“Não terás outros deuses”

Padre João Medeiros Filho

O escritor e teólogo Rubem Alves afirmou: “Aquele que se embriaga da esperança fica grávido do futuro, da eternidade e de Deus.” Talvez seja essa a virtude que nos falte, especialmente nestes tempos de perplexidade. Segundo os poetas, ela assemelha-se às estrelas, que cintilam, à noite. Os que caminham na escuridão podem vê-las melhor. Mário Quintana, inspiradamente, dissera: “Que tristes seriam nossos caminhos se não fosse o brilho das estrelas, arautos da esperança e anunciantes da paz de um novo dia.”Esperar não é cruzar os braços, mas tentar descobrir estradas e fortalecer os ânimos. Em Isaías, o profeta messiânico, pode-se encontrar: “Aqueles que andam nas trevas verão novamente o raiar do dia e o brilho da luz.” (Is 9, 2). Assim profetizou sobre o Messias prometido, queria exclamar: “Eu sou a luz do mundo.” (Jo 8, 12).

A abertura ao transcendente poderá nos tornar esperançosos e alegres. Talvez, nos dias atuais, tenha sido insuficiente naqueles que têm fé. As religiões devem ser mensageiras da alegria e afastar o medo, pois Deus é Vida e Paz. Recentemente, estivemos numa clínica médica. Como sói acontecer, chegamos antes da hora aprazada. Nas antessalas dos consultórios, preferimos escutar mais. Já havia ali alguns pacientes. Um rapaz comentou: “Estou doido que passe essa pandemia para poder frequentar os barzinhos, as festas, badalar etc.” Uma senhora referiu-se à quarentena (que já passou de centena): “Assim que tudo terminar, eu irei pagar uma promessa.” A atendente também manifestou o seu desejo: “Estou orando para que essa doença acabe. Quero retornar à faculdade para colar grau brevemente.”Uma jovem expressou a sua vontade: “Tomara que tudo passe. Estou doente de tanto ficar trancada em casa. Sinto saudades dos shoppings. Preciso ver as novidades.

Evidentemente,tais relatos,expressando temperamentos e posturas diferentes, prestar-se-iam a análises mais acuradas. Uns pensam no “carpe diem”, do poeta latino Horácio. Mas, o apóstolo Paulo reiterou: “Tudo me é permitido, mas não deixarei que nada me escravize.” (1Cor 6, 12). O isolamento social forçado talvez não nos tenha retirado ainda o véu do egoísmo e materialismo. A inquietude que vivemos e a apreensão que nos domina não se manifestaram emissárias eloquentes do Eterno. É preciso cuidado para que a ruptura da barreira do confinamento não conduza ao exagero. A repressão pode eclodir numa onda frenética da busca de prazer, consumo e saciedade material. Muitos poderão ir proustianamente “em busca do tempo perdido”. O penúltimo fim de semana, especialmente nas praias, pode ter sido um indício de outra pandemia. Não a do invisível e temido vírus chinês, mas a da morbidade do vazio. Um médico potiguar, em entrevista à mídia tradicional, afirmou que “a saúde implica no bem-estar biológico, social e mental.” A sede existencial de muitos é um alerta, que exprime a escassez do sagrado. Talvez, os líderes religiosos não tenham ainda valorizado devidamente essa realidade.

Há uma lentidão nos processos de mudanças civilizatórias, apesar de urgentes e indispensáveis ao Brasil. Contribui para tal inércia a pressão de segmentos da sociedade que não enxergam nada, além da lógica do dinheiro. Colocam-se na contramão de um humanismo capaz de superar os atuais desafios. A tarefa educativa para se cultivar novos hábitos não pode prescindir da participação de instituições sérias, dentre elas, as igrejas.O Brasil está em processo de rápida transformação. O discernimento da cultura cristã necessita ser resgatado. É preciso analisar com sabedoria as mudanças, a fim de que os caminhos sejam pertinentes à humanidade de nosso tempo. Atualmente, prevalece o culto às “divindades modernas”: vaidade, poder, glória,dinheiro, consumo,prazer etc.Em contraponto, destaca-se a criatividade de Paulo, no Areópago de Atenas, chamando a atenção para o “Deus desconhecido [Cristo]”. O apóstolo dos gentios “ficou inflamado, ao ver aquela cidade entregue à idolatria.”(At 17, 16). Pessoas pouco esclarecidas ou tíbias na fé sucumbem à tentação de novos ídolos, não raro, latentes nas ideologias. O Senhor já advertia o povo do Antigo Testamento: “Não terás outros deuses, além de mim.” (Ex 20, 3).