Às vezes, tenho uma vontade danada de nunca ter ido a Paris. Só para ter aquela sensação única de chegar a Paris pela 1ª vez. Um susto existencial ao ver a cidade ali, ao alcance dos olhos, como que respondendo aos seus suspiros.
A capital francesa, em diversas oportunidades, é um susto de tão bonita e aconchegante. Nem falo da Paris majestosa e impactante, de tirar o fôlego. Mas da cidade das pontes, dos becos, dos parques, das livrarias, dos pequenos bistrôs e dos cafés.
Aquela que você só quer andar sem absolutamente nenhum compromisso ou rumo. Nunca se está sozinho lá; a cidade é uma companhia permanente. O Sena, à feição de Pessoa, é como o rio da minha aldeia. Ele te acompanha e te abraça, silenciosa e carinhosamente. As águas que se renovam parecem tragar nossas mágoas, saudades, frustrações e, ao mesmo tempo, continuam a nos banhar de esperança e ilusões de felicidade, que é a forma mais comum de ser feliz. Como ensinou Frédéric Chopin: “Paris responde a tudo que um coração deseja”.
Certa vez, acompanhei a filmagem de “Meia Noite em Paris”, com o Woody Allen andando nas ruas como se estivesse na Belle Époque. Dava para sentir o cheiro daquela época. Uma áurea mágica nos transportava para um período em que ter tempo era um ativo natural. As pessoas podiam desfrutar de uma Paris em que o tempo era um companheiro e não era preciso, como hoje, lutar contra ele, mesmo sabendo ser uma guerra perdida.
Em Paris, as ruas parecem que não acabam nunca, apenas se transformam, e de passo em passo a gente acaba se encontrando nas esquinas, sempre chegando ao Sena. Perder-se em Paris é uma deliciosa maneira de se encontrar. Lembro-me de Victor Hugo: “Respirar Paris, isso conserva a alma.”
Uma outra vez, em um almoço interminável na casa de Gérard Depardieu, a qual tem 4 cozinhas, eu disse a ele que tinha uma história muito mais interessante do que a que o imortalizou em Cyrano de Bergerac. Contei que, quando não conhecia Paris e julgava que Patos de Minas era uma espécie de Paris roceira, a gente passava férias em casa, por absoluta falta de dinheiro. E os primos ficavam 30 dias hospedados conosco.
Em uma dessas, um deles se apaixonou por uma amiga de Patos. Depois de 30 dias de intensas e frustradas tentativas, teve que voltar a São Paulo. Na despedida, pediu-me: “Não sei escrever bem. Escreve uma carta para ela”. Para minha surpresa, depois de 10 dias, a garota chega em casa com a carta nas mãos e diz: “Amei! Se ele tivesse dito o que está aqui escrito, eu ficaria com ele e me apaixonaria”. E arrematou: “Responde para mim”. Assim foi que, por um ano, eu me correspondi comigo mesmo. Cada vez mais intenso. Mais sexualizado. Mais apaixonado.
Passaram os anos e eu fui fazer análise em Paris com o grande psicanalista Eric Laurent, ex-presidente da Associação Mundial de Psicanálise, formado por Jacques Lacan. Depois das sessões, que eram ao lado do Jardin des Tuileries, eu saía andando pelo jardim e pelo Sena, como que a prolongar a sessão de análise.
Nessas andanças, eu aprendi a amar ainda mais Paris. Uma cidade que me acolhia e me aconchegava. Não mais me desafiava, como no início. Mas me namorava, como uma amante que não pede nada além do amor e da companhia. À exaustão. E só te dá isso. Quando relatei o episódio das cartas para meu analista, ele disse: “Foi aí que você se apaixonou por você”. Foi na mesma época em que eu me apaixonei por Paris e, acredito, ela por mim.
Remeto-me ao poema “Guardador de Rebanhos”, de Alberto Caeiro:
“E o que vejo a cada momento,
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo…”
Fonte: poder 360