Doação de órgãos: um serviço a Deus

Padre João Medeiros Filho

Dom Helder Câmara, em seu programa “Um olhar sobre a cidade”, levado ao ar pela Rádio Olinda, costumava citar esta frase adaptada de um pensamento de Esopo: “Ninguém é tão pobre que não possa dar, nem tão rico que não possa receber”. Realmente, mesmo após a morte, quando nada mais nos resta como sopro de existência, nossos órgãos poderão salvar vidas ou melhorar o cotidiano de nossos irmãos.

Repercutiu a decisão de Dom Agnelo Rufino, bispo auxiliar de Bombaim, doando seus órgãos, após sua morte. Um dia, do púlpito da catedral, proclamara: “Quero ajudar meus irmãos. Se alguém puder ver através de meus olhos ou utilizar meu rim para viver mais, creio que será um serviço a Deus”. Dom Agnelo promoveu intensa campanha entre seus diocesanos em prol da doação, escrevendo artigos e fazendo palestras sobre o assunto. Aumentou o número de doadores na Índia, mais frequente nas comunidades cristãs. De acordo com as palavras daquele prelado, é importante a conscientização de “que mesmo, após a morte, podem servir a Deus e à humanidade”.

Em outubro de 2014, o Papa Francisco denominou o gesto de doar como: “peculiar forma de testemunho do amor”. O Evangelho declara: “não existe prova maior de amor do que dar a sua vida pelos irmãos” (Jo 15, 13). Os teólogos afirmam que, ao permitir sobrevida com qualidade, vive-se esse princípio evangélico. Em 2018, Padre Gerônimo Dantas Pereira, da arquidiocese de Natal, doou seu corpo para estudo dos alunos do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

No Brasil, o número de cirurgias de transplantes perdeu um pouco o fôlego com a crise econômica, repercutindo sobre a captação de órgãos. A Coordenação do Sistema Nacional de Transplantes explicou que, nesse contexto, a queda era esperada. Atividades assistenciais acabam sofrendo algum revés. O transplante é, às vezes, um procedimento de alta complexidade e custo elevado. Intervenções que demandam tecnologia mais avançada, encontram dificuldades de realização por falta de leitos, material, centros cirúrgicos equipados, medicamentos, transporte imediato dos órgãos etc. Desta forma, os hospitais de ponta acabam sobrecarregados e têm de replanejar as atividades.

Graças à sensibilidade dos brasileiros, nosso país possui um razoável sistema público de transplantes. O renal é o mais procurado. A Igreja católica aprova a doação e o transplante de órgãos, tecendo elogios a esse ato humanitário (cfr. Catecismo Católico, nº 2296). João Paulo II manifestou-se favoravelmente, em agosto de 2000: “É preciso suscitar no coração de todos profunda consideração da necessidade da caridade fraterna, de um amor que se possa exprimir na decisão de se tornar doador de órgãos.” Ainda como simples sacerdote, Bento XVI tornou-se doador. Em novembro de 2008, dirigindo-se aos participantes do Congresso Internacional sobre Doação de Órgãos, declarou: “A doação é um ato de solidariedade, que oferece ao próximo a esperança para recomeçar”. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, aos 25 de setembro de 2008, afirmou: “Vemos na doação voluntária um gesto de amor fraterno em favor da vida e da saúde do próximo. É uma prova de solidariedade, grandeza de espírito e nobreza humana”. A sociedade brasileira sentir-se-á grata, se a CNBB dedicar uma campanha da fraternidade, versando sobre esse tema.

Há quase dois anos aguardo um transplante de córnea, que deverá ser realizado brevemente. Avalio o sofrimento de quem necessita de um rim, um coração, um fígado etc. para sobreviver. Tenho vivido apenas com um olho, parcialmente obnubilado pela catarata. Isso me tem causado alguns transtornos, como, vez por outra, derramar vinho e água sobre a toalha do altar, colocar comida no prato emborcado e ter que digitar no computador com caracteres grandes. Ora, isso não é o mais grave. Posso me locomover e tenho certa autonomia. Penso nos irmãos que necessitam de um órgão vital. Peço que rezem, agradecendo a Deus pelo meu doador (ou doadora) e pela equipe médica, que realizará o procedimento oftalmológico. Cabe-me dizer: “In manus tuas, Domine” (Lc 23, 46). Em tuas mãos, Senhor, eu me entrego!

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