Padre João Medeiros Filho
Está bem viva em nossa memória a comemoração do mês mariano e o seu ápice com a coroação da imagem da Rainha do Céu, no último dia de maio. Mesmo antes do nascimento de Cristo, esse mês era ligado a um personagem feminino. Segundo estudiosos, a denominação deriva de uma homenagem a Maia, deusa da mitologia greco-romana. Era genitora de Hermes e considerada a protetora dos campos e das flores, sendo, portanto, associada à primavera. Esta, no hemisfério norte, atinge o esplendor em maio. Antes da reforma do calendário romano, já havia uma ligação desse período do ano com um arquétipo feminino. Uma das constelações mais reluzentes nas noites primaveris é justamente a de Virgem, com a cintilante estrela Spica. Assim, nessa época, o céu passou a ser associado a uma figura de mulher.
Com o advento do cristianismo, surge uma nova e grandiosa personagem: a Virgem Santíssima. E a piedade cristã católica dedicar-lhe-á trinta dias do ano. Tal prática religiosa remonta ao princípio do século XVIII, fruto da pregação de padre Dionísio Ansaloni, sacerdote jesuíta italiano. Contam seus biógrafos que o presbítero costumava dirigir-se, nas tardes de maio, à Igreja de Santa Clara, em Nápoles, para os cantos em honra à Virgem Santíssima. Na primeira metade do século XIX, esta prática religiosa já tinha sido difundida, consagrando o quinto mês à Mãe do Salvador. Desta forma, a veneração a Maria percorre países e atravessa séculos, preenchendo lacunas na vida do Povo de Deus. Seu culto vai se consolidando de forma autêntica e oficializado pela Igreja. Por Maria, a Eternidade tornou-se acessível, pois, gerando Cristo, Ela estabeleceu o contato com o Transcendente. No entanto, a Rainha dos Santos não deixa de ser humana, Mãe compadecida e terna.
Pode-se afirmar que uma das expressões fortes da religiosidade brasileira revela-se na devoção mariana em suas várias invocações. É inegavelmente elo entre as pessoas e vínculo de permanência na fé católica. Esta devoção apresenta-se em todas as regiões do país, nas mais diversas manifestações. A crença de nosso povo também está ligada à devoção mariana. Terços, rosários, ladainhas, procissões, coroações da imagem da Rainha Celestial e tantas maneiras simples de piedade expressam a hiperdulia mariana. Cabe informar que o amor à Mãe do Redentor não é apenas ensinado nos livros, mas vivido e transmitido pelo testemunho de pais para filhos. A participação em festas, novenas e outros atos devocionais alimenta essa religiosidade, que vai penetrando na alma dos brasileiros. Nestes, a devoção e o culto à Mãe de Jesus não lançam mão de esquemas e conceitos teóricos, mas de expressões vivas brotadas do coração e da fé do povo.
Pelo seu Filho, Deus quis legar-nos um coração materno, cheio de ternura e misericórdia, expressão terrena do divino. Não é sem razão que Nossa Senhora é denominada “Rosto Materno de Deus”! Ela é a beleza divina, presente na criatura humana, riqueza celestial humanizada. Maravilha sobrenatural, tangível aos homens, misericórdia e benevolência celestes disponíveis aos mortais. É a suprema bondade divina, revelada aos pequenos e imperfeitos, face de nosso Pai manifestada aos que Nele acreditam e esperam. A Virgem de Nazaré é a pequenez humana transformada em grandeza infinita pela graça de Deus, poesia do Criador para o prosaico dos homens. É a saudade de nossas origens e a certeza de que não somos órfãos e abandonados, pois a benignidade divina supera nossos pecados.
Imaculada e santa, além de seu coração materno que nos aceitou como filhos, Ela poderá nos tocar com suas virtudes e santidade. Nossa Senhora não nos humilha como seres decaídos. Ao contrário, lembra-nos nossa riqueza interior e o quanto a graça de sobrenatural pode operar em cada um de nós. Mirando-nos no espelho da perfeição e da beleza interior de Maria, seremos capazes de nos transformar em criaturas repletas de amor e dons espirituais. A pureza da Virgem Santíssima inspira-nos a sermos bons, justos e generosos. Suas bênçãos são estímulo à comunhão com o Eterno. Santa Maria, Mãe de Deus e dos homens, rogai por nós seus filhos e pelo nosso tão sofrido Brasil, que a Vós, um dia, foi consagrado!