Essa insegurança, de quem é a culpa?

Volto aqui para discutir a recentíssima decisão do Supremo Tribunal Federal, deste ano de 2023, nos recursos extraordinários com repercussão geral RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881), que, à unanimidade, “retirou privilégio de contribuintes que não pagavam o tributo baseados em decisões [de outros órgãos jurisdicionais e até transitadas em julgado] que, equivocadamente, consideraram inconstitucional a cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)”. Como sabido, o STF deixou mais que patente que, “desde 2007, quando o Tribunal então validou esse tributo”, a CSLL, todos os contribuintes já deveriam pagar o danado.

Há por parte do setor empresarial a reclamação – até certo ponto justificável – de que essa novel decisão do STF fomenta o que chamamos de insegurança jurídica. Porque muitos achavam ou ao menos apostavam, até baseados em decisões judiciais, que esse tributo não era devido. E, em especial, não era devido desde 2007.      

Mas se há essa insegurança – ou, pelo menos, um novo custo para os empresários, que terão de pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) desde o ano de 2007 – de quem é a culpa?

Entendo que só não é do Supremo Tribunal Federal. Essa culpa deve recair muito mais nos órgãos jurisdicionais país afora que, mesmo depois da decisão de 2007 do STF afirmando ser o tributo Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)constitucional e devido, continuaram considerando-o, e assim decidindo a pedido dos interessados, como inconstitucional.

Ora, ora. Em um sistema jurídico como o nosso, em que a justiça constitucional é confiada a um conjunto difuso de órgãos jurisdicionais, mas também a uma Corte Suprema e Constitucional, aqui de forma concentrada via ação direta ou mesmo via recurso com repercussão geral, Corte esta que é nomeada pela própria Constituição como a sua guardiã, não é dado a quem quer que seja desobedecer às decisões dessa Corte (Suprema, repita-se). Sobretudo não é dado aos demais órgãos jurisdicionais do país, por mais respeitáveis que sejam, mas que são hierarquicamente inferiores ao STF para os fins da própria logicidade do sistema jurídico.

O objetivo primordial, com a concentração dessa atribuição/poder em um tribunal supremo, foi afastar o risco de se ver determinada lei tida por constitucional por alguns juízes e tribunais e por outros, não; algo que, em inexistindo essa concentração/atribuição, seria bastante corriqueiro – e, infelizmente, no Brasil, ainda o é, vide o caso em apreço.

Como certa vez disse o grande Hans Kelsen (1881-1973), citado por Oscar Vilhena Vieira (em “Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política”, RT, 1994), no fundo, isso implicaria – ou implica, já que acontece – descumprir a própria autoridade da Constituição.

Se, segundo o princípio da supremacia da Constituição, o restante do corpo normativo de um país deve respeitar, formal e materialmente, o que é prescrito ou consagrado em sua Carta Magna, isso deve valer para todos. Trata-se de uma consequência lógica, e ferir essa isonomia seria ferir o que está disposto na própria Constituição. Para que tenha operacionalidade esse efeito erga omnes, um instrumento necessário é o efeito vinculante das decisões do STF. Em outras palavras, se o poder de dizer se as leis estão ou não de conformidade com a Constituição está concentrado num órgão jurisdicional de cúpula, nada mais natural – e necessário – que suas decisões sejam de seguimento obrigatório para os demais órgãos do Judiciário e do Estado como um todo.

Voltando ao caso concreto, também não é dado aos jurisdicionados se fiarem em decisões que desobedecemprecedentes do STF. Como bem lembrou o ministro Luís Roberto Barroso, um dos relatores da querela, “a partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido [e disse isso já em 2007, repita-se], quem não pagou ou provisionou fez uma aposta”. E quem faz uma aposta pode perder. Sobretudo se o faz confiando em conversa fiada de outrem. Ora, ora.

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República

Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL