Padre João Medeiros Filho
O Concílio Vaticano II (do qual Dr. Otto Guerra participou, prestando inestimável contributo em “Guadium et Spes”), inspirado na teologia do apóstolo Paulo, definiu a família como “Igreja doméstica”. “Este mistério é grande em Cristo e na sua Igreja.” (Ef 5, 32). Pensando nessas palavras, o Papa Francisco, ao canonizar Louis Martin e Zélie Guérin, pais de Santa Teresinha, lembrou a necessidade de a Igreja mostrar que o casamento é espaço de santidade. Enquanto sacramento, confere a graça santificante. “Todo lar pode se transformar numa igreja, pois pela fé Cristo ali habita”, declarou o Papa emérito Bento XVI.
Desde o início do cristianismo, vários casais alcançaram a santidade na vida matrimonial Os Atos dos Apóstolos citam Áquila e Priscila, como grandes colaboradores de São Paulo (At 18, 18). Há outros exemplos de cônjuges que galgaram as honras dos altares: Giordiano e Sílvia, pais de São Gregório Magno; Santo Isidro e sua esposa Maria de la Cabeza, simples lavradores. No Brasil, veneram-se São Manoel (Rodrigues de Moura) e esposa, os quais integram a lista dos mártires de Cunhaú e Uruaçu. Destacam-se Luigi e Maria Beltrame Quattrochi, beatificados por João Paulo II em 2001, na presença de três de seus filhos. A graça de Deus age nos corações daqueles que estão abertos para recebê-la.
Pelo que se pode inferir, a santidade não é exclusiva de monges, sacerdotes e membros de congregações religiosas. Independe de cor, raça, nacionalidade, nível socioeconômico, cultural, estado civil etc. É o que registra a História Eclesiástica. No Antigo Testamento, pode-se citar os exemplos de Maria Santíssima e José, Sant ́Ana e Joaquim, Isabel e Zacarias e tantos outros. A santidade não consiste em coisas extraordinárias, mas realizar extraordinariamente as tarefas comuns da vida, tendo como ponto de partida o Evangelho de Cristo. É fidelidade à Palavra de Deus e à sua graça. Grandes santos viveram de maneira muito simples, muitos até desconhecidos ou ignorados pelas comunidades, como os eremitas. Ser santo consiste na vivência dos valores cristãos, máxime daquilo que está delineado nas Bem-aventuranças evangélicas. A santidade não significa isenção de pecado ou defeitos. Dentre os seres humanos, apenas Nossa Senhora teve tal privilégio. A santidade cristã está na retidão de consciência, solidariedade desinteressada, justiça, capacidade de servir, compaixão, mão estendida, abertura do coração e intimidade com Deus.
Dr. Otto de Brito Guerra e Catarina Selda de Castro Guerra foram exemplos de vida santa, dedicada a Cristo e à Igreja, pautada nos valores evangélicos. As comunidades católicas potiguares, em especial a pastoral familiar, deveriam propor a abertura do processo de beatificação do virtuoso casal. Em artigo publicado no Jornal de Hoje, expressei-me nesse sentido. Meu posicionamento foi lembrado pelo imortal Daladier Pessoa da Cunha Lima, em seu discurso de posse na Academia Norte-rio-grandense de Letras. Otto e Selda impressionavam-me. Indicado por eles, participei (em Natal, Recife, Garanhuns, Fortaleza etc.) de debates, ao lado de Leide Morais, Miriam Kelner, Arakén Pinto, Martiniano Fernandes sobre planejamento familiar, em razão do objeto de minha tese em teologia: “Julgamento Moral da Igreja sobre a progesterona sintética”. Otto e Selda foram pais de treze filhos. Certa feita, indaguei sobre sua opção por uma família numerosa. Responderam-me: “Foi uma escolha consciente, como colaboradores de Deus em sua criação. Mas, não podemos impor nossa opção àqueles que não têm tal vocação.” Em outro momento, Dona Selda afirmou: “Nem todos estão vocacionados ao sacerdócio. Do mesmo modo, alguns são chamados a gerar vários filhos. Queremos ajudar os que formaram uma família numerosa e aqueles que não se julgam capazes de tal missão.”
Muitas são as virtudes humanas e cristãs do inesquecível casal. Dr. Otto é conhecido pelas suas múltiplas tarefas: advogado, professor, jornalista e escritor. Mas, ambos testemunharam a beleza do Evangelho, viveram a fidelidade do amor (sessenta anos), o encanto da graça divina e tiveram a Eucaristia como ápice de sua vida espiritual. A devoção ao Pão Sagrado marcou suas vidas. Dr. Otto enfartou, participando da missa, no Colégio da Conceição. Com a esposa sempre viveu o que pregou no Vo Congresso Eucarístico Nacional, em Porto Alegre: “Viva Cristo eucarístico, mistério insondável de amor, milagre sublime de Deus. Dele são as nossas vidas.”