O supremo, o advogado e o povo

O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay

Quando o ministro Nelson Jobim assumiu a presidência do Supremo Tribunal, tomou uma interessante e corajosa atitude. Chamou alguns poucos advogados que atuavam no dia a dia da Corte para uma reunião. E nos recebeu, juntamente com sua vice-presidente, a ministra Ellen Gracie, para dialogarmos na sala da presidência. No início da conversa, com a objetividade e a franqueza que são marcas desse grande ministro e homem público, já deixou claro: “quero que vocês me digam, sob o prisma da advocacia, quais os problemas principais o advogado enfrenta para advogar na Corte. Não quero ouvir elogios e nem o que funciona, quero reclamações e sugestões”.

Essa segurança de querer ouvir vem da incrível biografia desse ministro que foi importante constituinte em 1988, ministro da Justiça, ministro da Defesa, Presidente do Supremo e conselheiro de vários Presidentes da República. É dele uma das melhores definições sobre como deve ser escolhido um ministro do Supremo ao afirmar que o nomeado deve já ter um currículo que o sustente, pois, a Suprema Corte não é o local de ninguém fazer currículo.

Lembro-me da grata surpresa nos olhos de todos ali presentes. Deveríamos ser, talvez, uns 7 ou 8 advogados e, de bate pronto, já fizemos reclamações e sugestões que foram anotadas. Na mesma reunião, designamos o nosso decano, Pedro Gordilho, para fazer a ata das nossas críticas e reivindicações. Esse é o espírito que, entendo eu, deve nortear as relações do Judiciário com a advocacia. Lealdade, franqueza, transparência e respeito mútuo. No atual momento, em que a escolha dos nomes dos novos ministros movimenta a advocacia e até o país, é salutar uma reflexão nesse sentido.

Advogo há mais de 40 anos na Corte e, com muito orgulho, acompanhei as mudanças. Quando era só um pequeno prédio para abrigar todos os ministros e a quantidade de processos, infinitamente menor, permitia que nós, advogados, fôssemos distribuir memoriais mesmo sem marcar audiência e éramos recebidos. O ministro tinha um único assessor e usávamos máquina de datilografia. Bons tempos. Hoje, o número de processos, muitas vezes, impede que a advocacia seja exercida na sua plenitude.

Recentemente, o STF introduziu importante mudança no seu regimento e determinou que as decisões monocráticas devem ser submetidas ao colegiado em, até, 90 dias. Isso é fundamental para impedir que um ministro se sobreponha ao Plenário da Casa. Cabe à advocacia estar vigilante.

 

Há, entre outros, um ponto que entendo ser fundamental para reflexão de todos. A definição da pauta do Plenário. É óbvio que parte dela tem e deve estar sob a responsabilidade do presidente que irá, através dela, imprimir sua marca pessoal na gestão da Corte. Mas entendo que o Plenário deveria se responsabilizar também pela definição do que será levado a julgamento. Talvez, o ideal fosse o presidente definir metade da pauta e a outra metade, decidida de maneira colegiada. É evidente que a possibilidade do julgamento pelo sistema virtual devolveu para o relator a decisão do momento e da oportunidade do julgamento. Mas a simples hipótese de outro ministro poder tirar do virtual devolve a discussão sobre a relevância do controle da pauta.

Recordo-me que no julgamento das ADC’s sobre a prisão em segundo grau, a então presidente, no uso do seu direito regimental, decidiu não colocar os processos em julgamento. Fizemos inúmeras audiências com esse pleito. E, como fui o autor da primeira ADC, um processo que dividiu o Judiciário e o Brasil, tive a honra de falar com a presidente, autorizado pelo decano Celso de Mello e pelo relator Marco Aurélio, para dizer que eles entendiam importante o caso ser colocado em pauta. Porém, a palavra final e definitiva cabe somente à presidência. O processo só foi julgado quando o ministro Toffoli a assumiu.

Tão importante quanto a definição de quem serão os próximos ministros da Corte, cuja indicação é atribuição, por definição constitucional, do Presidente da República, é a classe dos advogados se fazer ouvida nas definições do que é relevante para o Poder Judiciário. Na verdade, sobre o que é essencial para o jurisdicionado, afinal, o Judiciário tem que estar atento e de braços abertos para o povo que dele precisa. Claro que nos limites da Constituição, que é o que dá o rumo e o norte para todos.

Como escreveu Ulysses Guimarães, antes mesmo do preâmbulo na primeira Constituição de 1988, “A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça”

Fonte: ig último segundo