Se, hoje, o menino Jesus nascesse de novo, em Belém, certamente seria morto por um ataque covarde
Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
“Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente” – William Shakespeare
Nunca gostei do Natal. Não me emociona o clima e, muito menos, sinto-me envolvido pelas histórias que compõem o imaginário dessa data que, para muitos, é tão especial. Respeito e faço todo o ritual para estar de acordo com os que, verdadeiramente, vivem o espírito natalino. Muito novo ainda, um primo fez questão de me contar que não existia Papai Noel e essa revelação afastou um pouco a ilusão e a magia. À época, meu pai estava muito sem grana e se endividou para comprar presentes para os filhos. Passei, mais do que nunca, a não entender muito o que era realmente a festa de Natal. Mas minha mãe fazia presépios lindos: um papel que imitava pedra e grutas, colocava até um aquário para parecer um lago com peixe e tudo. Nessas horas, até achava que meu primo estava me sacaneando e que o Papai Noel iria entrar, a qualquer momento, pela chaminé. Mas a gente não tinha chaminé, o que talvez explicasse a ausência do velhinho.
A proximidade do Natal, com o frenesi de compras, distanciou-me da sensação de que eu, quase infantilmente, julgava ser o que deveria incorporar o puro espírito natalino. A chegada dos filhos e a velhice de minha mãe transportaram-me para a doce ilusão de uma festa com a sensação de estar vivendo o fraternal sentimento que justificasse a magia do Natal. Peguei-me comprando dúzias de presentes para minha velha mãe e, sem nenhuma culpa, curtia muito o ato, nada cristão, de ajudá-la a abrir as caixas que eu fazia questão de enfeitar com laços e fitas.
O sorriso dela era o que, de mais próximo, sentia e identificava como a presença do menino Jesus. Lembro-me do presépio, no qual ela colocava um berço vazio, 30 dias antes da noite do nascimento, e todos os filhos e primos tinham que acomodar uma palha para dar conforto para o bebê quando ele nascesse. Mas só podia colocar uma palha quem tivesse feito uma boa ação. Com esse espírito, o Natal tinha outra sensação, que não a troca de presentes.
Para quem acredita, e tem fé, é quase inevitável não pensar no nascimento de Cristo em Belém. Neste ano, não houve festa na cidade palestina de Belém, na Cisjordânia. No local onde se construía uma enorme árvore de Natal, foi exposta uma grande bandeira da Palestina e uma faixa: “Os sinos de Natal de Belém tocam para um cessar-fogo em Gaza”.
Contudo, parece que Deus não ouviu o apelo. Na noite de 24 de dezembro, pouco antes da meia-noite, Israel atacou um campo de refugiados em Maghazi, no centro de Gaza, causando mais de 70 mortes. Foram várias mulheres e crianças, como tem sido a regra. É um plano de extermínio e de genocídio de um povo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 160 crianças são mortas por dia em Gaza. Todos os dias. Significa uma morte a cada 10 minutos. Com números não confiáveis, pois, certamente, deve ser muito maior, calcula-se que mais de 6.000 crianças palestinas foram assassinadas pelo exército israelense.
O número de bombardeios israelenses em Gaza é o maior de todos os tempos e superou a ofensiva americana contra o Estado Islâmico. Quase metade das bombas é lançada sem um alvo específico, não são guiadas. São as chamadas bombas burras. São evidentes as violações aos direitos humanitários internacionais. E acumulam-se os crimes de guerra. Por isso, tantas crianças mortas. É genocídio mesmo.
A manhã dessa segunda-feira 25 de dezembro, como noticiado, também foi marcada por violência e sangue: Israel atacou o campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada, incluindo a cidade de Belém, considerada o local onde Jesus nasceu.
Há um mês, o Estado de Israel comentou, eufórico, que, até aquele momento, já haviam lançado mais de 12 mil bombas em Gaza – um território de 25 milhas de comprimento onde habitavam mais de 1 milhão de jovens e crianças. Se, hoje, o menino Jesus nascesse de novo, em Belém, certamente seria morto por um ataque covarde. Israel teria conseguido realizar o plano de Herodes e não teríamos noites tristes de Natal.
Remeto-me ao poeta Vinícius de Moraes, no Poema de Natal:
“Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje à noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
Advogado.
Fonte: www.cartacapital.com.br