Padre João Medeiros Filho
Verifica-se, em todas as instâncias da sociedade, uma tentação de querer denegrir, desqualificar ou destruir a quem se faz oposição. Neste contexto, entende-se mais uma carta aberta escrita contra o papa Francisco, publicada há poucos dias, assinada por dezenove sacerdotes e “soi-disant” teólogos. Desde que foi eleito, não faltam ataques veementes da parte de alguns católicos e eclesiásticos contra o Santo Padre. Na sua mansidão e sabedoria, optou por não responder a seus oponentes.Segundo alguns jornalistas, ele teria dito que “não se deve desperdiçar água em terras cobertas por plásticos ouimpermeáveis”. Dar ouvidos a pessoas que não fazem o mínimo esforço para compreender as nuances e o contexto dos pronunciamentos – ou já tenham opiniões preconceituosas formadas, acreditando-se detentoras de toda a verdade – é o mesmo que “dar beliscão em chifre de boi”, como afirmava Dom José de Medeiros Delgado, primeiro bispo de Caicó, ao ser injustiçado em um arcebispado nordestino.
No entanto, há algo de positivo na postura de tais críticos: tiraram o véu da hipocrisia. Ao menos não escondem a aversão ao atual Papa. É grande o desespero daqueles que foram apeados do poder, pois se acreditavam seus donos e proprietários de Deus. No Brasil, também há quem se proclame defensor da modéstia e propagador dos documentos da Igreja (nem todos, pois o critério de escolha é totalmente ideológico) que, por causa da notoriedade nas redes sociais, não esconde seudescontentamento. Esquece que, consoante pesquisasrecentes, Francisco é o Papa mais respeitado e querido pelos não católicos, nos últimos cem anos.
Há alguns dias, a mídia divulgou a notícia de um religioso brasileiro bastante conhecido. Afirmava“respeitar filialmente o atual pontífice”, mas nos bastidores teria desejado que Francisco renunciasse. Logo quem deveria em princípio incentivar os seus seguidores a amar o Pastor! Certamente não é o único. Frequentementecertos “youtubers católicos” proferem críticas levianas ao Pontífice e sequer citam em suas “catequeses virtuais” asencíclicas de Francisco. É hora de perguntar por que eleincomoda tanto? Sua visão de Igreja sem pompa, masservidora, na qual padres, bispos e cardeais não sejampríncipes, talvez venha a irritar muitos. Seu discurso contra as mordomias, em prol do serviço, suas intervenções contra as aparências em favor das transparências desestabilizam vários. Suas pregações contra os prazeres, pela pobreza e pureza inquietam tantos!
Existe ainda uma espécie de idolatria clerical e um endeusamento de certas figuras. Isto demonstra uminfantilismo religioso no qual está imersa parte de umcatolicismo neo-ultramontanista. Levadas por uma estranha nostalgia em relação ao catolicismo das cortesdos séculos passados, tais pessoas tratam com muitanaturalidade a ostentação de certos eclesiásticos. No entanto, deveriam aplaudir a cultura da simplicidade e do despojamento do Evangelho defendida pelo Papa Francisco. É isto o que ele vem demonstrando em suas mensagens, por gestos e pela reforma que deseja (apesar de tanta oposição) promover dentro da Igreja.
Se conhecessem melhor os apelos de Jesus Cristo, talvez muitos mudassem de opinião. Há julgamentosinfundados contra Bergoglio, afirmações inverídicas,oriundas dos dezenove signatários da última carta aberta. Ali, já na introdução, acusam Francisco de incorrer emheresia, não proferindo uma condenação formal e explícita do aborto. Essa é uma alegação própria de quem não leu na íntegra os pronunciamentos do pontífice argentino, ao longo dos seus seis anos de pontificado. E são justamente esses adversários, desprovidos de honestidade intelectual,exaltados por alguns católicos. Dizem-se pessoas de reta intenção, agindo deste modo por amor à Igreja. O dia emque alguns desses “fiéis”, com seus milhares de seguidores nas redes sociais, promoverem um estudo sério sobre a Laudato si e a Amoris Laetitia – as encíclicas mais rejeitadas pelos ultraconservadores – talvez muitos acreditem nesse amor filial ao papa que dizem nutrir tanto.É preciso sair à procura da verdade. “Ela vos libertará” (Jo 8, 32), proclamou o Mestre. É de bom alvitre lembrarsempre as palavras do profeta Jeremias: “Buscar-me-eis e me achareis quando me procurardes na seriedade e sinceridade de vossos corações” (Jer 29, 13).