Padre João Medeiros Filho
A frase, intitulando este texto, atribuída a Voltaire, parece bem atual. O Direito Canônico trata do assunto no cânon 220: “Ninguém tem o direito de lesar ilegitimamente a boa fama de que outrem goza, nem de violar o direito de cada pessoa a defender a própria intimidade”. E quando alguém se refere ao Código de Direito Canônico, pensa-se logo numa obra superespecializada, voltada tão somente para clérigos. No entanto, ele rege o Povo de Deus (eclesiásticos e leigos) e sua vida dentro da Igreja. Poucos cristãos – até sacerdotes, diáconos e religiosos – refletem sobre isso. Como se pode inferir, “a priori” ninguém pode ser taxado de desonrado e desrespeitado. O citado dispositivo é uma aplicação jurídico-pastoral do que determina o oitavo mandamento do Decálogo. Segundo tal prescrição religiosa – que rege o relacionamento dos cristãos – a honra das pessoas deve ser respeitada e sua privacidade resguardada de leviandades, acusações infundadas, calúnias, injúrias e maledicências.
Muitos conhecem a canção popular de Dolores Duran, também interpretada pela cantora assuense Núbia Lafayette, em que o personagem devolvia na mesma moeda a difamação sofrida. Quem não se recorda destes versos: “Se o meu passado foi lama, hoje quem me difama, viveu na lama também… Quem és tu? Não és nada… Tu foste errado também”! Pode-se verificar que o desrespeito e o atentado à boa fama das pessoas não é um fenômeno recente. Não seria errôneo afirmar que, desde os primórdios do mundo, a honra dos cidadãos é manchada por inverdades e injúrias. Trata-se de acusações que nem sempre têm teor verdadeiro e são utilizadas em prejuízo dos acusados. O salmista já fazia referência a essa postura e aconselhava: “Preserva tua língua do mal e teus lábios de palavras mentirosas” (Sl 34/33, 14).
No Brasil, nestes últimos anos, assiste-se ao fortalecimento de um tipo de jornalismo desprovido de indispensável apuração e comprovação dos fatos veiculados. Trata-se de um costume maldoso para atingir e depreciar pessoas. Não consiste apenas em denunciar erros ou crimes, mas lançar nomes na sarjeta, maculando para sempre biografias e currículos. Nesse sentido, não se trata de “justiça” midiática, mas de uma forma de levar a termo interesses ideológicos, político-partidários, socioeconômicos e financeiros.
Dessa prática nefasta, muitos não estão isentos, seja como autores ou como vítimas. Hoje, mesmo dentro da Igreja, há quem assuma o hábito deletério de espalhar na internet notícias falsas e proferir acusações infundadas a respeito de outros, até do Sumo Pontífice. Os jornalistas italianos Nélio Scavo e Roberto Beretta publicaram recentemente o livro “Fake Pope”, relatando oitenta calúnias contra Francisco. Espalham-se com mais perversidade – por conta da rapidez e instantaneidade das redes sociais – injúrias e detrações, destruindo a honra de outrem. Não há quem esteja a salvo de ter seu nome, fotografias e áudios difundidos nacional e internacionalmente, sem a prévia e devida autorização. Além de promover um mal-estar social, ainda abrem-se as portas para se arquitetar estratégias de ataque contra quem goza de reputação ilibada. Na Igreja, justificam-se as denúncias numa perversão de doutrinas e tradições, como as graves mentiras lançadas e palavras distorcidas contra o Papa Francisco.
Em muitos casos tenta-se extirpar do convívio social quem está sendo acusado e denegrido, sem direito à defesa. A difamação parece dominar a sociedade de hoje. É como “um saco de plumas jogadas ao vento”, na analogia de Santo Agostinho, quando falava a seus diocesanos. Trata-se de uma iniquidade, que atenta contra os direitos civil e canônico. As acusações, suspeitas mentiras proferidas têm por trás intenções e busca de vantagens ilícitas, imorais ou antiéticas. O cristão deve ter sempre em mente as palavras do apóstolo São Tiago: “Se alguém se considera religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo. Sua religião não tem valor algum”! (Tg 1, 26). Não se pode esquecer igualmente o que ensina o Livro do Êxodo: “Não espalharás notícias falsas, nem darás a mão ao ímpio para seres testemunha de injustiça” (Ex 23, 1). E Cristo calou a bazófia dos mestres da Lei do seu tempo: “Quem dentre vós, não tiver pecado, atire a primeira pedra” (Jo 8, 7).