Pesquisa busca descobrir por que os mosquitos não ficam doentes quando estão infectados com dengue

Descobrir por que os mosquitos não ficam doentes quando estão infectados com dengue: esse é o problema ao qual José Henrique Oliveira, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia(MIP) da UFSC, irá dedicar sua atenção no próximo ano. Ele foi um dos contemplados em chamada pública de pesquisa científica do Instituto Serrapilheira, com o projeto “Inibindo vias de tolerância em mosquitos vetores para bloquear a transmissão de dengue”.

Os 24 projetos selecionados irão receber R$ 100 mil por um ano para o seu desenvolvimento, com flexibilidade no uso de recursos. Após esse período, haverá reavaliação dos projetos e três deles poderão receber até R$ 1 milhão, por três anos.

O propósito da pesquisa é que, no futuro, seja possível intervir no ciclo de transmissão da dengue e doenças com zika e chikungunya. Essas doenças são transmitidas por arbovírus, que têm interações com mosquitos vetores. “A dengue precisa de um inseto vetor, que pica uma pessoa com o vírus. O mosquito fica infectado, pica outra pessoa e aí passa o vírus. Estou tentando fazer com que esse ciclo não aconteça, impedindo picadas infecciosas, intervindo na doença através do mosquito vetor”, relata o pesquisador.

Interromper o ciclo de propagação da dengue, neste caso, significa impedir que os mosquitos vetores se alimentem de sangue e transmitam o vírus. “Os mosquitos são tolerantes a dengue. Quero inibir as vias de tolerância dos mosquitos infectados e fazer com que os insetos fiquem doentes”, afirma o professor. José Henrique explica que há um tipo de adaptação dentro da célula do mosquito que permite a replicação do vírus, sem afetar a saúde do mosquito. “Se eu conseguir fazer o mosquito ficar doente, por exemplo, inibindo essa adaptação, o mosquito vai cair morto e aí não tem transmissão de doença ou, se ele não morrer, não vai picar ou vai diminuir a frequência de picadas e você interrompe a doença da mesma maneira”.

Os pesquisador acredita que os mosquitos são tolerantes porque são muito capazes de neutralizar o efeito tóxico dos radicais livres que o próprio sistema imune deles produz contra os vírus. “Uma forma de defesa imune é a produção de radicais livres, que são moléculas frequentemente derivadas do oxigênio, muito reativas e tóxicas. Quando o sistema imune recebe um agente invasor infeccioso, identifica-o, produz radicais livres especificamente no local em que esse patógeno está e oxida, mata o agente invasor”, fala José Henrique. Entretanto, completa que “os radicais livres  não matam o somente o patógeno mas também o nosso tecido naquele micro ambiente. Isso a gente chama de imunopatologia. Por exemplo, em doenças auto imunes, o seu próprio sistema imune te causa mal”.

José Henrique pesquisa.

No caso dos mosquitos, a hipótese da pesquisa é que eles são muito bons em neutralizar os efeitos tóxicos dos radicais livres no local em que os vírus estão presentes. “Os mosquitos mantêm a integridade do tecido em que o vírus está presente. Isso faz com que fiquem saudáveis. Mesmo assim, o vírus fica ali, se replicando. Então existe um balanço que a gente não entende. A fisiologia da célula conserta o dano que a resposta imune local causou”, conta o professor.

A abordagem do trabalho proposto é de biologia molecular e genética reversa através do RNA de interferência: as funções de alguns genes dos mosquitos serão especificamente inibidas. “Se eu tirar o gene antioxidante X, porque tenho evidências de que ele trabalha para vias de tolerância, como é que fica o inseto? Vamos silenciar genes antioxidantes durante a hora em que o mosquito está infectado. E eu vou avaliar basicamente a saúde do inseto”, descreve José Henrique. A partir daí, irá analisar se o inseto fica vivo, se continua botando ovos, se muda a locomoção. A ideia é manipular uma parte do sistema e comparar com um inseto controle onde não houve aquela manipulação.

A partir do entendimento das vias de tolerância nos insetos, que é o objetivo do trabalho de José Henrique, pode ser possível propiciar o conhecimento das vias de tolerância da saúde humana. “É bastante possível que os seres humanos também possuam as vias que os insetos possuem para ativar a tolerância. Só que a gente nem sabe que vias são essas. Se a gente tiver, é uma questão de ativar elas na hora certa”. O pesquisador destaca que ainda não é possível apontar qual forma de aplicação gerada pela pesquisa. “Essa é outra pergunta, que a gente vai ter que abordar no momento em que entender o que está acontecendo com os insetos. O fato é que agora a sociedade quer resolver o problema. Eu tenho uma proposta de resolução do problema em laboratório e depois a gente vai partir para um momento de aplicação disso no grande ambiente. O que me proponho a resolver agora é um problema biológico”.

Para ser implementada no nível populacional e no ambiente, uma solução passa pela descoberta biológica, mas também de como será levada adiante pela sociedade. “Se eu achar uma molécula pequena, um químico que iniba as vias de tolerância, aceitável do ponto de vista ambiental, é perfeitamente razoável supor que a gente possa borrifar esse químico na natureza. Os mosquitos vão ser expostos a isso vão ter suas vias de tolerância inibidas”. Aí, diz José Henrique, será necessário partir para uma outra discussão, envolvendo, por exemplo, custos de aplicação nas cidades onde a dengue está presente.

A pesquisa prevê colaborações de outros grupos de pesquisa do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC, como o do professor Daniel Mansur. “É muito bom contar com docentes da Universidade que têm expertises complementares à minha. Não sou só eu e meus alunos é um trabalho de time, de equipe, envolvendo outros docentes da UFSC e outras Universidades. A Universidade tem capacidade para atacar esse problema e acredito plenamente que a gente pode resolvê-lo com a massa crítica que a gente tem aqui”, comenta José Henrique. Desta forma, o financiamento irá proporcionar, além da pesquisa, o treinamento de futuros pesquisadores.

Financiamento e ciência

Os resultados devem ser apresentados em 2020, seguindo a chamada pública do Instituto Serrapilheira. “Pragmaticamente, terei um conjunto de resultados preliminares em um ano, porque não são resultados prontos. Mas vão sugerir que a hipótese original está caminhando para ser validada ou para ser refutada”, diz José Henrique, lembrando que o financiamento do Serrapilheira permite o alto risco. “Muitos outros grantsnão aceitam, precisam que o dinheiro seja gasto de uma forma um pouco mais incremental. Então não tem muito espaço para você propor coisas novas. Neste, tem”, avalia o pesquisador.

As possibilidades abertas por este tipo de financiamento são importantes para a construção do conhecimento científico, opina José Henrique: “Eles querem ideias que sejam significativamente diferentes de tudo que está sendo realizado. A gente pode mover o campo para frente. Você teria uma descoberta que a gente chama de disruptiva. Ninguém estava pensando naquilo e você faz uma descoberta dessa natureza. Aí move o campo inteiro para lá, todo mundo vai ter que passar a pensar naquilo. Você botou (o tema) na agenda”.

José Henrique cita que existem doenças negligenciadas pela falta financiamento e que este grant dribla isto: “Quem paga a pesquisa do mundo é o hemisfério norte. Estas pessoas pagam pesquisa dos problemas que as afetam: câncer, alzheimer e doenças neurodegenerativas. Quem vai financiar filariose, que ataca o Recife? Então acho que nós, o Brasil, que tem esse problema, deve atacar as diversas doenças transmitidas por insetos vetores”. A pesquisa de José Henrique visa a dengue, mas também pode ser um caminho para todas as doenças transmitidas por insetos vetores, sejam arbovírus ou parasitas, como malária ou leishmaniose. “Se a gente conseguir quebrar a tolerância, no meu caso, dengue, isso cria uma prova de conceito de que a quebra de tolerância dos insetos transmissores de malária também pode ser feita”.

(Diário do poder)

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