presbítero ter equilíbrio. Em grego, a palavra tem sentido de experiente. Pesquisa realizada por uma faculdade de teologia brasileira constatou: “Os cristãos perdoam as fraquezas de seus padres, mas desaprovam os apegados a dinheiro, poder, status e aqueles que contribuem para a desunião”. Assim aconselhava o Cardeal Suhard aos católicos de Paris, nos idos de 1940: “O padre não é anjo, nem super-homem. Antes de condená-lo, reze por ele”.