Padre Sátiro, amigo há sessenta anos

Por: Padre João Medeiros Filho

Na festa de Nossa Senhora das Graças, Padre Sátiro partiu para a Casa do Pai. A Virgem Maria quis perto Dela um devoto todo especial. Cabem perfeitamente nos lábios de Padre Sátiro Dantas Cavalcanti os versos de Dom Carlos Alberto Navarro, inspirados no Salmo 23/22: “Sou bom pastor, ovelhas guardarei, não tenho outro ofício nem terei, quanta vida eu tiver, eu lhes darei”. Mossoró cobrir-se-á de uma névoa densa de saudades e preces de louvor e gratidão, proclamando as maravilhas do Senhor pela vida em plenitude de um dos grandes sacerdotes da Igreja de Cristo. Padre Sátiro poderá evocar as palavras de Cecília Meirelles: “O tempo que navegaremos não se pode  calcular. Mas, a beleza da vida é inefável”.

Sacerdote de grandes virtudes e muita ação, foi antes de tudo um místico. Dialogava no âmago de seu ser com o Infinito de Deus, na Capela do seu querido Diocesano, onde falou de Deus e com Ele, durante sessenta anos, na Igreja de São Vicente e no Santuário de Santa Clara de Assis. Profundo conhecedor da obra teológica de Santo Agostinho, tocado pela sua espiritualidade, ao raiar do dia, balbuciava preces de gratidão ao Deus do Amor e do Perdão. Conversava com Deus na quietude das primeiras horas do alvorecer. Acreditava, como Exupéry, que “no silêncio alguma coisa irradia”. Foi assim pensando, que erigiu o Mosteiro das Clarissas. Certa feita, dissera-me em descontraída palestra, no seu gabinete: “O que tenho ou recebo, nada é meu; tudo não passa de um empréstimo de Deus. Pertence aos seus filhos. Para eles deve retornar.”

Sempre foi imbuído da esperança, qual uma estrela em sua vida. E tem razão Mário Quintana, quando proclama: “Se as estrelas são inatingíves, não é motivo para não desejá-las”. Nutrido por tais sentimentos, aliados à sua fé e coragem, conseguiu estadualizar a atual Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, feito impensável para muitos. Seguindo as pegadas de Cristo, atravessou águas turvas e caudalosas da burocracia e dos interesses políticos, tornando o sonho em realidade.

Das mais de nove décadas vividas, seis foram dedicadas à educação dos mossoroenses, que com justiça o cultuam e exaltarão como sacerdote, mestre e ícone do ensino. Não se pode esquecer seu amor ao Diocesano, hoje acrescido da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, sua filha caçula, sacramento terreno da Igreja, Mãe e Mestra, na expressão do Vaticano II. Convém ainda ressaltar a Rádio FM Santa Clara, a Escola Erondina Dantas (em homenagem à sua mãe), o Centro de Evangelização, presença eloquente de Deus junto aos devotos da Virgem de Siracusa, especialmente os mais carentes.

Padre Sátiro foi, sobretudo, um verdadeiro sacerdote, homem do Divino e Sagrado. O presbítero deve ser profeta e poeta. Por isso, falou sempre em nome de Deus, exercendo o múnus profético. Cantou com sua vida e realizações as belezas divinas, revelando a sua força poética. É marcante o seu amor à Igreja e a Maria. O poder, o prestígio e a ciência não o afastaram dos sacrossantos misteres. Como a Virgem Santíssima, “Guardava  em silêncio os acontecimentos, meditando-os em seu coração” (Lc 2, 19). Em 1954, Ano Santo Mariano, centenário da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição, obteve o beneplácito de ser ordenado sacerdote. Este ano, foi celebrar seu aniversário de vida sacerdotal (69º), na Eternidade, onde cantará as glórias da Mãe Celestial, Nossa Senhora da Conceição, em cuja igreja foi ungido filho de Deus, na sua querida Pau dos Ferros.

Ingentes e palpáveis são seus gestos de fraternidade e solidariedade com todos.  A muitos estimulou espiritual e intelectualmente. A quem necessitava de ajuda, ele acorria. “E repartia o pão e não havia necessitados entre eles” (cf. At 2, 45), descreve Lucas, narrando os primórdios da Igreja.  A quantos alunos carentes concedeu bolsas de estudos! Contribuiu para a formação de muitos leigos, religiosas e sacerdotes. Viveu o ensinamento de Cristo: “Não saiba tua mão esquerda o que faz a direita” (Mt 6, 3).

Seu valioso contributo de sacerdote e educador ficará registrado na história da diocese de Mossoró e do Rio Grande do Norte. Sua passagem pelo Conselho Estadual de Educação é vivamente sentida. Vários documentos e normas trazem a sua marca. Porém, o que importa mais é seu amor à Eucaristia e ao Evangelho. Qual outro Pedro, respondendo ao Mestre, quando instado, se iria abandoná-lo, afirma: “A quem iremos, Senhor, só tu tens palavras de vida?” (Jo 6, 68). De postura ecumênica, nosso homenageado lembrou-nos certa feita, antes da novena de Santa Luzia, em 2008: “Deus dotou seus filhos de asas, mas nós queremos inventar gaiolas.” Padre Sátiro é imortal, não apenas por ter sido membro da AMOL e da ACJUS, mas pela grandeza de sua vida e nobreza de sua alma! No céu pedirá a Nossa Senhora que em breve sua Faculdade Católica, acrescida de novos cursos, dentre eles o de Medicina, seja dentro de poucos anos, credenciada como a Primeira Universidade Católica do Rio Grande do Norte. No dia 27 de novembro, ouviu de Cristo as palavras de recompensa: “Vinde bendito de meu Pai. Recebe a herança que te foi reservada” (Mt 25, 34). Meu grande irmão e amigo, peço que dê um grande abraço em Monsenhor Américo e Dom Freire. Descanse em paz no colo de Maria Santíssima!

Recanto Santa Marta, em Emaús, aos 27 de novembro de 2023