Padre João Medeiros Filho
Atualmente, grassam as narrativas, uma espécie de sofisma, temperado com falácias e mentiras. Na Grécia Antiga, os sofistas ensinavam retórica. Com a técnica do discurso tentavam demonstrar como o interlocutor deveria ser seduzido, independente da veracidade das mensagens. Sócrates, Platão e Aristóteles condenaram seus métodos, considerando-os desonestos e farsantes. Para Aristóteles eles enganavam o público, recorrendo ao erro travestido de aparente argumentação. No sofisma, interessa fundamentalmente seduzir o ouvinte ou leitor, conduzindo-o ao ilusório com promessas de possíveis vantagens econômicas, políticas, científicas ou religiosas. As escolas sofistas não ficaram apenas na antiguidade clássica. Atravessaram séculos, influenciando o pensamento humano. Hoje, é possível dizer que há um novo tipo de sofisma, veiculado pelas recentes tecnologias de comunicação, cada vez mais velozes.
Há uma proliferação de boatos, engodos e inverdades, uma contínua guerra de informações em busca de seguidores. O apelo proposital ao espetacular e emocional constitui a expressão dessa luta para tentar a validade das palavras e tornar reais as patranhas. Muitas vezes, a objetividade já não tem tanta relevância para formar a opinião pública. Em seu lugar, impõe-se a despudorada e antiética arquitetura das versões de uso rotineiro de muitos ideólogos, políticos e governantes. Abre-se o caminho para o embuste, a desconfiança e as aleivosias repetidas incansavelmente. O apóstolo Paulo ensinava: “Deixando a mentira, cada um diga a verdade” (Ef 4, 25).
Hoje, a forma importa mais que o conteúdo. É o que se verifica neste mundo das famosas redes sociais. Sobre isso chamava a atenção o Papa Francisco, destacando a necessidade de cultivar uma comunicação verdadeira, à luz da afirmação de Jesus Cristo: “A verdade tornar-vos-á livres” (Jo 8, 31). É próprio do ser humano comunicar-se e interagir. A linguagem gera participação e amor. O homem é a única criatura que tem a capacidade de expressar e dizer algo sobre o verdadeiro, o bom e o belo. Entretanto, é também capaz de ludibriar e mentir com uma aparência de verdade. Saint Exupéry, em O Pequeno Príncipe, já dizia que “a linguagem é uma fonte de mal-entendidos.”
Em tempos de redes sociais, conflitos partidários e sociais, presencia-se algo surpreendente: informações infundadas, fraudes, maledicências, desconstruções e calúnias transmitidas em tempo real. Deste modo, dados inexistentes, distorcidos ou tendenciosos são divulgados com objetivos predeterminados. Geralmente ocorre para influenciar opções políticas, ideológicas, auferir lucros ou dividendos eleitoreiros. E o pior, tais notícias falaciosas são, não raro, fruto de inveja, intolerância, radicalismo e ódio. Com elas, reputações são destruídas celeremente sem que os atingidos tenham condições de se defender. As narrativas, novos nomes dos sofismas, estão contaminando a sociedade e fazendo vítimas. Nem sempre é fácil desvendá-las ou erradicá-las. Isso exige atenção, serenidade, sabedoria para confrontar fontes e fatos. Muitas dessas notícias parecem verdadeiras e atraentes, indo de encontro aos interesses de vários. Por isso, são imediata e automaticamente encaminhadas a amigos ou conhecidos.
Os cristãos devem focar a capacidade de discernimento, visando à verdade. Isto significa formar para avaliar e pesar os desejos e inclinações que surgem para não ser disseminadores da mentira. Em Os Irmãos Karamazov, Dostoievski aborda esse tema: “Quem mente a si mesmo e repete sistematicamente as próprias mentiras, chega ao ponto de já não poder distinguir a verdade dentro de si, nem a seu redor. Assim começa a perder a credibilidade por parte de outros.” Há necessidade e urgência de discutir como conciliar razão e emoção, discurso e prática. Como filtrar incontáveis informações, invadindo os espaços virtuais e hospedando dados sem cair nas malhas da desonestidade, da farsa e do logro? De que modo ajudar os outros a pensar e discernir sobre seus questionamentos e problemas, sem a influência invasora e interesseira de gurus de plantão? É tarefa dos cristãos contribuir para preencher o vazio existencial de muitos, mantendo neles a capacidade de refletir para fazer suas escolhas e assumir as consequências. No Brasil hodierno, muitos estão grávidos de malícia, por isso darão à luz inverdades. O apóstolo Paulo já advertia: “Há os que trocam a verdade pela mentira” (Rm 1, 25).