Centenário de Cônego Deoclides Diniz

Padre João Medeiros Filho
O Livro de Sirácida (Eclesiástico) recomenda-nos: “Façamos o elogio dos homens ilustres, nossos ancestrais (Sr 44, 1). Domingo passado, celebramos o centenário de uma das figuras mais populares e queridas do clero seridoense: Cônego Deoclides de Brito Diniz. Grande pastor, dedicado ao rebanho de Cristo, simples, despojado e verdadeiro amigo dos pobres. Marcou a diocese de Caicó pela sua disponibilidade e capacidade de servir. Foi pároco de Jucurutu (por duas vezes), Serra Negra do Norte, Cerro Corá, Acari e vigário paroquial de Caicó, auxiliando Monsenhor Walfredo Gurgel. Seus feitos foram muitos, marcando a vida pastoral e social das cidades, onde cuidou do Povo de Deus. Seu nome foi dado a ruas em Natal, Carnaúba dos Dantas e a um Centro Pastoral em Acari (por ele construído). O Maestro Pinta, dirigente da Banda de Música Acariense, o homenageou com um dobrado musical.
Nasceu em Caicó, aos 22 de maio de 1922, tendo falecido aos 26 de março de 1997 (em Currais Novos), como pároco de Acari. Aos dezesseis anos, entrou para o Seminário de São Pedro (Natal) junto com João Agripino Dantas, José Celestino Galvão e Firmino Araújo. Foram recebidos pelo Cônego José Adelino, o qual treze anos depois se tornaria o segundo bispo de Caicó. Ao chegar no velho casarão da Campos Sales, após longa viagem – adentrando na sua futura residência e após os votos de boas vindas do reitor – Deoclides saúda os seus colegas com voz tonitruante: “Alô, trinca”. Sob os aplausos e risos dos superiores e colegas, foi recebido por todos. Deram-lhe o epíteto de “Trinca”. Bonachão, alegre, humilde, prestativo e terno, conquistou todos por onde passou. Foi ele quem me apresentou no Seminário Santo Cura d ́Ars (Caicó/RN), tendo sido meu pároco por duas vezes e padrinho de minha ordenação sacerdotal. Amigo de meus pais, era comensal de nossa família. Disponível e solícito para atender os doentes. Muitas vezes, via-o montado na sela de um cavalo, dirigindo-se aos sítios, levando o conforto dos sacramentos e de sua palavra aos enfermos. Naqueles tempos idos, o clero não dispunha de carro (com ar condicionado), nem as estradas eram asfaltadas.
Em Jucurutu, gostava de falar, com um tom jocoso, que na sua casa não havia fogão. Fazia as refeições nas residências dos paroquianos. As zeladoras do Apostolado da Oração organizavam a escala das famílias que cuidariam de sua alimentação. Não fazia distinção entre pobres e ricos, eruditos e iletrados. Todos eram acolhidos da mesma forma. Bom garfo, mas amante do trivial sertanejo, sem afetação. Curtia tomar banho de chuva. Várias vezes, acompanhava-o nesse lazer. Quando ribombava o trovão, ele gritava pelas ruas jucurutuenses: “Viva o pai da coalhada!” Adorava nadar nas águas do Rio Piranhas. Brincava: “Deus podia converter parte dessa água em caldo de cana e das pedras em pão doce!”
Ordenado presbítero por Dom José de Medeiros Delgado, aos quatro de dezembro de 1949. Foi o primeiro sacerdote potiguar a celebrar uma missa vespertina. Esta ocorreu no canteiro de obras no início da construção da Barragem de Oiticica. Quando pároco, procurou reorganizar as escolas paroquiais para educar os mais carentes. Muito contribuiu para a implantação do Movimento de Educação de Base e as escolas radiofônicas no bispado seridoense. Sempre de bem com a vida, vertia literalmente para risos dos colegas expressões portuguesas para o francês e latim. A gíria “na batata”, ele expressava na língua francesa: “dans le pomme de terre”. Para exprimir desaprovação, dizia em latim: “escafedetur damnatus”. Carinhosamente, saudava todos com as palavras: “bom dia, capitão”. Em sua simplicidade, vivia o ensinamento de Cristo: “aprendei de mim que sou manso e humilde” (Mt 11, 29). É vasto o anedotário a seu respeito, próprio das grandes figuras clericais, próximas dos fiéis. Certa feita, picado por uma serpente venenosa, foi internado na maternidade de Cerro Corá. Monsenhor Paulo Herôncio, outro clérigo dotado de bom humor, telegrafou para o bispo de Caicó (Dom Adelino): “Padre Deó na maternidade, passando bem.” Não usava de oratória pomposa e rebuscada. Entretanto, por meio de homilias breves e objetivas, cativava todos com sua simplicidade e acolhimento. Fazia-nos lembrar o Profeta Isaías: “É com amor fiel e ternura que estou cuidando de ti” (Is 54, 8).