O mundo mudou muito em, relativamente, pouco tempo. Sou de uma época em que, telefonar para uma pessoa fora da sua cidade, significava ir à sede da telefônica solicitar uma chamada e esperar às vezes por horas a ligação completar. A funcionária que trabalhava coordenando as chamadas sabia tudo da vida de todos. Era preciso falar alto, quase gritando. Pelo menos não havia como grampear as mensagens, até porque elas não existiam.
Todos liam jornais e era prazeroso ver matérias nas quais se percebia a cuidadosa pesquisa do tema. Em Paris, a gente tinha que ir até uma sede da Varig para ler os periódicos de 2 ou 3 dias atrás. E lia Jornal do Brasil. Eram momentos prazerosos e cada um, claro, tinha seus jornalistas preferidos.
Eram um luxo os cadernos de cultura e literatura. A gente era feliz e sabia. E que dádiva, na minha cidade no interior de Minas Gerais não havia televisão. A 1ª que chegou foi instalada na praça principal e um funcionário da prefeitura abria uma caixa onde ela ficava, trancada com cadeado, e ligava das 20 às 22 horas. Quase nunca dava para ouvir, era ótimo.
Depois de um tempo, já advogando, a grande importância eram as revistas de finais de semana. Os repórteres trabalhavam dias, eventualmente semanas, num determinado tema. As revistas fechavam a edição na 6ª feira e as matérias não ficavam velhas. Podiam ser maturadas.
Lembro-me de uma vez que, numa 5ª feira à noite, recebi telefonema do chefe de Redação da Veja querendo entrevistar um cliente. A reportagem iria sair, mas ele, sério e competente, queria ouvir o outro lado, não só pro forma. Eu disse que deixaria meu cliente falar, interessava para o caso, desde que fosse a capa. Ele retrucou que a capa já estava fechada. Disse, então, que não teria a entrevista. Na madrugada, viajamos para o Rio de Janeiro e meu cliente foi capa, com falas que interessavam à defesa. Jogo jogado.
Sempre respeitei muito a imprensa e, em cada caso importante que tinha apelo midiático, cuidava de me dedicar 2 ou 3 horas para falar com os jornalistas. Faz parte da defesa expor sua tese. Deixar o cliente sangrar sem ter o outro lado favorece o massacre midiático e a pré-condenação. Depois, resolvi criar uma lista de transmissão no WhatsApp com 800 nomes de profissionais: uma nota técnica me poupa 3 horas de trabalho.
Certa vez, o dono de um grande grupo de comunicação resolveu proibir que meu nome fosse veiculado em seus jornais. À época, estava advogando em relevantes processos, recordo-me de ter saído 2 entrevistas minhas no mesmo dia no Jornal Nacional, mas, no tal grupo, a menção era “segundo o advogado”, sem citar meu nome. Os jornalistas de lá me entrevistavam, às vezes constrangidos, mas se rendiam à censura do dono.
Passados 2 anos, o empresário me chamou para conversar e o diálogo foi hilário. Ele me disse, propondo um acordo: “Faz 2 anos que meus jornais não citam seu nome.” Respondi: “Sério? Não notei. Nunca leio nada do seu grupo!”. Mais 2 anos sem ser citado. Lembrando-nos do grande Victor Hugo:
“Aquilo que causa a noite dentro de nós também pode deixar estrelas”.
Hoje, o mundo mudou e, obviamente, a mídia também. Recordo-me de quando recebi a informação de que seria inaugurada a GloboNews, que contaria com 24 horas de notícias. Uma amiga me ligou dizendo que seria uma das jornalistas. Eu avisei: “vai dar merda!”.
Ela fez um belo trabalho e a mídia ao vivo virou uma febre. Muitas vezes, sem tempo para investigar, a sede do “furo” continua pautando as redações. Alguns programas, que duram horas, são como bate-papos informais de botequins, uma prazerosa conversa na qual as opiniões são a tônica e ditam verdades, por vezes, sem nenhum contato com a realidade. Talvez, por isso, os mais jovens não acompanhem nunca os programas de televisão.
Nesta semana, a imprensa divulgou, fartamente, e não poderia ser diferente, a decisão (PDF – 169 kB) do ministro Dias Toffoli que determinou a abertura de uma investigação sobre a ONG Transparência Internacional –que de transparência só tem o nome. O nível de desconhecimento de grande parte das reportagens assustou.
Em um 1º momento, jornalistas com grande alcance midiático afirmavam que ele havia determinado a apuração de ofício. De maneira criminosa, diziam que o despacho era uma retaliação. Quase ninguém se preocupou em realmente averiguar e entender o contexto. As viúvas da Lava Jato se alvoroçaram. Levantaram teses que fariam corar qualquer estudante de jornalismo. E tomem opiniões sobre tudo sem a menor preocupação com sua excelência: o fato!
A desinformação foi tal que o ministro tomou uma atitude rápida: retirou o sigilo da investigação, até porque boa parte tinha vazado. É importante ressaltar que a regra é a publicidade. E aí pôde-se constatar que o despacho não teria sido de ofício, muito ao contrário, foi no curso de uma apuração que estava instaurada desde 28 de fevereiro de 2021. E que começou a tramitar no Superior Tribunal de Justiça, inclusive com decisão do ministro Humberto Martins. Só mudou a competência para o Supremo Tribunal por manifestação do então procurador-geral da República Augusto Aras.
Distribuído o inquérito para o ministro Dias Toffoli, ele fez o trivial, o óbvio, determinou o prosseguimento das investigações, sob pena de prevaricar se quedasse inerte. Sem prejulgar. Sem nenhuma medida cautelar que afastasse direitos individuais. Foram horas de massacre midiático. Vez ou outra, com uma virulência que, provavelmente, não caberia em programas nos quais o tempo de investigar fosse priorizado.
Esses tempos estranhos deixam, muitas vezes, um gosto amargo na boca de quem, colocando a liberdade de imprensa como valor máximo, ainda valoriza a verdade a ser desnudada. Tristes tempos.
Fonte: poder 360