Padre João Medeiros Filho
“Há um tempo certo para cada coisa: tempo de calar e tempo de falar” (Ecl 3, 7). O silêncio é uma riqueza incalculável que a sociedade está desperdiçando. Vive-se num mundo barulhento em vários sentidos e dimensões. Apesar do avanço tecnológico, ainda não se inventaram motores, britadeiras, liquidificadores, furadeiras e outros aparelhos silenciosos. Há ruídos em demasia, ao redor de nós. A publicidade de rua, carros de propaganda, paredões de som esgarçam a nossa paciência e prejudicam a audição. É relaxante caminhar por lugares desprovidos de “outdoors” e outros meios de poluição visual. Nossos olhos ficam aliviados, podendo apreciar o encanto e a exuberância da natureza. Sentimos paz ao contemplar o céu, o mar ou a montanha, que nos ajudam a pensar e repousar a alma. Os evangelistas narram Jesus Cristo isolando-se em lugares tranquilos e desertos, orando ao Pai. “Jesus retirava-se para lugares solitários e orava” (Lc 5, 16).
Há os que rejeitam o silêncio. Logo que entram em casa ou no carro, tratam imediatamente de ligar o celular, televisão, rádio, toca CDs etc. Não é tão fácil calar para escutar a si mesmo! Santa Teresinha confessava que incomoda a muitos permanecer em silêncio. “Este é a voz de Deus que abafa todas as vozes humanas”. E, não raro, evitamos ouvi-Lo para não sentir qualquer tipo de desaprovação dentro de nós. É calando que podemos descobrir o outro – e quem sabe – a nossa verdadeira identidade. Esse encontro solitário é importante. No mundo atual, há inúmeras pessoas que sentem dificuldade em acolher o próximo. Quem não gosta de si mesmo, apresenta resistência para aceitar os outros. Desconta neles o mal-estar íntimo, despejando a sua insatisfação interior. Quão verdadeira é a afirmação do poeta Fernando Pessoa: “No silêncio existe tão profunda sabedoria que, às vezes, se transforma na mais perfeita resposta.”
Quando pregávamos nos encontros de casais das paróquias, lançávamos alguns questionamentos: Vocês são capazes de ficar juntos, calados, por mais de meia hora, sem acusações mútuas e críticas a outrem? Às vezes, o silêncio entre um casal pesa, suscitando desconfianças e indagações. Surgem perguntas e dúvidas: o que você está pensando? Por que está tão calado? Não gosto de você assim. O que está aprontando ou se passa nessa cabeça? Isso é sinal de que a vida de ambos não vai bem. Conhecemos pessoas com mais de cinquenta anos de vida conjugal, capazes de passar horas, lado a lado, silenciosamente e de mãos dadas. É a suavidade de quem descobriu que a profundidade dos sentimentos dispensa palavras, como uma oração que agrada a Deus. “No silêncio alguma coisa irradia”, já dizia o Pequeno Príncipe.
Quando adentramos num hospital, deparamo-nos com alguns cartazes, convidando-nos ao silêncio. Este é também medicamento, alimenta o espírito, favorece o repouso e ajuda a recuperar as forças. A noite nos envolve tacitamente para preparar a paz do dia seguinte. O mosteiro, onde celebramos, permite-nos ainda mais refletir sobre a quietude dos claustros. Nos seminários e conventos, as refeições acontecem sem conversas, indicando que, ao nutrir o corpo, devemos alimentar também o espírito. Os frades e freiras caminham calados pelas clausuras, sem que ninguém os interrompa. Ficam horas nas capelas, deixando-se inebriar pelo Mistério de um Deus silente e aparentemente invisível. Atualmente, pessoas procuram frequentar “oficinas” de oração à procura do silêncio. Desejam beber da fonte da Água Viva.
Hoje, líderes religiosos queixam-se da falta de oração. Só reza quem é capaz de calar para escutar o Transcendente. As gerações hodiernas não aprendem a fechar os olhos para ver melhor. Poucos conhecem as grandes correntes espirituais. É comum ajoelhar-se, sem haver reverência interior, recolhimento, prece e contemplação. Poucos atentam para o silêncio como uma forma de diálogo e aprofundamento. Urge escutar o Mistério e auscultar o Invisível. Sem silenciar, ninguém escuta Deus. Dizem os místicos que o mundo está em crise, porque ouvimos mais as criaturas do que o Criador. Lembra-nos a Sagrada Escritura: “Deus não estava no trovão, na tempestadade, no fogo, mas no silêncio e numa brisa suave.” (1Rs 19, 10-12).