Depois de sofrer três reveses seguidos no conflito com o Supremo Tribunal Federal (STF), a Operação Lava Jato reagiu mandando para a cadeia o ex-presidente Michel Temer, o ex-ministro Moreira Franco e outros acusados de desviar R$ 1,8 bilhão num esquema que perdurou pelo menos até outubro de 2018.
O juiz Marcelo Bretas alegou risco de destruição de provas para justificar a prisão preventiva. A defesa de Temer a qualificou de arbitrária e desnecessária, visto que ele não representava risco à ordem pública e vinha atendendo a todas as solicitações dos investigadores.
Embora relevante, o debate jurídico em torno dos abusos imputados à Lava Jato empalidece ante a repercussão política da prisão do segundo ex-presidente da República, como resultado da maior operação de combate à corrupção da história brasileira.
Como diria o próprio Bretas em seu despacho, “parece” evidente que Temer foi preso não apenas em virtude dos crimes que lhe são atribuídos, mas para mostrar ao público que a Lava Jato ainda está viva e ainda atinge poderosos. A prisão de Temer é um recado.
Ele vem depois que o STF decidiu retirar da Justiça Federal a investigação e julgamento de crimes vinculados a caixa dois, extinguir a fundação de R$ 2,5 bilhões idealizada pelo Ministério Público (MP) com dinheiro devolvido pela Petrobras aos cofres públicos e abrir uma investigação, com repercussões sobre o MP, a respeito da origem de ameaças recentes a ministros do STF.
Nada disso mudará com a prisão de Temer. As perguntas a fazer, portanto, são outras. Até que ponto ela satisfará ao objetivo de trazer uma nova energia ao combate à corrupção? Até que ponto a acusação de arbitrariedade ganhará corpo e se voltará contra a própria Lava Jato? Qual será o impacto político no Congresso, em especial na votação da reforma da Previdência?
A resposta à primeira pergunta é ambivalente. De um lado, Temer é um troféu incomparável, o maior que a Lava Jato poderia ter desde a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva há quase um ano. Os casos só não haviam progredido antes, pois ele investiu todo seu capital político para obter proteção da Câmara dos Deputados, enquanto na Presidência. Assim que saiu, a proteção acabou.
A prisão era só questão de tempo. As acusações contra o grupo político formado por Temer e Moreira Franco são sólidas. Há indícios robustos do envolvimento de Temer nas falcatruas protagonizadas pela empresa Argeplan, de seu amigo, o coronel João Batista Lima – e não apenas no caso que veio à tona ontem, como resultado da delação premiada do executivo José Antunes Sobrinho, da Engevix.
O tempo da prisão, contudo, foi açodado. Com os bons advogados que o assistem, é difícil que Temer não consiga logo um habeas corpus, já que ainda não foi condenado. As evidências de que possa atrapalhar as investigações, apresentadas por Bretas, não são contundentes nem consensuais no meio jurídico.
O mais provável, uma vez Temer solto, é que o caso contribua para a imagem negativa da Lava Jato, que ganha corpo nos últimos tempos. Já surgiram as acusações previsíveis de motivação política, em prisões decretadas e executadas ao arrepio da lei, por um grupo de procuradores e juízes que se julgam dotados de poderes quase divinos e da missão especial de erradicar a corrupção.
A outra consequência é atrapalhar a já difícil relação entre o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional, dificultando (ou tornando improvável) a aprovação da reforma nas leis penais proposta pelo ministro Sérgio Moro, e também a da Previdência.
Os motivos para isso são dois. Primeiro, a prisão de alguém como Temer, que já foi presidente, desperta o sentido natural de autopreservação dos parlamentares que andava adormecido. Projetos de restrição ao trabalho de procuradores e juízes tendem a sair das gavetas, sob a compreensível alegação de que é preciso impôr-lhes alguma disciplina. Nesse clima, o endurecimento penal de Moro deverá ser esquecido.
O segundo motivo é a relação familiar entre Moreira Franco e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (Maia é casado com uma enteada de Moreira). Na véspera da prisão de Temer, uma rusga verbal já opusera Moro a Maia. O presidente da Câmara também ficou decepcionado com a proposta governista para a Previdência dos militares, que criou diversos privilégios para incluí-los na reforma.
As redes sociais bolsonaristas, com o carinho que lhes é peculiar, passaram a torpedear o presidente da Câmara. Só que Maia é uma figura central para o êxito da reforma da Previdência, da qual depende nada menos que todo o governo Bolsonaro. Sem Maia, a reforma não sai. Por isso, ele tem hoje mais poder de fato que Moro ou Bolsonaro.
Temer já contribuiu para o naufrágio de sua própria reforma da Previdência, ao receber tarde da noite o empresário Joesley Batista para uma conversa estranha no Palácio do Jaburu. Involuntariamente, acaba de contribuir para dificultar a segunda. Ao ser preso.
G1