Padre João Medeiros Filho
A reconstrução pessoal ou social é inerente à história humana. O Brasil, em diferentes momentos, viveu etapas reconstrutivas. Atualmente, há interpelação da consciência cidadã e cristã sobre a necessidade de ressignificar a Pátria. A pandemia marcou a urgência de se repensar os serviços públicos. Muitos não querem admitir que o tempo pandêmico abalou vários setores da sociedade, notadamente a saúde e a educação. No mínimo, comprovou-se a sua precariedade ou ineficiência crônica. “Saúde e educação de um povo não se improvisam”, afirmou Dr. Marcolino Candau, primeiro brasileiro a dirigir a Organização Mundial da Saúde. Os problemas socioeconômicos, políticos, educacionais, a carência de segurança alimentar para tantos, gerando desigualdade social, clamam pela reconstrução do País. Enquanto isso, o tempo precioso é ocupado com diatribes ideológicas, inócuas e deletérias, tornando o radicalismo além de agudo, crônico. Tem razão o salmista: “Se o Senhor não construir a casa, debalde trabalham os que a edificam” (Sl 127/126, 1).
Análises científicas vêm mostrando, em muitos aspectos da conjuntura sociopolítica, um processo de deterioração do tecido social. Considerações técnicas explicitam desmontes que atingem a estrutura da sociedade, cujos alicerces foram abalados: improbidades, privilégios, mentira social, demagogia, narrativas, ensaios ideológicos despropositados, descaso educacional etc. Tudo isso requer lucidez e serenidade dos cidadãos. Um velho líder potiguar comparou nossa política a “uma moça despudorada, apresentada por membros da família como uma jovem honrada e virtuosa.” Há unanimidade sobre a necessidade de intervenções urgentes para evitar que se constitua, entre nós, a verdadeira “abominação da desolação” (Dn 19, 27). Essa foi a expressão bíblica que definiu o caos reinante no povo prevaricador do Antigo Testamento. A história da Terra de Santa Cruz, não obstante percalços e vicissitudes, carece de apreço. O País detém um relevante potencial humanístico e material para se reerguer. Não pode estar em mãos equivocadas nem ser refém de inescrupulosos e oportunistas, cujo objetivo é seu projeto de poder e não de uma nação humana e justa. Não se deve apostar no “déjà vu”.
Preocupa sobremaneira o diagnóstico de nossas feridas políticas. Nossa Terra vive a carência de uma visão moderna de gestão, capaz de oferecer respostas rápidas, adequadas e atualizadas. Há de se corrigir degradações gravíssimas na educação, infraestrutura, segurança e saúde, no sistema eleitoral, na política ambiental e administração pública. É imprescindível um novo movimento civilizatório. Muitas coisas precisam ser pautadas urgentemente para retirar o País dos atrasos e marasmo. É característico no Brasil viver intensa e antecipadamente os períodos eleitorais. Nem bem acabam as eleições federais e estaduais, já se entabulam os conchavos para os pleitos municipais, ou vice-versa. Respiram-se campanhas eleitorais o tempo todo. O pior é o clima contaminado por vícios interesseiros, os quais reduzem a discussão política a nomes e pessoas, que traduzem esquemas obsoletos e perpetuadores de privilégios e erros. O que se espera dos líderes e dignitários não é uma briga medíocre e improdutiva, mas uma ampla pauta de diálogo civilizatório, incluindo especial atenção ao linguajar corrente, uso ético e produtivo das tecnologias contemporâneas.
Infelizmente, o Brasil vai se tornando um solo de narrativas em todos os segmentos e matizes ideológicos. Sepultam-se a verdade, o realismo e a honestidade intelectual. Há cada vez mais falácias, relatos desonestos e desconexos, impedindo avanços e agravando a polarização. Convive-se com falas fora dos trilhos, incompatíveis com os cargos ocupados, comprometendo a seriedade dos poderes e instituições. Não raro, discursos e pronunciamentos geram desentendimentos, acarretando intransigências, reforçando radicalizações, alimentando medos, minando a paz social. Na tarefa de reconstruir a Nação, mister se faz investir em palavras que iluminem e apaziguem pela verdade que transmitem. É preciso respeitar autoridades e direitos, salvaguardar a Pátria com políticas sensatas, varrer os cenários da vergonhosa desigualdade social, garantir a vigência de valores e princípios inegociáveis. Assim é possível reconstruir verdadeiramente nosso torrão natal. Nisto consiste a recomendação bíblica, interpretada apenas do ponto de vista demográfico: “Crescei e multiplicai-vos” (Gn 9, 7). Crescer em dignidade e grandeza humana. Multiplicar o bem-estar social dos filhos de Deus! “Feliz é a nação, cujo Deus é o Senhor” (Sl 33/32, 12).