O governo federal redobrou nesta segunda (23) os esforços para aprovar o pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), ante o risco iminente de o grupo de trabalho que analisa o projeto vetar seus pontos mais controversos após o assassinato da menina Ágatha Félix no Rio.
Há suspeita de que Ágatha, 8, tenha sido morta por um tiro disparado por policial na região do Complexo do Alemão que pretendia atingir outra pessoa. Um dos dispositivos do pacote, o excludente de ilicitude, relaxaria a punição de agentes que cometam crimes sob “violenta emoção”.
A discussão ganhou força após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defender, domingo (22), uma “avaliação criteriosa” do excludente de ilicitude.
O Código Penal não vê crime quando o agente atua por necessidade, legítima defesa ou no cumprimento do dever legal; ele responde, porém, por excesso doloso ou culposo.
A proposta de Moro incluiu a possibilidade de o juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção.”
O item deve ser discutido nesta terça (24) pelo grupo de trabalho que estuda o projeto de Moro e do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo parlamentares, há maioria para modificar o trecho —alguns deputados defendem sua supressão.
Não seria a primeira derrota do pacote do ministro no colegiado. Já caíram a prisão após condenação em segunda instância, que, no entendimento do grupo, precisaria ser sugerida via PEC (Proposta de Emenda à Constituição), e o “plea bargain”, solução negociada entre o Ministério Público e o acusado de um crime, que na nova versão requererá o aval de um juiz.
As discussões do grupo, coordenado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), devem ser concluídas até a próxima semana. O documento final vai a plenário, e alguns pontos que caíram podem voltar.
Os sucessivos reveses acenderam o alerta no governo. Parlamentares aliados começaram a exigir apoio mais contundente do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao pacote.
Ao mesmo tempo, alguns dos temas derrotados no grupo de trabalho começaram a ser pautados na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), presidida pelo aliado Felipe Francischini (PSL-PR).
Na comissão, há projetos sobre excludente de ilicitude. Um deles, do deputado Fausto Pinato (PP-SP), quer incluir no artigo casos de agentes que, para cumprir o dever, usam ou ordenam o uso de arma de fogo ou meios de coerção física para repelir a resistência armada à execução de ato legal (ou seja: ele propõe que se atire em caso de resistência a ordem do policial).
O parlamentar propõe ainda que a invasão injusta de propriedade configure causa de legítima defesa.
A comissão já analisou uma PEC sobre legítima defesa que é tema do grupo de trabalho. Outra proposta de emenda à Constituição, a prisão em segunda instância, também deve entrar na pauta da CCJ, diz Francischini, que ouviu queixas de membros do grupo.
Ele afirma, contudo, que não se preocupa com o protagonismo em aprovar o pacote e avalia que a quantidade de projetos sobre segurança pública pautados na CCJ reflete um “represamento” de propostas do tema na comissão.
“Você pega os últimos presidentes da CCJ, eles deram prioridades a assuntos muito importantes. Mas a questão da segurança pública ficou em segundo plano”, diz.
O deputado descreve clima favorável à aprovação de propostas do pacote anticrime na comissão. “Às vezes, acontece retirada de pauta para produzir algum acordo de alteração do texto, mas até hoje nunca foi reprovado um projeto.”
Relator do pacote anticrime, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) não vê problemas na articulação para aprovar pontos derrotados do texto de Moro —todos também contavam com seu voto a favor. “Não vejo nenhuma discordância. O grupo ali são apenas 16. Aqui, na CCJ, são 64, e no plenário, 513. Tem que prevalecer a vontade da maioria.”
Segundo o parlamentar, a bancada da segurança, da qual é presidente, tem 305 deputados, a maioria a favor do pacote. “Aqui no grupo somos minoria, o que não se reflete na CCJ nem no plenário. Lá, temos plena condição de aprovar o que perdermos aqui.”
Integrantes do grupo de trabalho, no entanto, criticam a manobra. O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) vê partidarização do tema. “Aqui [na CCJ] é uma discussão desnecessária.”
A tentativa de reinserir temas já apreciados pelos parlamentares é criticada pela oposição. “Você tem um grupo que está há 120 dias ouvindo especialistas, fazendo debate aprofundado, ser atropelado por uma outra forma…já que você não ganha aqui, ganha do outro lado? Não é a melhor maneira de o Parlamento se comportar”, contesta Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Nesta segunda (23), o presidente da Câmara defendeu que a conclusão do grupo de trabalho seja apresentada no plenário da Casa.
“Acho que quem tem que decidir sobre o tema são os deputados que entendem da área e que estão num grupo de trabalho discutindo”, afirmou Maia. “Depois, o plenário pode discutir, pode passar no plenário, pode não passar. É da democracia ganhar ou perder uma votação.”
(FOLHAPRESS)