Sei que pareço um ladrão…
Mas há muitos que eu conheço
Que não parecendo o que são,
São aquilo que eu pareço.”
– Antônio Aleixo, poeta popular português.
O Brasil passa por um momento triste. É deprimente observar o dia a dia do presidente da República, da sua família, dos seus auxiliares e dos seus amigos. Em uma época normal, todos nós acompanhamos a política que move o país, mas continuamos tocando a vida, priorizando nossas mais diversas questões.
Ocorre que, neste momento de tentativa de reeleição, Bolsonaro tem sido o centro das atenções no noticiário nacional. E aí é uma vergonha diária e permanente. É escândalo atrás de escândalo, mentiras desenfreadas e relatos de corrupção aos borbotões. Uma tragédia.
A reportagem feita por Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, sobre os imóveis do clã Bolsonaro, foi avassaladora. Há muito pouco tempo, a farsa da Operação Lava Jato, coordenada pelo ex-juiz Sergio Moro e seus procuradores de estimação, prendeu o ex-presidente Lula por ele ter visitado um apartamento triplex no Guarujá.
Nunca houve nenhum documento para indicar que ele pudesse ser o dono do imóvel. Mas, na cabeça da podre elite brasileira, como poderia um ex-operário ter visto um apartamento triplex com a intenção de comprar? E ainda no Guarujá, o balneário chique paulista? Ora, vamos prendê-lo e fazer do Bolsonaro o presidente do Brasil! E prenderam. Tiraram Lula da disputa presidencial –ele estava em 1º lugar nas pesquisas– e elegeram esse fascista que destrói as bases civilizatórias do país.
Por sinal, é ensurdecedor o silêncio cúmplice dos falsos heróis da Lava Jato –os candidatos Moro e Deltan– sobre o escândalo dos 107 imóveis do clã Bolsonaro. Oportunistas, falsos moralistas e hipócritas. Lembro-me de Florbela Espanca, no poema “A minha tragédia”:
“Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!”
Agora, vem a público que a família Bolsonaro comprou 107 imóveis e que pelo menos 51 foram pagos em dinheiro vivo. Depois de 7 meses de longa apuração, os jornalistas mostraram que o presidente, seus filhos, mãe, irmãos e ex-mulheres acumularam verdadeira fortuna em imóveis. Talvez seja necessário mesmo um sigilo de 100 anos para que nada possa ser explicado.
E, é bom ressaltar, não é como no caso do triplex em Guarujá, do qual não havia absolutamente nenhum documento e ainda assim Lula foi processado, condenado e preso. Neste caso, da verdadeira “imobiliária Bolsonaro”, os jornalistas consultaram 1.105 páginas de 270 documentos em cartórios de imóveis e registros de escritura em 16 municípios. Checaram pessoalmente os dados em 12 cidades. Verificaram endereços, destinação dos bens e consultaram processos judiciais. Um trabalho sério, técnico e de fôlego.
Já passa da hora de os brasileiros assumirem que a campanha de ódio propagada pelos bolsonaristas nada mais é do que uma cortina de fumaça para desviar a atenção do saque que esses fascistas estão fazendo no governo. Enquanto nós somos tragados para o centro de discussões estéreis e desnecessárias, o país vai sendo ultrajado, vilipendiado e subtraído em tenebrosas transações.
Como se não bastasse o baixíssimo nível da quase totalidade dos apoiadores do presidente, alguns dignos de pena e que provocam profunda vergonha alheia, agora, a todo momento, pululam os casos de corrupção, de abuso de poder e de uso despudorado da coisa pública. A República sucumbe sob as forças imperiais que instigam a estabilidade democrática, fustigam a independência dos poderes e desestruturam o Estado Democrático de Direito.
Na realidade, já não podemos ter a certeza de que vivemos de fato numa democracia, na expressão mesmo do conceito, além da palavra. Com o afastamento deliberado dos direitos dos menos favorecidos, com a escandalosa massa de 33 milhões de famélicos e com 500 mil moradores de rua –enquanto a família presidencial acumula mais de 100 imóveis–, falar em democracia é quase um acinte. Ainda assim, é por ela que resistimos a esse cerco de obscurantismo.
A mordaça que foi impingida ao povo brasileiro não consegue sufocar a voz da garganta. E a mortalha na qual pretendem envolver o cidadão será rasgada em nome do Estado Democrático de Direito. Recorro-me ao mestre Paulo Leminski:
“Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além.”
Fonte: poder 360