O demônio do ódio

Padre João Medeiros Filho

Cristo deu aos apóstolos “poder e autoridade para expulsar toda espécie de demônios.” (Lc 9, 1). Na Sagrada Escritura encontram-se os termos: demônio (daimon), significando espírito mau e diabo (diábolos), representando o que divide o ser humano, não necessariamente o anjo decaído. Santo Anselmo de Cantuária dizia: “Há muitos diabinhos escondidos dentro de nós.” E um deles é o ódio, sentimento intenso de aversão, rancor, execração etc. É concretizado em atos de ojeriza ou repulsa contra alguém ou algo. Nele há sempre um desejo oculto ou patente de afastar e destruir. O desdém e o desprezo são também formas de sua manifestação. A lei de talião, contida no Código de Hamurabi, caminhava nessa direção: “Olho por olho, dente por dente.” (Mt 5, 38).

O ensinamento do Senhor é o oposto: “Amai os que vos odeiam.” (Mt 5, 44). No catecismo católico o ódio é um pecado capital, ou seja, cabeça de outros males, atraindo mais “diabos” para cada um de nós. “Legião era seu nome, pois eram muitos” (Mc 5, 9). Jesus veio anunciar o amor, princípio de unidade e antídoto do ódio. “Amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). O cristianismo é a religião do amor. Aliás, a definição de Deus, encontrada no Novo Testamento, é: “Deus caritas est” (1Jo 4, 16), título e objeto de uma encíclica do Papa Bento XVI, promulgada em 2005.
Teólogos e exegetas analisam as consequências do ódio, que causa divisões, cega e violenta os seres humanos. Segundo São Boaventura, é como “uma planta daninha que corrói a alma de quem o guarda dentro do coração.” Muitos reconhecem a beleza do poema atribuído a São Francisco de Assis: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor”. Associado à inveja, causou o primeiro homicídio registrado na Sagrada Escritura, materializado no assassinato de Abel (cf. Gn 4, 8). Odiar é não saber conviver e respeitar as diferenças e divergências. Está na origem da imposição, do totalitarismo e da violência.

O Livro do Gênesis relata que o homem foi plasmado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 27). Este, em sua essência, é comunidade, diversidade, isto é, em termos dogmáticos, Trindade. O radicalismo e a intolerância são negações de nossas raízes divinas. Quando aluno da Universidade de Louvain (Bélgica), causava-me admiração a multiplicidade de etnias e crenças do alunado. O Reitor, Monsenhor Albert Descamps, agradeceu numa missa a presença de discentes de mais de cinquenta nacionalidades. Pertenciam a diversas culturas e religiões, vivendo em harmonia e espírito ecumênico, buscando a riqueza do saber. Outrossim, aquela autoridade acadêmica lamentava que seus compatriotas se desentendessem por conta de um problema linguístico. “Nada é perfeito no país dos homens,” dizia Exupéry.

Além de uma vacina contra o Sars-Cov-2, o Brasil necessita de um antídoto contra o ódio. É hora de apelar aos filósofos, psicólogos, teólogos, pastores etc. para que desenvolvam urgentemente métodos eficazes contra essa insanidade humana, que grassa atualmente pela nossa pátria. O país está sendo corroído pela intransigência. O radicalismo é de alta periculosidade, como as pandemias. Na política de hoje, não há adversários, mas inimigos, que buscam destruir o opositor. Não basta divergir, há que exterminá-lo.

Há anos, presenciei Dinarte Mariz e Walfredo Gurgel, em torno da mesma mesa, dividindo o pão e as ideias. Ambos, durante anos, militaram politicamente em fronteiras opostas. Era saudável vê-los discutindo civilizadamente. Convivi de perto com o saudoso monsenhor e nunca o ouvi pronunciar algo que desabonasse o senador. E este sempre se referia ao sacerdote como um homem de bem, culto, íntegro e digno. Isto faz lembrar o salmista: “Vede como é bom e agradável os irmãos viverem juntos!” (Sl 133/132, 1). Cristo profeticamente rezou por seus discípulos: “Pai, que todos sejam um como Eu e Tu” (Jo 17, 21). O ódio poderá ser debelado pelo perdão, amor e humildade. “Vale muito mais um prato de legumes com amor do que um boi gordo inteiro, regado a ódio!” (Pr 15, 17).