Padre João Medeiros Filho
Francisco declarou, na XXXII Jornada Mundial da Juventude, realizada no Panamá, em janeiro passado: “Se não for eu, Pedro vos confirmará na fé na próxima Jornada”. Não foi somente ali que ele sinalizou com o fim do seu ministério petrino. Em vários momentos, elogiou a coragem de Bento XVI, ao dizer adeus à vida estressante de um Sumo Pontífice e às fortes pressões da Cúria Romana. Chegou a citar Celestino V (Pietro Angeleri, monge beneditino que também renunciou), quando desabafou: “a sede de poder sepulta a lucidez e a retidão”. Bergoglio – que completou seis anos de pontificado no dia 13 do corrente mês – defronta-se com os graves problemas, que já recaíam sobre os ombros de seu antecessor. Talvez por isso, o Papa sente urgência em preparar o terreno para o seu sucessor e tem deixado entrever isto em pronunciamentos, viagens e encontros importantes que ocorrem frequentemente no Vaticano. Seu cansaço visível tem sido alvo de comentários recorrentes entre os jornalistas acreditados junto à Santa Sé. A cada evento, perguntam até que ponto o Pontífice (que tem apenas um pulmão) vai suportar esse ritmo de trabalho e a onda de oposição. O fulgor e entusiasmo dos três primeiros anos de seu papado hoje dão lugar à serenidade de um ancião que está consciente de suas limitações. Porém, ele vislumbra ser imprescindível desbravar novos horizontes para o futuro do cristianismo, combalido por conta dos escândalos de vários eclesiásticos em diferentes países.
Francisco lança também sua esperança na diplomacia, indo a lugares onde, até então, somente a correspondência e a presença dos diplomatas conseguiam chegar. É o caso dos Emirados Árabes Unidos, país que visitou em fevereiro último, a convite do Sheikh Mohammed Bin Zayed Al Nahyan. Até essa viagem histórica, o diálogo entre o Vaticano e os Emirados limitava-se à troca de mensagens protocolares. O estabelecimento das relações diplomáticas entre a Santa Sé e essa confederação de monarquias árabes, só veio a acontecer, durante o pontificado de Bento XVI, em 2007. “Alegra-me encontrar-me com um povo que vive o presente com o olhar voltado para futuro”, disse o Papa Francisco em vídeo-mensagem por ocasião de sua viagem àquele país.
É do conhecimento de muitos que a diplomacia vaticana não interfere em questões econômicas ou militares. Em meio às relações multilaterais, a Santa Sé investe na força das ideias e da razão, atuando como mediadora e conciliadora, quando necessário se faz. Francisco e seu experiente Secretário de Estado, o Cardeal Pietro Parolin, o fazem com dedicação e maestria. Nesse contexto, aconteceu essa importante viagem na qual Bergoglio participou também de um encontro inter-religioso internacional sobre a fraternidade humana, em Abu Dhabi. O Papa foi a um país que tem o islamismo como religião de estado e no qual, segundo a lei nacional, converter-se a outro credo é ato de apostasia e, em vários casos, crime. Sendo assim, os cristãos – cerca de novecentos mil distribuídos entre os sete principados, que constituem uma circunscrição eclesiástica (Vicariato Apostólico da Arábia Meridional) com quinze paróquias – não estão autorizados a desenvolver qualquer tipo de evangelização, uma vez que a liberdade de culto se limita à vivência da fé no interior das residências, sendo proibido o proselitismo.
Alguns estudiosos dos assuntos do Vaticano questionam se Francisco, no momento atual, considera sua renúncia uma alternativa viável, tendo em vista a existência de outro papa emérito. Sendo assim, 2019 poderá não ser ainda o ano da despedida de Francisco. No entanto, a Igreja Católica entrará em um novo tempo com a reforma da Cúria Romana, prevista para o primeiro semestre. E dessa mudança nascerá sem dúvida uma nova configuração de estrutura eclesial. Renunciando ou não, ficará uma lição marcante do Papa Francisco: tornar visível uma Igreja mais próxima do Evangelho de Cristo, simples, aconchegante, terna e rica da misericórdia, reavivando em seus irmãos as palavras do Mestre: “Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar, mas para salvar” (Jo 3, 17).