Padre João Medeiros Filho
Ao longo dos séculos, um dos questionamentos existenciais mais frequentes é o porquê do sofrimento, fonte das indagações de filósofos, teólogos etc. Para os cristãos, ele só é explicável e suportável à luz da fé. O Livro de Jó coloca essa temática no contexto bíblico-teológico. Entretanto, existem pensadores que concebem o homem como um prisioneiro de sua ilusória liberdade ou um condenado à morte, embora ignore como e quando será o seu final. Para eles, o ser humano busca o inatingível. À medida que o tempo passa, descobre a impossibilidade de alcançar as suas aspirações, defrontando-se com o absurdo da vida. Assim, pode-se constatar nas obras de Kafka, Camus, Sartre, dentre outros.
Tais concepções esvaziam a riqueza da humana vivência terrena. Nesses casos, não se percebe a beleza da existência, enquanto dádiva da prodigalidade divina, fundamento de todos os dons. E hoje, num tempo de crises – especialmente a pandêmica – sente-se o peso do sofrimento e da dor, tolhendo muitos da capacidade de sonhar. Daí, inquietações e angústias. A vida humana é uma alternância de alegrias e tristezas. Teologicamente, não cabe afirmar que o Mal seja uma anomalia da criação, remetendo à interrogação crucial: por que sofrer? Esse mistério sempre nos afeta. A dor manifesta-se como privação do Bem, ruptura ou desordem. Não falta quem queira creditá-la a Deus, como se fosse o responsável por nossas mazelas. Ele é Pai misericordioso e não deseja o Mal para seus filhos.
A fé não suprime o sofrimento, mas despoja-o do seu caráter punitivo. Santo Tomás de Aquino considerava-o “resultante visceral do egoísmo”. Assim, entende-se a presença da fome, da miséria e de tantas formas de malefícios que nos atingem. Como explicar certas doenças e catástrofes? O citado teólogo sustenta que a causa última de tais realidades reside no âmago do ser humano, em seus desajustes, ambições e ausência de solidariedade. Para ele, o homem é o autor do próprio sofrimento e o de outrem. Na narrativa metafórica do Livro do Gênesis, Adão e Eva tentaram negar a autoria e responsabilidade de seu erro (pecado). A ciência demonstra que certos males se originam na contingência da matéria. O ser humano, porém, tem dificuldade em assimilar tal assertiva. Desde os primórdios, desejava ser igual a Deus. Quem não admite sua limitação, aumenta seu padecer.
A fé cristã convida o homem a assumir a si mesmo: “Tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24), ensinou o Mestre. Essa consciência mitiga a dor, favorecendo a esperança e a compaixão. Segundo Elisabeth Elliot “para quem crê, o sofrimento é uma réstia do Divino, pela qual se pode divisar o Infinito”. Ele estabelece uma aproximação de Cristo, “o sofredor de Javé” por excelência (cf. Is 52, 13 – 53,12). Jesus padeceu para ensinar o sentido de todas as dores físicas e espirituais. “Ele sofreu por nós, deixando-nos o exemplo” (1Pd 2, 21). Os que se revoltam diante do sofrimento não aceitam a fragilidade humana, esquecendo que a vida é gratuidade. A honestidade intelectual faz admitir que não somos deuses. A fé não traz respostas ou provas matemáticas para a origem da dor, inexistindo solução universal para essa questão. Todo ser humano é limitado e propenso a erros. Disso, resulta uma série de tribulações. “Muitos são os nossos padecimentos, contudo, de todos eles o Senhor nos livrará” (Sl 34/33, 19).
A dor não é uma vingança, tampouco castigo divino para expiar as faltas. É consequência ontológica de nossa natureza. João Paulo II, em sua Carta Apostólica “Salvifici Doloris”, declara: “sofrer é uma realidade inerente à essência humana”. Todavia, será que sabemos lidar com isso? O tormento do homem moderno cresce, pois tem se distanciado de si mesmo e do Criador. E o indivíduo angustiado e perdido revolta-se, aumentando ainda mais o seu desalento. Só aprende o sentido do sofrimento quem aceita a si mesmo e encontra na fé abertura e força para as dificuldades da vida. [Ela] “consola na provação” (Sl 119/118, 50). “No mundo tereis aflições, mas tende coragem, eu venci o mundo”! (Jo 16, 33), dissera o Filho de Deus.