Padre João Medeiros Filho
Ao longo da história, a humanidade sonhou em adentrar os umbrais da eternidade. O Natal abriu as portas do Infinito e convidou o homem a entrar. A encarnação de Cristo é resposta à saudade e sede de Deus. Com o nascimento de Jesus, o viandante sem rumo encontrou pousada, pois “Deus armou sua tenda entre nós” (Jo 1, 14). O Inacessível transformou-se em tangível. O Abstrato tornou-se concreto e o Espírito perfeito, matéria. Natal é assim, encontro do Eterno com o efêmero. O Criador e a criatura aproximaram-se para dialogar, fazendo uso da perene linguagem do Amor. O Grande chamou o pequeno para andar nos caminhos da vida. A Misericórdia mostrou ao ódio o perdão. A Bondade ofuscou a mesquinhez. A Luz brilhou para as trevas se afastarem. O Poema celeste revestiu-se de versos temporais. Tudo isto, enfim, para o ser humano ver a face do Pai.
“Inefável mistério de bondade”, exclamara Santo Agostinho. O Natal veio nos deixar uma mensagempermanente: Cristo quis ser irmão do homem e este voltou a ser metáfora do Divino. Nele convergem o caminho descendente do Infinito e a estrada ascendente da terra. É a Divindade que vem ao encontro da humanidade, “esvaziando-se a si mesmo, tornando-se igual a nós, exceto no pecado” (Fl 2, 7). Quem poderia acreditar que uma criança, nascida numa estrebaria, num lugar ermo, seria nosso Deus? O Menino do Presépio veio para ficar no coração de cada ser humano, dando-lhe vida e sentido. O Eterno existe e vive ao nosso lado. Conhecemos um Deus criança, inocente, solidário, vivo, em constantecomunicação conosco. Ele ilumina nossa existência, aliviaas nossas dores e transfigura a morte em passagem para a plenitude da vida.
A beleza do Natal convida-nos a esquecer nossas divergências, ressentimentos e contendas, deixando de lado o que possa causar divisão. É este o apelo natalino dirigido ao Brasil hodierno, cujo radicalismo ideológico-político está corroendo a convivência pacífica, destruindo amizades e dividindo famílias. É um convite a encontrar Aquele que certamente será capaz de unir, aumentar a paz e o espírito de concórdia, que brotam da Encarnação de Jesus. Perdoar é consequência da vinda do Filho de Deus. Com tal advento o Justo abraçou o pecador.
O Livro da Sabedoria já profetizava o nascimento do Salvador, Palavra divina e Luz infinita. “Quando a noite ia ao meio do seu curso e um silêncio profundo envolvia o universo, a tua palavra doce, serena, mansa e poderosa desceu do seu trono real para a terra” (Sb 18, 14-15). Na claridade das luzes que resplandecem na escuridão, sentimo-nos envolvidos pela presença de Deus. A cada ano, atualiza-se no tempo natalino a profecia de Isaías: “O povo viu uma grande luz; para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9, 1).
Natal é a celebração do encontro entre o Eterno e o temporal. Assim, o que provém do Alto une-se ao que é terreno. Cristo veio para “reconciliar em si todas as coisas, as terrenas e as celestiais” (Col 1, 20). As festas natalinas emocionam os que têm fé ou possuem uma almaverdadeiramente sensível. Quem não se comove, ao ouvir as narrativas bíblicas do nascimento do Unigênito humanizado? Em textos diferentes, podemos nos encantar com o relato poético de Lucas, a narração rica de simbologia de Mateus e o enunciado filosófico de João. Quem não se sente impulsionado à oração, diante de um presépio, ao contemplar o Menino Jesus reclinado numa manjedoura, sob o olhar extasiado de Maria e José? É difícil não se deixar enternecer ao sentir o silêncio da noite resplandecente, quebrado apenas pelos suaves acordes angelicais. O Natal também é apelo por mudança interior. Cristo despojou-se humildemente de sua realeza e divindade. Vamos nos despir dos preconceitos, do egoísmo e do ódio, da arrogância e da vaidade, da insensibilidade e da violência. Natal é tempo de Amor, compreensão e fraternidade. Acolhamos o “Príncipe da Paz” (Is 9, 6), razão de nossa alegria e das festas. Ele nos abençoe e guarde! Feliz Natal, pleno de graças, para todos.