Cheiro de povo


Um amigo alertou-me de que meus textos têm sido muito fortes e com demasiadas críticas ao governo Bolsonaro, especialmente contra a hipótese de reeleição desse grupo de predadores culturais e civilizatórios. Reconheço que, quando comecei a escrever, há muito tempo, que estas eleições definiriam se o Brasil optaria entre civilização ou barbárie, eu mesmo acreditava estar usando uma permissão literária para chamar atenção e provocar uma reflexão.

Infelizmente, a realidade superou muito a provocação e o país caminha para uma hipótese de ruptura institucional, um buraco sem fim no qual a barbárie, talvez, seja uma leve definição do caos. Em 2018, o grande escritor Angolano, José Eduardo Agualusa, escreveu intrigante e verdadeira crônica sobre “ O novo rosto do Brasil no mundo ”. E disse, com elegância, que, dependendo do resultado daquelas eleições, a imagem do Brasil no mundo sofreria danos irreparáveis. Ele estava sendo gentil, nós agora já ocupamos um espaço destinado à mediocridade e à obtusidade.

O que as próximas eleições definirão é se teremos a oportunidade de salvar o Brasil do buraco sem fim que o Bolsonaro cavou para o povo brasileiro. Se vamos conseguir resgatar a cultura, salvar a saúde, recuperar a economia, dar vida à ciência e, principalmente, garantir a dignidade de nenhum brasileiro passar fome em um país que alimenta o mundo. Tínhamos saído do mapa da fome da ONU em 2013, agora voltamos vigorosamente – são 33 milhões de pessoas em estado famélico.

Se esse grupo fascista tiver mais 4 anos de desgoverno, o Brasil será rebaixado a um país que envergonha o mundo e as pessoas civilizadas.

É óbvio que não existem 50% deles no Brasil. Não é disso que se trata. Os fascistas são os idealizadores e os estrategistas do caos: egoístas, desumanos e sem nenhuma empatia ou preocupação com o outro; racistas enrustidos, dinheiristas e extremamente maus, sem a capacidade de sentirem a dor dos seus semelhantes. A grande massa, infelizmente, apenas os segue, como se fosse um rebanho, tangida por um berrante imaginário.

O individualismo é uma praga nessa sociedade de hipócritas, na qual o negro, o pobre e o invisível estão tão à margem que o que os fascistas fazem é apenas cavar o fosso ainda mais fundo. E erguer muros impenetráveis para que essa elite podre e inculta não possa ver o que está por trás deles e nem sentir o cheiro do povo. É uma divisão simbólica que destrói as bases civilizatórias da sociedade brasileira.

Nesta semana, conseguimos uma grande vitória no Supremo Tribunal Federal e devolvemos à Câmara Municipal o vereador negro Renato Freitas, que havia sido cassado por ser negro. Por racismo estrutural e por não se sujeitar a cumprir os ditames dos colegas vereadores racistas.

Não devemos nos esquecer de que o prefeito de Curitiba, Rafael Greca, que coordenou nos bastidores a cassação de maneira covarde, é o mesmo que disse ter vomitado quando um pobre entrou em seu carro, pois não suportou o cheiro da pobreza.

Precisamos tomar o Brasil de volta pelo voto e derrubar o muro que eles ergueram em cima deles. Vomitar, de forma azeda, nessa gentalha que tem horror a qualquer tipo de inclusão social. E fazê-los conviver com o povo maravilhoso que voltará a ter lugar à mesa, com acesso às nossas universidades, à cultura, à saúde e à vida. Não precisamos nos contentar com as migalhas. Vamos ocupar a casa grande, abrir as porteiras e derrubar as cercas. Com Lula na presidência, o rio voltará ao curso normal e as águas, mesmo tormentosas, continuarão a correr para o mar. Um oceano onde todos são iguais e com possibilidades de, com igualdade de oportunidades, voltarmos a paz social.

Em novembro, o Brasil, eu espero, vai acordar nordestino, com todas as cores, sons, cheiros e sotaques que isso significa. E, depois de acordar nordestino, vamos nos abraçar tornando a ser um povo só, sem a divisão implementada por esses crápulas.

Assim, poderei voltar a escrever textos poéticos e leves em sintonia e em homenagem ao Brasil que vamos ter de volta.

Lembrando-nos do poeta nordestino Trasíbulo Ferraz, no poema “A Orgulhosa”:

“A sorte dá, nega e tira.
Sangue azul, avós fidalgos,
Já neste século é mentira.
Todos nós somos iguais;
Os grandes, os imortais;
Foram plebeus como eu sou.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

Fonte: ig último segundo