Os desafios e perigos de viver

Padre João Medeiros Filho

Em Grande Sertão Veredas, o médico, escritor e diplomata Guimarães Rosa afirmou:Viver atualmente é perigoso.” Referia-se aos apuros e agruras existenciais, ligados ao corpo e à alma, envolvendo o cotidiano do homem. Somos compelidos a lidar com surpresas, imprevistos, riscos, atropelos e obstáculos. Na sua época, a violência era mais velada. Imperam nas cidades assaltos, assassinatos, estupros, inúmeros atos de covardia e desrespeito. Não obstante o destaque dado pela mídia a fatos urbanos, não se demonstra menoscabo pelo mundo rural, igualmente ameaçado.  , o risco campeia e surpreende nas invasões de terras, tocaias e vandalismos que aterrorizam os indefesos. Brinca-se com a vida, um dos grandes dons divinos, a qual passou a valer pouco. Outro dia, um médico amigo dissera-me: “Ela está se tornando sinônimo de banalidade.” Aludia ao amontado de pessoas doentes nos hospitais públicos. O capítulo 25 do Evangelho de Mateus narra Cristo apontando a dimensão e o sentido da solidariedade, que deve habitar o coração das pessoas de fé.

Assim é o cenário presente nos centros urbanos, de grande, médio e até pequeno porte. Convive-se com o medo e a insegurança. Casas e edifícios desabam, ocorremincêndios e alagamentos com suas consequências nefastas. Moradores ficam sem teto, passando a morar em aposentos improvisados: escolas, galpões etc.  Vive-se sem saber quem poderá ser vítima de um trem descarrilhado. Não é impensável que um inesperado tiroteio aconteça em via pública e atinja alvos não planejados. Ou ainda, se dentro de um ônibus tomado por marginais, alguém seja ferido ou assassinado. Não é insólito ver pessoas atropeladas por condutoresirresponsáveis. As ruas das cidades tornaram-se moradiade adultos e crianças relegados a passar a noite ao relentonas calçadas, experimentando a surpresa de estar vivos enão ter o mínimo para sobreviverEm muitos, o infortúnio desfez sonhos e conquistas de anos, deixando apenas a herança da tristeza, desesperança, incerteza e desilusão. Vários sentem-se duplamente espoliados, não dispondo de trabalho nem para onde ir. A cada dia, aparecem novas modalidades de golpes, como malfeitores, travestidos de carteiros, entregadores de encomendas, funcionários de empresas de televisão, internet etc., tentando penetrar nasresidências.

Frequentemente, vê-se nos meios de comunicação, a veiculação de notícias de enchentes, levando casas edificadas em locais considerados impróprios, como noalto dos morros ou em espaços ribeirinhos.  Em caso de calamidades, geralmente os ocupantes de áreas de risco são responsabilizados pelas autoridades. Será que um ser humano expõe a própria vida por livre e espontânea vontade? Onde estão as propaladas políticas públicas, decantadas às vésperas de pleitos eleitorais? Já alertava o profeta Jeremias: “Vós colocais vossa confiança em palavras mentirosas” (Jr 7, 8). Governantes e gestores, encastelados e protegidos, têm plena consciência de taisperigos? Com mais de oitenta anos de caminhada terrena, ainda não vi nem ouvi algum deles pedindo desculpas ou perdão pelos erros e omissões. Como sacerdote, há quase seis décadas, tampouco os presenciei, admitindo o mal que causaram.

Em várias cidades, os moradores ficam expostos a situações de perigo cada vez maiores.  Nem sempre é possível ir a certos lugares, que apresentam grandeprobabilidade de roubos, ataques, tiroteios etc. Onde está o direito do cidadão ir e vir em paz? Outro dia, um irmãopadre celebrou a missa de réquiem pela “finada segurança”. De início, achei bizarro. Mas, pensando bem,é a morte de um dos pilares da existência humana. Segue-se vivendo neste país.  Acredita-se que vale a pena, sendopossível melhorar, apesar dos acontecimentos de barbárie, causando medo e inquietude. uma evidência assustadora de que ser brasileiro é uma aventura sempre mais arriscada. Existem momentos em que o ser humano fica paralisado, atordoado por tantas manifestações de violência. “Mas, tende coragem, eu venci o mundo” (Jo 16, 33), assevera-nos Cristo. Lembremo-nos do conselho de Fernando Sabino: “Façamos da interrupção um caminho novo, da queda um passo de dança e do medo uma escada! A sociedade despreza o legado do Senhor: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não como o mundo vo-la dá.” (Jo 14, 27).