Onde está o Natal?

Padre João Medeiros Filho
Pergunta-se: onde está o Natal como celebração do nascimento de Jesus? E o presépio nos lares, as novenas, a leitura da Bíblia, as crianças catequizadas para o sentido da festa, a ceia natalina em família? Ah, a Missa do Galo, que inspirou um memorável conto de Machado de Assis… Não se pretende ser saudosista. É pena que a modernidade e a secularização estejam trocando o sentimento do sagrado pela compulsão consumista. E isto vem acontecendo com uma força incontida, paganizando uma das mais belas datas do cristianismo. Outrora, a Igreja cristianizou a festa do deus sol (“Solis Invictus”). A sociedade hodierna paganiza a festividade cristã. E assim caminha-se na contramão do Evangelho, marginalizando o Filho de Deus nesta ocasião de desenfreado consumo que se tornou o Natal do Senhor.
Papai Noel, vestido de roupas europeias (num clima tropical) pode encantar por algum tempo as crianças, devido à massificação cultural, induzindo-as a preferir refrigerantes a suco de frutas e produtos potiguares. O que é mais importante: um velhinho que desce de helicóptero (em voo contratado por entidades públicas) ou a criança, que é a própria presença de Deus entre nós? Narra-se que originariamente as roupas de Papai Noel eram verdes. O que esse personagem tem a ver com a nossa realidade brasileira, mormente nordestina? Trenós não fazem parte de nossa cultura, nem existem renas em nosso solo. No Rio Grande do Norte não há neve.
Como tirar das cabeças o capacete publicitário? Na arquidiocese de São Paulo, um grupo de cristãos decidiu confraternizar-se com presentes zero. “Queremos presenças no Natal e não presentes”. Uma paróquia de Belo Horizonte instituiu o “amigo culto” (e não oculto). Sorteada a pessoa, ela recita um poema, entoa um canto, narra uma fábula ou conta um “causo” à semelhança do escritor Valério Mesquita, daqueles que fazem bem à alma. Vários movimentos pastorais de Florianópolis decidiram que, no período natalino, ninguém iria aos shoppings. Levariam as crianças aos hospitais infantis e clínicas para brincarem com seus irmãozinhos doentes. Isto é encontrar Jesus, como reza o Evangelho de Mateus: “Estive doente e me visitaste” (Mt 25, 36). É um gesto concreto de cultuar Jesus do presépio. É encontrá-lo vivo naqueles com os quais Cristo se identificou. Infelizmente, há quem prefira influenciar as crianças com Papai Noel, educá-las voltadas para os templos do consumo (shoppings), incentivá-las a escrever cartinhas com requintados pedidos a um personagem incógnito e imaginário. Não se deve reclamar, quando amanhã vierem a ser consumistas e materialistas, escravos dos aparelhos eletrônicos, indiferentes ou insensíveis à dor alheia, vazios de mística e solidariedade.
Fernando Pessoa deixou-nos esta profunda mensagem teológica num de seus poemas: “Ele (o Menino Jesus) é a eterna criança, o Deus que faltava. Ele é o divino que sorri e que brinca. É a criança tão humana que é divina”. No Natal da liturgia e da vida, Deus vem para nos transformar de escravos em filhos, mudar nossa noite em dia, proteger-nos dos perigos, iluminar nossa cegueira e fortalecer nossa fraqueza. Deus disse sim ao homem, que nos primórdios da criação O rejeitara. Ele o assumiu, não obstante a sua infidelidade. Uma criança nasceu para nós, um Filho nos foi dado. Deus se fez homem para trazer misericórdia e ternura. Portanto, “alegremo-nos todos no Senhor, pois nasceu para nós o Salvador” (Lc 2, 11) Assim, desceu do céu a verdadeira paz. “O Verbo se fez carne. E Deus veio morar conosco” (Jo 1, 14)!
O Natal é a resposta à utopia humana, à sua procura inquieta, à sua sede. Em Cristo, Deus materializou todos os desejos do homem: um ser infinito, pleno de bondade, rico de benignidade, templo da justiça, fonte da verdade, berço do perdão e do amor. Cristo é o ser humano na beleza original e na grandeza primeira da criatura, antes da triste realidade do pecado. É a convivência celestial nos caminhos da terra, a partilha da Vida divina com a existência terrena, o encontro do Eterno com o tempo, a Presença, sempre permanente, com o efêmero dos homens.