Padre João Medeiros Filho
O antigo Código de Direito Canônico (cânon 1169, § 1) recomendava: “É conveniente que haja em cada igreja um ou mais sinos para convocar os fiéis aos ofícios divinos.” O escritor Oswaldo Lamartine, em sua erudição e sabedoria, afirmava: “Os sinos de nossos templos são a voz da alma.” Solicitou-me que publicasse algo a esse respeito. Continuo recolhendo dados, mas faltam-me ainda elementos suficientes para homenagear, mesmo postumamente, o inesquecível amigo. Dom NivaldoMonte partilhava o mesmo desejo. É conhecido o seu interesse pelo resgate dos carrilhões de Extremoz. Os campanários têm uma linguagem rica de significados e representavam um importante meio de comunicação para os nossos antepassados.
Dom Adauto de Miranda Henriques, primeiro bispo da diocese da Paraíba (da qual fazia parte o RN), escreveu no Livro de Tombo de uma paróquia potiguar: “Uma igreja (especialmente matriz) deve ter duas torres e no mínimo dois carrilhões.” Estes existem em tamanhos pequeno, médio e grande com tons graves e agudos. A liturgia dá um destaque especial à cerimônia da bênção dos sinos (batismo na linguagem popular), dotando-os de padrinhos e madrinhas. Outrora, além de chamar os fiéis para as cerimônias religiosas, transmitiam anúncios sociais, calamitosos e fúnebres. Bem difundido era “o toque do parto” com nove pancadas, anunciando um nascimento e pedindo orações para a parturiente. Possuíam também a função de indicar o horário. Posteriormente, muitos relógios foram instalados nas torres dos templos, marcando as horas com o som das campanas. Desde jovem, sentia-me atraído pela “cultura dos sinos.” Recordo-me de antigos sacristães que conheciam bem a simbologia dos toques: Zé do Padre, Praxedes Gurgel e Ciríaco Ferreira (Caicó), Zé do Ouro (Campo Grande), Chico Justino e Abdias Batista (Jucurutu), Abílio Córdula (Florânia, Cruzeta e Acari) e Raimundo Sacristão (Mossoró). Guardavam informações preciosas, hoje desconhecidas ou desprezadas.
Distinguem-se repiques e toques. Estes são simples ou duplos (dobres), dependendo do carrilhão, se é fixo ou giratório. Os repiques consistem em badaladas rápidas com os sinos parados, usados em momentos festivos, elevação na missa, procissões, bênção do Santíssimo Sacramento etc. Havia normas, transmitidas oralmente pelos nossos vigários a seus dedicados sineiros-sacristães. Eles passavam por um treinamento sobre as suas lides, indo do aprendizado do latim litúrgico ao manuseio dos campanários. O toque para as cerimônias religiosas é denominado “chamada”. Obedece a um simbolismo, que desaparece paulatinamente. O anúncio para a missa era feito por três “chamadas”: sessenta, trinta e quinze minutos antes da celebração. Constavam de doze toques, em homenagem aos apóstolos de Cristo. Terminadas essas badaladas e, após curto intervalo, seguiam-se outras pancadas significativas: dez indicavam que o celebrante seria o bispo diocesano; sete um sacerdote visitante; cinco o pároco e três o cooperador (vigário paroquial). Havia um motivo: alguns paroquianos tinham rusgas com os seus presbíteros, por conta de querelas políticas ou conflitos de terra. Tal peculiaridade (nas “chamadas”) era importante para evitar encontros indesejados.
O toque para as demais cerimônias regia-se pelas regras estipuladas para as celebrações eucarísticas. Entretanto, nas ocasiões fúnebres havia um ritual específico. Quando se tratava do óbito de um homem, procedia-se a três dobres no sino grande (grave) e dois no menor (agudo). Nos funerais de uma mulher, dois no bronze maior e três no pequeno. Existindo um único sino na igreja ou capela, eram dadas, após alguns segundos de intervalo, três badaladas simples para os falecidos masculinos e duas para os femininos. A tradição dispunha de dobres especiais para os eclesiásticos. Na morte do papa, aconteciam doze, de hora em hora; no óbito de umbispo, dez, a cada três horas e no falecimento dos sacerdotes sete, de quatro em quatro horas. No funeral das crianças, tocava-se o repique. Seu som ininterrupto lembra o cortejo celestial, recebendo na glória eterna mais um “anjinho”. Nas missas de sétimo e trigésimo dia (“visita de cova”), observava-se o mesmo ritual. Na hora do Angelus, os sinos deveriam tocar sete vezes, aclamando Maria Santíssima e lembrando as Dores de Nossa Senhora. Em calamidades, como enchentes, incêndio, desabamento, invasões etc. os sacristães deveriam tocar desordenadamente. A importância dos sinos remonta ao Antigo Testamento, pois lemos nos Salmos: “Louvai ao Senhor com címbalos sonoros e sinos jubilosos.” (Sl 150, 5).