“E agora, José”?

Padre João Medeiros Filho

O poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1942, traduz um sentimento de incerteza, inquietude, bem como a sensação de quem está sem rumo na vida.  Após a euforia das eleições e posses dos governantes, paira no ar análoga percepção.  Muitos brasileiros preocupam-se sobremaneira com a governabilidade. Reina ainda um clima de dúvida e insegurança. O desafio da chegada de novos tempos gera expectativa e apreensão. A adaptação e aceitação de qualquer mudança, por vezes, são dolorosas. Os que fazem oposição dividem-se. Alguns optam pela resistência e combate acirrados. Outros preferem esperar para ver e deixar que o adversário fracasse. Muitos apostam na ingovernabilidade. Resta uma nação dividida e desencontrada.

Nestes últimos meses, famílias se indispuseram e até, em alguns casos, cortaram relações entre seus membros. Amizades de anos se desfizeram e palavras de acusação, raiva e ofensa foram proferidas, onde antes parecia haver entrosamento e reinar harmonia. Muitas coisas foram perdidas e parece bem difícil reencontrá-las. Em suma, verifica-se um ingente desencontro. Nessa contramão atual, o papa Francisco tem falado da importância de construir uma cultura do encontro. Não se trata de mero discurso piedoso do Sumo Pontífice para dizer a todos que se respeitem e se amem. Vive-se por aqui, no momento, o contrário: a cultura da fragmentação e desintegração. Os cristãos não podem capitalizar o ressentimento e deleitar-se com vínculos rompidos e laços quebrados.

Saber encontrar-se é de suma importância. O poeta Vinicius de Morais dizia: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” O encontro é inerente ao ser humano. Este é vocacionado para a relação, o afeto e o amor. Quando era arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio várias vezes conclamou seus compatriotas a superar os desencontros e restabelecer na sociedade, pelo diálogo e com esperança, os vínculos culturais, religiosos, sociais e políticos. É o que devem promover atualmente todos os cidadãos brasileiros, motivados especialmente pelas convicções religiosas e inspirados no exemplo de seus líderes e pastores.

A tentação de desânimo diante desta proposta vem carregada da tinta escura da desconfiança e dos ressentimentos. “Os cristãos devem se conscientizar de que são irmãos, e não concorrentes ou inimigos”, reitera Francisco em suas homilias. Como superar a obstinação de pessoas e grupos que parecem falar outra língua, oposta à linguagem da união, da paz e da prosperidade? Como fazer para que a busca do entendimento se transforme em verdadeira cultura, levando ao bom senso e à sabedoria?

Sabe-se que é difícil. Mas sem isso o Brasil não se libertará. O ódio, o fanatismo e a intransigência são forças que afastam e levam à destruição. Mas, a união e a harmonia poderão acontecer. Somos um povo fiel e temente a Deus. “Não ficarão desiludidos os que em Ti esperam” (Sl 25, 3), diz o salmista. Ou ainda, como escreveu o apóstolo Paulo: “Tudo posso Naquele que me fortalece” (Fl 4, 13). O pacto e o encontro ocorrerão, se houver em cada um o desejo de uma pátria justa e humana, edificada sobre valores nacionais, alicerçada na liberdade e na justiça. Tudo será possível, se existir um propósito comum: o bem da nação.

É imperativo que o povo respire um clima de paz, segurança e de um progresso partilhado com todos, vislumbrando a perspectiva de um futuro melhor. Recalcitrar-se nas divergências e em posições antagônicas e antipatrióticas não ajudará o Brasil a conseguir o objetivo de seu desenvolvimento e bem estar. Aprofundar divisões conduzirá ao abismo. É urgente desarmar os espíritos e buscar consensos. Eis a postura verdadeiramente cristã. Sem respeitar as diferenças, elidir o nefasto radicalismo e extirpar o ignominioso e excludente egoísmo partidário, o país chegará ao caos. Isto vale igualmente para o Rio Grande do Norte. A difícil arte do encontro deve fazer-se, ainda que em meio a esse mar de desencontros, no qual se vive hoje. O Brasil e a terra potiguar merecem! É hora dos cristãos mostrarem a força do amor e do perdão, que brotam do Evangelho!

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