Ela é um dos encantadores dons divinos concedidos ao ser humano. Deus não quis prescindir dela. “No princípio era o Palavra. E Ela se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 1; 14). Quase toda a revelação divina – exceto alguns gestos de teofania – aconteceu por meio dela. É considerada como uma imensa jazida de pedras preciosas, explorada e burilada, através de milênios. A literatura assemelha-se a uma floresta de inúmeras e ricas espécies. Surpreendem a habilidade e a criatividade dos autores para narrar, poetizar, denunciar, apaziguar, rezar etc. Como não apreciar a poesia de Adélia Prado, quando escreve em Coração disparado: “Creio que o verbo gera e vivifica. O que parece morto, ressuscita. O que se apresenta estático, é dinamizado.” Manuel Bandeira manuseia com maestria os vocábulos: “Assim eu queria o meu último poema: que fosse terno, dizendo as coisas mais simples, ardente como um soluço sem lágrimas, a pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos.”
Incomparáveis são as alegorias, parábolas e metáforas de Jesus Cristo, contundentes para despertar nos ouvintes (ou nos leitores de hoje) um novo modo de ser, pensar e agir. E por que não lembrar os eloquentes sermões, com beleza literária, poética e teológica, do Padre Antônio Vieira ou de Dom José Pereira Alves, quando bispo de Natal? Destacam-se ainda os textos musicados e cantados, com uma riqueza incontável de exemplos, expressando júbilo, saudade, dor, vitória, amor, ternura, esperança, suavidade, harmonia… Há que rememorar também os empolgantes discursos que atravessaram séculos e fronteiras. Frases e expressões lapidares marcaram a história de nações. Dentre milhares de exemplos vem à lembrança a riqueza metafórica de “Chão de estrelas”, no cancioneiro popular brasileiro.
Atualmente, ganham espaço as redes sociais. Ali, a cada momento, lança-se uma avalanche ou pletora de frases. Poucas são edificantes. Um sem número mostra-se ofensivo, com inverdades e incitação ao ódio. Quão diferente daquilo que proclama o salmista: “Tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” (Sl 119/118, 105). A celeridade atual na divulgação das mensagens não possibilita a ponderação como exercício do raciocínio e da prudência na comunicação. Não há tempo suficiente para escutar o outro. As redes tornam-se, pouco a pouco, lugares de discussões inflamadas e desrespeitosas, agressivas e, não raro, cheias de narrativas e mentiras. O que deveria ser para unir, tem efeito de espada, ferindo aqueles que dela se aproximam. “Morte e vida estão no poder da língua; e aquele que sabe usá-la comerá de seus frutos” (Pr 18, 21).
Cabe salientar que o vocábulo está ao alcance de todos nos diferentes diálogos do cotidiano, seja para construir ou destruir. Chama a atenção como muitas crianças aprendem logo a distinguir no rosto de seus pais as expressões carinhosas e as repreensivas. As palavras podem ser utilizadas como armas capazes de desconstruir a dignidade das pessoas. É preciso ter cuidado. “Tal como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam, assim acontece com a minha palavra que sai da minha boca não voltará para mim vazia” (Is 55, 10-11). Urge encontrar termos serenos e adequados a fim de reconstruir os fios esgarçados do tecido social e da amizade.
A palavra possui uma força indômita e paradoxal. Necessita-se distinguir aquela pronunciada por quem detém responsabilidade política ou religiosa sobre o povo, da descomprometida e usada descontraidamente numa roda de amigos. Hoje mais do que nunca, por conta da instantaneidade com a qual se propaga o que é dito, torna-se necessário perguntar sobre o uso das falas. Quem as escuta ou lê? Quais são as suas consequências? Deve-se ter cautela e não empregar os termos de forma inadequada, insolente e viperina, pois os efeitos deletérios e estragos podem ser incalculáveis. Adverte uma lenda asteca: “Cuidado com o que se fala na guerra da vida. Também morre quem atira muito.” Enfim, convém lembrar os ensinamentos do apóstolo Paulo: “De vossa boca não saia nenhuma expressão maliciosa, mas somente aquelas, capazes de edificar e fazer bem a quem as escuta” (Ef 4, 29).
Padre João Medeiros Filho