Onda de lixo invade praia do Rio após chuvas e causa alerta sobre plástico

 

O biólogo marinho Ricardo Gomes falava com a câmera para mostrar o lixo na praia de São Conrado, na zona sul do Rio de Janeiro, quando ouviu um estrondo. Chegou a pensar que era um helicóptero caindo, mas ao virar viu um “tsunami de plástico”, nas palavras dele, varrendo a areia.

Naquela mesma hora ele dizia aos espectadores ao vivo que o oceano estava fazendo um chamado. “A sensação foi de que eu era Moisés e estava batendo o cajado na água. Não vai acontecer outra vez de o oceano falar comigo de uma maneira tão impactante”, conta ele.

O tsunami era uma grande quantidade de detritos que havia sido trazida pela maré ou descido por valões e galerias pluviais da região, que inclui a favela da Rocinha e casas de luxo, após grandes chuvas que atingiram a cidade e “lavaram” as ruas no fim de semana. As imagens que Gomes gravou no sábado (2) rodaram o mundo.

Até o americano Kelly Slater, campeão mundial de surfe 11 vezes, compartilhou o vídeo do Instituto Mar Urbano, do qual Gomes é fundador e diretor. O biólogo afirma que ouviu uma “sinfonia do final do mundo” em São Conrado, com barulhos de flauta ecoando nas garrafas pet vazias.

Ele conta que, quando chove muito, costuma ir a praias cariocas onde já sabe que o lixo se concentra para mostrar “o tamanho da nossa pegada” nos oceanos, já que logo depois as ondas levam grande parte dos detritos para o fundo do mar e não é mais possível vê-los.

Na manhã de domingo (3), a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) fez uma operação de limpeza em São Conrado e retirou 960 quilos de resíduos. O órgão afirma que ainda está contabilizando o peso retirado nesta segunda e que voltará para fazer remoções enquanto o lixo estiver na areia.

A praia hoje está limpa, mas parte do lixo continua descendo dos valões e sendo trazido pela maré. “Mesmo com as limpezas, a gente tem que fazer alguma coisa. Se não diminuir o uso de plástico descartável, não tem Comlurb no mundo que vá dar jeito”, pondera Gomes.

Um relatório publicado em dezembro pela ONG Oceana, que tem como objetivo proteger e recuperar o oceano em escala global, cita que existem ao menos 5 trilhões de pedaços de plástico no mar, dos quais cerca de 94% estão abaixo da superfície.

“Quando o plástico chega ao oceano, ele flutua na superfície ou afunda. À medida que o plástico se desgasta pela luz do sol ou pela ação da água salgada, ele se decompõe em pedaços menores e é ingerido pela vida marinha”, diz o documento.

Uma das cenas registradas por Gomes no domingo foi a de pássaros comendo os detritos na praia. O biólogo explica que, ao longo dos meses ou anos, os plásticos ingeridos pelos animais produzem uma sensação de saciedade, por isso muitas aves, por exemplo, param de comer e morrem de inanição.

Praias sujas no Rio de Janeiro
Praias sujas no Rio de Janeiro

Um estudo publicado na revista “Science” com dados de 2010 colocou o Brasil em 16º lugar no ranking de 20 países com maior volume de resíduo plástico mal gerido. Atualmente o país é responsável pelo despejo de 325 mil toneladas de plástico no mar por ano, considerando apenas a parcela da população que vive próximo à costa.

Gomes lembra que este ano marca o início da “Década do Oceano”, instituída pela ONU para conscientizar a população global sobre a importância dos mares e para mobilizar atores públicos, privados e da sociedade civil organizada em ações que favoreçam sua sustentabilidade.

O oceano cobre 70% do planeta, absorve um terço do gás carbônico produzido pela atividade humana, retém o aquecimento global e serve como subsistência direta de bilhões de pessoas. “O mundo inteiro já viu que se a vida no mar acaba, a vida no planeta também. Não existe vida sem oceano”,​ diz Gomes.

Folha de São Paulo