“O silêncio, berço da palavra”

Padre João Medeiros Filho

Esta frase da grande mística espanhola e mestra da espiritualidade, Santa Teresa d’Ávila, é pouco conhecida. Parece insólito à grande parte da sociedade hodierna, multiplicadora de palavras e sons, refletir sobre o silêncio. Nem sempre palavras são penhor de diálogo, entendimento e harmonia. Silenciar causa estranheza a um mundo barulhento. Importante é aprender com os sábios, místicos e profetas – os quais, antes de se manifestar – adotam um longo e expressivo tempo de calar. Este é um ato disciplinar, adequado em salas de aula, auditórios e igrejas, fundamental ao desenvolvimento da capacidade de escuta. Na contramão desse hábito, convive-se com a propagação de falas e mais falas, não raro, desnecessárias e banais. Despreparados sentem-se capacitados para comentar sobre tudo. Opiniões são emitidas sem o devido cuidado, com juízos a respeito daquilo que não se conhece bem. É uma constante hoje nas redes sociais. Para que exista uma palavra frutífera, mister se faz trilhar a via do silêncio.  

A avalanche de sons, barulho e termos inúteis vem desabituando as pessoas a saber ouvir. É hora de reaprender a calar, essencial ao reconhecimento daquilo que dá sentido à vida. “Há um momento oportuno para cada coisa, debaixo do céu, tempo de calar e tempo de falar (Ecl 3, 1; 7). A cultura contemporânea estimula a tagarelice e loquacidade. Há que superar o possível incômodo provocado pelo silêncio, pois é nele que nasce a verdadeira palavra, único caminho para alcançar o Mistério maior, livrando o homem da superficialidade. Entretanto, o mundo de hoje teima em estabelecer uma grande distância entre quietude silenciosa e palavra. Elanecessita ser encurtada para que se possa encontrar oscaminhos da vida, da verdade e do amor.  

Segundo estudos teológicos sobre espiritualidade, o silêncio gera e qualifica peregrinos, além de manter a luz e a paz interiores. Torna-se fundamental para quem busca discursar e se expressar adequadamente. Capacita-nos à comunicação marcada por termos ou expressões capazes de produzir sentidos qualificados. Por isso mesmo, sem renunciar ao direito da livre expressão, é indispensável também aprender a ser silencioso. Hoje fala-se muito no direito de se expressar, mas pouco sobre o dever de ficar calado, em determinados momentos. Não é um trabalho fácil. Entretanto, é necessário incluí-lo no cotidiano de cada um para haver comunicação de verdade. O silêncio é a morada da palavra. Tem propriedades para fazer dela uminstrumento autêntico de construção da justiça e da paz, caminho para o encontro com Deus.  

No atual contexto, quando ter voz e vez tornou-se uma forma de exercer o poder, as pessoas não se cansam de emitir palavras, ignorando o silenciar. Chega-se ao ponto de alguns pretenderem partilhar sermões nas igrejas, o que deu azo a críticas e abusos. Muitos não estão aptos para tal tarefa. Urgente é a educação individual e coletiva para não “falar por falar” ou talvez para impor dominação. É tempo oportuno de aprender e criar o gosto de ser tácito. É uma atitude essencial a ser aprendida e praticada.  

O silêncio é remédio para desespero e dores vividospor muitos, ao longo da vida. Importa estar atento para que a sua carência, a incapacidade e a inapetência para vivê-lo sejam superadas, lembrando que a Palavra divina é silenciosa. Ele é o instrumento para garantir a força do amor inesgotável de Deus. Deve-se evitar a voz para permitir a ação amorosa de Deus, que renova a vida de cada pessoa. Ela faz brotar em nossos corações a misericordiosa compaixão, qualificando todos para a tarefa de construir um mundo novo pela força do amor que se revela em Cristo. Tantas vezes, Ele buscou a quietude dos montes e praias para conversar com o Pai. “Ele se retirava para lugares desertos e orava” (Lc 5,16). Santo Antão, anacoreta egípcio, afirmava que “o silencio faz do coração humano a mais autêntica manjedoura, para sempre uma morada de Deus. Ele é a porta da oração.” É oportuno lembrar o profeta Habacuc: “O Senhor está em seu santo templo, diante dele se cale toda a terra” (Hab 2, 20).