Padre João Medeiros Filho
“Deus enxugará toda lágrima de seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto nem dor, porque as coisas de antes passaram” (Ap 21,4). Sábio versículo do Apocalipse de João, de consolo e esperança para os cristãos. Na comemoração de Finados, a saudade reina em toda parte. Também experimentamos a morte, quandoperecem nossos sonhos e ideais. Não percamos o sentido da existência, mesmo cônscios da certeza da partida.Finados é dia de enxugar o pranto. Chorar é próprio de quem ama.
Buscaremos conforto, redimensionando a saudade,revalorizando nossas raízes, famílias e amizades. Somos convidados a reformular as redes de nossos afetos,ressuscitar os tecidos mortos das relações interpessoais ebuscar a felicidade ensinada por Jesus Cristo. Por isso, importa transformar nossa casa em templo, a mesa em altar, a conversa em alegria e a convivência em alimento espiritual. É indispensável fazer da família um recanto deamor e diálogo, vida e renovação. Talvez assim sejapossível suavizar as lágrimas. Isso poderá acontecer, se tornarmos nosso lar em sacrário da ternura, tabernáculo de Deus. O Verbo foi concebido numa pequena residência deNazaré (Lc 1, 31). Em moradias simples aconteceram a última ceia (Mc 14,15) e as primeiras missas (At 2, 42). Ali, a fé era celebrada e vivida.
Não se deve temer a morte. Ela não é o fim, mas a porta de entrada na Vida. Não morramos de temor, mas de amor, como fizera o Mestre. Urge abrir as janelas da almapara arejar melhor nosso interior com a mística dos bens divinos. É importante também ser mais compassivo e esperançoso com este mundo adoecido. Necessita-se plantar mais sementes de vida e esperança, empatia e apreço mútuo. É preciso amar profundamente a Deus e ao próximo, acreditando na eternidade. Assim, não existirão dor e plangido que não sejam consolados.
O medo de morrer impede-nos a descoberta da beleza da existência. Tentamos superar o sentimento de perda. Entretanto, ignoramos o outro lado, no qual o Onipotente revela e promete a grandeza da realidade espiritual, que ultrapassa os limites terrenos. Sentimos dificuldade em acreditar nas palavras do prefácio da missa de réquiem: “Aos vossos fiéis, Senhor, não é tirada a vida, mas transformada.” Os teólogos dos primeiros séculos do cristianismo referem-se à morte como a quebra do casulo para que possamos alçar o voo definitivo. Às vezes, queremos ficar presos a esse invólucro e perdemos as maravilhas da liberdade de quem parte para Deus, que nos concede “a vida em plenitude” (Jo 10, 10) pelo seu Filho, encarnação e ícone do perdão misericordioso do Pai.
A celebração desta data deve ser também, simbolicamente, aquela de nossas perdas cotidianas. Certos sofrimentos, decepções, tristezas e derrotas têm o sabor de morte. Mas, o Senhor não nos deixa relegados ao desespero. Pode-se comprovar na história do povo bíblico, em seus exílios e na travessia do deserto. Por outro lado, nesse dia comemora-se igualmente nossa ressurreição ou vitória, oriunda de nossa fé. Com Deus não corremos perigos e podemos alimentar a chama da esperança. “Os tormentos do tempo presente não têm proporção com a glória futura” (Rm 8, 18), assevera-nos o apóstolo Paulo. O Criador reserva-nos o inimaginável, que supera de longe nossas dificuldades e agruras.
O Dia de Finados leva-nos à certeza de uma fé que nos fortalece e anima. Nesse dia, dedicamo-nos a reverenciar a memória daqueles que amamos, apesar de fisicamente invisíveis. O vazio corpóreo e cronológico é preenchido pela força da graça cristã. A liturgia da Igreja coloca-nos numa atitude de escuta silente daqueles que marcaram nossa história. A solenidade dessa data propõe-nos um encontro transcendente, em que nos reunimos para ouvir na quietude interior aqueles que (hoje no reino celestial) nos alegraram e fortaleceram para desfrutar o dom da existência. Para Santo Agostinho, “a morte é a aurora da eternidade!” Confiemos nas palavras de Cristo: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá para sempre” (Jo 11, 25).