Padre João Medeiros Filho
Esta pergunta é ouvida frequentemente diante das dificuldades crescentes sentidas pelas pessoas no convívio social. Viver em sociedade sempre foi problemático e difícil. Porém, ultimamente, é um desafio. Tem-se a impressão de que o relacionamento pacífico tornou-se quase inviável. São significativos os dados que indicam o mal-estar causado pela incapacidade de conviver. Verificam-se desentendimentos, agressões, vinganças e até mortes. A violência é prova desse quadro que se vive atualmente. Mas, para aqueles que creem, Cristo assegurou a sua companhia: “Não vos deixarei sozinhos” (Jo 14, 15).
Segundo pesquisadores, os tempos modernos, envolvidos por tecnologias de aproximação – que tantos avanços trouxeram à humanidade – iniciam-se sob a égide da supervalorização do indivíduo. Primeiramente, houve a tomada de consciência da máxima cartesiana: “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”)! Em outros termos, o homem deve pensar e colocar-se no centro do universo! Passa a vigorar o antropocentrismo. Inegavelmente, ele trouxe benefícios. No entanto, quando o homem se coloca no centro de tudo, numa postura absolutista, como se fosse Deus, sentirá logo o delírio do poder e da autossuficiência. Tal atitude foi o primeiro pecado do homem, chamado original. Conforme a narração metafórica e mitológica do Gênesis, Adão e Eva aspiravam ser senhores de tudo. Instala-se o individualismo, aguçado pela cultura do consumo e pela globalização. Ele se volta fundamentalmente para o ter e não para o ser. Desta forma, o relacionar-se não se reveste de seu devido valor. O que conta é o possuir. Declara-se a guerra do acumular e do poder contra a ética e a decência.
A dificuldade para se viver em harmonia com o próximo é também uma consequência desse estado de coisas. O outro é sempre uma ameaça. É competidor e não parceiro, inimigo a ser vencido. Já dizia Jean-Paul Sartre, corifeu e defensor do existencialismo: “o inferno são os outros”. Cresce, nos dias de hoje, a ideia de que ser feliz é amar a si mesmo o suficiente para não precisar de ninguém (o mito da autossuficiência). Abandona-se aquilo que declarou Thomas Merton: “Homem algum é uma ilha”. A sociedade atual favorece a proliferação de narcisistas que, nas palavras de Theodore Rubin, “são pessoas que se tornam o próprio mundo e acabam crendo que são o mundo inteiro”. Assim, o conceito de liberdade – palavra-chave para se compreender a mentalidade hodierna – virou sinônimo da falta de limites.
Não é de se estranhar que os desencontros se agudizem, desde a dificuldade de relacionamento familiar (esposos, pais e filhos) e até entre os países. Um exemplo significativo é a falta de entrosamento entre povos ricos e pobres, começando pela questão ecológica. Problema esse tão grave, que foi objeto da encíclica do Papa Francisco: “Laudato si”. Por que não se entendem? Faltam abertura e diálogo. Isso dificulta o convívio entre pessoas, grupos e nações. Dialogar é característico do ser humano, dotado do poder de comunicação. O verdadeiro diálogo sabe escutar, respeitar e acolher. Não se pode esquecer que Cristo é o diálogo permanente de Deus, manifestado em ternura e bondade. Muitos conflitos foram resolvidos com o convite: vamos pensar juntos? O ser humano não é só indivíduo. “Constitui um elo indispensável da cadeia social”, como afirma o filósofo, ícone do personalismo, Emmanuel Mounier.
O exemplo perfeito de diálogo é dado ao mundo pelo próprio Deus. Na Bíblia, encontram-se os relatos da busca que Ele faz do homem que, por sua vez, também o procura. Trata-se de um maravilhoso encontro entre o céu e a terra: em Jesus Cristo. Nele, Deus encarna o ser humano, não para destruí-lo, mas para aperfeiçoá-lo e salvá-lo num sublime gesto de amor. Da comunhão com Deus, nasce a paz. Sem Ele, o homem pode se considerar único, senhor do mundo e da vida. Consequentemente, torna-se soberano e daí surge a violência como opção. Ela tem por base a ausência de Deus. Este é o referencial para o ser humano, criado à sua imagem e semelhança. O mundo não aprendeu ainda o apelo do salmista: “Como é bom e alegre os irmãos viverem unidos” (Sl 133/132, 1).