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Uma prisão que liberta

Essa é uma prisão que liberta o país de amarras que pareciam intransponíveis
ARTE KIKO – Essa é uma prisão que liberta o país de amarras que pareciam intransponíveis
“Às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência.”

Frase do coronel Jarbas Passarinho, em 13 de dezembro de 1968, ao assinar o AI-5 e jogar o Brasil ainda mais no inferno da Ditadura – exatamente 56 anos antes da prisão do general de 4 estrelas, Braga Neto, por ordem do Supremo Tribunal Federal.

Em regra, não se deve comemorar uma prisão. Tirar a liberdade de alguém é o que de mais triste e perverso pode ocorrer em um processo penal . É, de certa forma, a demonstração da falência da sociedade, que não conseguiu encontrar meios para uma convivência harmoniosa entre seus cidadãos. Se não harmoniosa, pelo menos respeitosa.

No entanto, existem prisões que sinalizam muito além do que o fato em si.  A custódia de um general 4 estrelas que tentou dar um golpe de Estado e implementar uma Ditadura militar é, na realidade, uma demonstração de que a Democracia brasileira está fortalecida e em processo de claro amadurecimento. Além de ostentar as 4 estrelas tão cobiçadas, o general Braga Neto , ocupou cargos políticos relevantes e foi candidato a vice-presidente da República.

Num primeiro momento, a tendência é achar que o encarceramento, de alguma maneira, é ruim para a imagem do Exército brasileiro . Mas penso ser exatamente o contrário. A tranquilidade com que se deu a prisão fortalece os militares e as Forças Armadas . É a demonstração óbvia de que a Constituição é o limite e a sustentação das Forças Armadas. Ganha o Estado democrático de direito e, com isso, ganha o Brasil.

É importante observar que a custódia não se deu como uma pré-condenação. E nem sequer pelos fatos gravíssimos que estão sendo investigados, embora esse contexto pese e tenha relevância. O trabalho técnico da Polícia Federal demonstrou, a exaustão, que esse grupo tentou efetivamente destruir a Democracia e implementar um regime de exceção . E tudo o que foi apurado integrará a denúncia que fatalmente será oferecida pelo procurador-geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal. Com o recebimento da acusação, teremos o desenrolar natural do processo penal. E é nesse processo, garantidos todos os direitos constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da presunção de inocência, que surgirá a condenação que, aí sim, vai ter que impor penas altíssimas e, após, o cárcere será a única opção.

A prisão, neste momento da investigação, deu-se por uma tentativa de obstrução da justiça . Ao tentar interferir na apuração, o investigado manifesta solene desprezo pelo rito constitucional. Demonstra soberba e arrogância, como se fosse mais poderoso do que o Estado. Tivesse o Poder Judiciário condenado e prendido alguns generais quando da Ditadura militar , talvez isso não acontecesse agora. A história ensina pelos atos e também pelas omissões. Quando o capitão-deputado Bolsonaro votou pelo impeachment da Presidenta Dilma e, no plenário da Câmara, enalteceu o torturador Brilhante Ustra, sem ser admoestado, estava aberto o caminho para o golpismo. São muitos os exemplos que poderia dar. Esse é simbólico, pois envolve o Exército, o Parlamento, a exaltação da tortura e a omissão covarde da sociedade brasileira.

Essa é uma prisão que liberta o país de amarras que pareciam intransponíveis. E a sequência democrática foi rigorosamente cumprida: investigação da Polícia Federal, relatório pela constrição submetido ao procurador-geral, que endossou o pedido, a decisão do Poder Judiciário através do ministro Alexandre de Moraes e o cumprimento da decisão com o recolhimento ao cárcere efetuado pela Polícia Federal. Tudo na mais absoluta normalidade. Saem fortalecidas as instituições e a Democracia.

ex-presidente Bolsonaro , em mais um de seus vários disparates, disse que não poderia falar em obstrução de investigação por ela estar concluída. Calma, não está não! Ainda tem muito a ser revelado. Está faltando muita gente graúda para vir fazer companhia aos golpistas. O Brasil começa a dar contornos de que está amadurecido e forte. Estava pegando muito mal ter quase 300 presos pela tentativa de golpe, quase todos do baixo clero. Agora, as peças do tabuleiro estão se encaixando. Faltam ainda políticos e financiadores . E a apuração segue com técnica e competência. A Democracia agradece.

Lembrando-nos do velho Drummond: “ Então é hora de recomeçar tudo outra vez, sem ilusão e sem pressa, mas com a teimosia do inseto que busca um caminho no terremoto ”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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O realismo jurídico brasileiro

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Para quem não sabe, com o apelido de realismo jurídico americano designa-se uma escola, desenvolvida nos Estados Unidos da América por dois destacados grupos de juristas, caracterizada especialmente pelo método empírico de análise científica, a ênfase na realidade fática e a clara valorização da atividade jurisdicional na criação do direito em detrimento do status atribuído às normas legisladas.
No primeiro grupo, que surgiu mais ou menos na virada do século XIX para o XX e é considerado como originador do legal realism, está Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935). A ideia-chave do realismo jurídico está na consagrada frase do seu livro “Common Law”: “a existência do direito não tem sido lógica; tem sido experiência”. E ele afirmou ainda: “as previsões sobre o que as cortes decidirão de fato, e nada mais pretensioso, são o que eu entendo por direito”. Holmes, junto a outros contemporâneos, como John Chipman Gray (1839-1915), acreditava que os juízes criam o direito, sobretudo numa nação filiada à tradição do common law, como são os EUA. Segundo esses primeiros realistas, é importante entender isso bem para poder entender o direito e, no futuro, fazê-lo melhor.
Entretanto, a meu ver, as ideias desenvolvidas pelo segundo grupo do legal realism – que aparece ao longo dos anos 1930 e inclui, entre outros, os nomes de Jerome Frank (1889-1957) e Karl Llewellyn (1893-1962) – são as mais interessantes. Aqui vemos os mais sutis aspectos do processo de elaboração das decisões judiciais. Enfatiza-se que a compreensão do processo de tomada de decisão é fundamental para o entendimento do que é o direito. Frank, por exemplo, explicou que uma decisão judicial é muito mais do que o resultado da simples aplicação de uma norma aos fatos do caso. A determinação de quais são e como são os fatos já acrescenta variáveis à decisão, assim como a interpretação da norma é algo muito mais complexo do que uma simples leitura do seu texto, seguida de uma subsunção fato/norma. E, sobretudo, os novos realistas defenderam, com inteira razão, que os juízes decidem baseados numa variedade de fundamentos e apenas alguns deles são conscientes e analíticos. Os reais fundamentos da decisão judicial, que atuam previamente aos fundamentos conscientes e analíticos, são mais complexos e menos óbvios, extremamente influenciados pelos preconceitos e valores do julgador.
Se isso tudo é verdade nos EUA também o é no nosso querido Brasil.
Bem ou mal, lá e cá, os juízes, mesmo agindo como detentores do poder estatal de declarar ou criar o direito, carregam consigo suas preferências, valores e pré-conceitos. Como certa vez disse Ronald Dworkin (em “Levando os direitos a sério”, Martins Fontes, 2002), eles “tomam suas decisões de acordo com as suas próprias preferências políticas ou morais e, então, escolhem uma regra jurídica apropriada como uma racionalização”.
O problema certamente está no grau de influência dessas preferências. Se não podemos fugir dos nossos pré-conceitos, se o fato de os juízes brasileiros decidirem afetados por essas idiossincrasias herdadas ou adquiridas ao longo de suas vidas é algo que não se pode negar ou eliminar, é o caso, então, de fomentar um ponto de equilíbrio entre essa inafastável subjetividade e a necessária objetividade da lei.
Lembremos aos brasileiros mais afoitos que a ideia dos realistas americanos, de que não existe direito algum que não as decisões judiciais, é inaceitável. Já alertava Benjamin N. Cardozo (1870-1938) que a verdade está a meio caminho entre os extremos, uma vez que o poder/dever de declarar o direito, que ninguém nega aos juízes, realmente também pressupõe o poder/dever de criar o direito, mas apenas dentro de certos limites, onde ele já não preexista legislativamente.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Metástase

O país está em um perigoso estado de metástase
ARTE KIKO – O país está em um perigoso estado de metástase
Por Kakay!
O final de ano se aproxima com uma sucessão de sustos para intranquilizar o dia a dia do brasileiro. A quantidade de atos violentos – especialmente por parte da Polícia Militar de São Paulo – que parecem banalizar a dor, a desumanidade e o desrespeito aos direitos mais comezinhos competem, em tempo real, com imagens de  guerra na Síria, na  Ucrânia, na  Faixa de Gaza e com atos de corrupção explícita dentro do Congresso e do Judiciário.

No último domingo, 8 de dezembro, a 2 dias da comemoração mundial dos Direitos Humanos, na Favela do Bugre no Dique do Sambaiatuba em São Vicente, um grupo de policiais militares matou um jovem de 24 anos na frente da mãe. Consta que os representantes da segurança pública do  governador Tarcísio entraram no local gritando  “Derrite, Derrite”, que vem a ser o nome do secretário de Segurança Pública de São Paulo. É mais uma demonstração óbvia de que a política de incentivar a violência promovida, ostensivamente, pelo governo estaduallevou a um descontrole perigoso.

Por isso mesmo, é necessário ressaltar a importância da decisão do ministro Barroso, Presidente do Supremo Tribunal que, atendendo a um pedido da Defensoria Pública, determinou que a polícia usasse câmeras durante todas as operações policiais, as quais devem gravar toda a atuação e que não possam ser manipuladas pelos próprios agentes.

Há uma tentativa disseminada na sociedade de fazer crer que essas decisões, particularmente as da Suprema Corte, são exageradas e que representaria um ativismo judicial. Ou seja, a mesma sociedade que incentiva e louva a violência cruel e covarde- especialmente contra negros e pobres, os invisíveis sociais – por parte de agentes de segurança critica decisões que procuram, minimamente, colocar freios na barbárie.

Decisões respaldadas na Constituição e que atendem sempre a processos movidos por quem tem legitimidade ativa para agir. O Judiciário, repito sempre, é um Poder inerte e só age se provocado. Mas tem a obrigação e a responsabilidade de agir quando instado.

violência policial já assumiu ares de guerra civil. É necessário responsabilizar quem fomenta e quem patrocina a barbárie. Não apenas o policial que executa as ordens, mesmo que muitas delas sejam ministradas de maneira subliminar e indireta. E é necessário olhar de frente e dizer claramente que esse é o modus operandi de uma extrema direita sempre prestes a atacar. É uma doença que se espalhou como um câncer na sociedade. Os sinais estão por toda parte. Não é só na segurança pública. Basta querer ver.

O país está em um perigoso estado de metástase. É sempre bom invocarmos José Saramago: “Temos a obrigação de não permitir que nos ceguem, pois se nos cegarem, comportar-nos-emos ainda mais do que agora como membros de um rebanho, um rebanho que avança para o suicídio”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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A anatomia de um crime

Há até uma intenção de pedir para os bolsomínions rezarem para 16 generais
ARTE KIKO – Há até uma intenção de pedir para os bolsomínions rezarem para 16 generais

Como advogado criminal que gosta de acompanhar o cenário político, fiquei muito impressionado pelo fato de os 37 indiciados não estarem, na sua maioria, negando os fatos a eles imputados no relatório de 884 páginas apresentado pela Polícia Federal. Especialmente o  ex-presidente Bolsonaro. O que temos visto é um grupo dividido, cada um acusando o outro. Sem afirmar que não cometeram os crimes ou com alegações de fundamentados jurídicos que são, no mínimo, estranhos.

Aproveitei minha volta de Londres, onde estava me filiando nas hostes do escritório inglês que representa os atingidos pela  tragédia de Mariana contra as mineradoras, para dedicar um tempo ao trabalho da Polícia Federal. Realmente um resultado irretocável. De uma inteligência rara na opção pela estratégia de costurar os fatos da  tentativa de golpe. Daí, certamente, a desorientação dos indiciados.

A trama foi sendo revelada de uma maneira muito consistente. Com uma prova técnica que impressiona. O relatório vai amarrando fatos de 2019 até os dias atuais. Alguns, se observados isoladamente, não serviriam para fundamentar crimes tão graves. A descrição da postura propositalmente golpista na formação de um ambiente de desconfiança contra as urnas, contra o Judiciário e contra os ministros do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral, assim como na manutenção posterior dos bolsonaristas à porta dos quartéis. Tudo comprovadamente demonstrado com um encadeamento que é impactante.À época, ousaram tentar a instrumentalização da PF, chegando a ter uma proposta para que todos os inquéritos de autoridades com foro no Supremo fossem presididos pelo Diretor-Geral da Policia Federal.

O entrelaçamento dos diversos depoimentos é demolidor contra o bando. Os documentos apreendidos, as mensagens de WhatsApp e uma primeira delação. Tudo realmente deixa evidente que o procurador-geral da República terá pouco trabalho para oferecer a denúncia. A conclusão está posta. E, pela construção do relatório e pela minha experiência, a acusação deveria vir enfrentando somente a tentativa de golpe. Sem misturar com os  inquéritos da vacina ou das joias. Até para prestigiar o que foi produzido pela Polícia Federal. 

O trabalho fez um apanhado de outras investigações- ou etapas desta investigação- para constatar a importância do general Freire Gomes, então comandante do Exército, que chegou a ameaçar o Presidente da República Bolsonaro de prisão, e da seriedade e compromisso com a Constituição por parte do tenente-brigadeiro, à época comandante da Aeronáutica, Baptista Júnior. Resistiram a todas as pressões.

É assustador ver o envolvimento das Forças Especiais no plano que chegou a ser iniciado para  matar Lula, Alckmin e o ministro Alexandre. Há prova material da estratégia do golpe com o projeto de destituição de ministros do Judiciário e de inúmeras conduções coercitivas. Fica evidente que o alvo era a  Democracia e não o ministro Alexandre. Matá-lo era uma etapa do golpe. Falar que ele deve se dar por suspeito é desconhecer os fatos e o direito. É quase imoral.

E o relatório expõe a breguice dos bolsonaristas. Indigentes intelectuais que produzem textos ridículos com chamamento, chavões, gritando palavras de ordem infantilizadas e apelos religiosos. Há até uma intenção de pedir para os bolsomínions rezarem para 16 generais. É uma vergonha alheia generalizada.

Claro que ainda teremos um trabalho pela frente. Os militares de alto coturno relataram uma pressão forte de deputados para a instalação do regime de terror. Até agora não pude presenciar o aprofundamento da investigação específica sobre os políticos.

Mas penso que o que importa agora é apoiar o diagnóstico feito pela Polícia Federal e cobrar, dando o tempo necessário, o oferecimento dadenúncia pelo procurador-geral da República. Até para que não ocorra de novo.

Na tristeza profunda do poeta Manuel Bandeira, no poema O Bicho:

“Vi ontem um bicho
na imundice do pátio
catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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Fofoqueiros, historiadores e reformadores

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Faz uns dias, eu escrevi aqui sobre o que denominei de “romances de adultério”. Um certo tipo de ficção, cujo apelido dado já indica acerca do que os textos significativamente tratam, que exemplifiquei com duas obras-primas da literatura universal: “Madame Bovary” (1857), de Gustave Flaubert (1821-1880), e “Ana Karenina” (1878), de Leon Tolstói (1828-1910).

Entretanto, fui acusado, por um leitor indignado, mesmo tratando dos casos de Bovary e Karenina, de haver abandonado o direito e estar agora escrevendo fofocas.

Devo logo reiterar que, em termos de qualidade e legado para a cultura, os textos de Flaubert e Tolstói frequentam o pódio dos maiores de todos os tempos. “Todas as famílias felizes são parecidas. As infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”, de “Ana Karenina”, talvez seja a mais célebre primeira linha da literatura. E, para muitos, “Madame Bovary” é simplesmente o melhor romance jamais escrito. Se têm “fofocas”, elas são de altíssima qualidade.

Na verdade – e aqui já chego onde quero chegar –, se, num primeiro momento, “Madame Bovary” e “Ana Karenina” têm como temas principais a hipocrisia, a sociedade, a família, o casamento, o divórcio, a fidelidade, a paixão, o sexo e por aí vai, elas são sobretudo retratos históricos dos contextos social, político e também jurídico da França e da grande Rússia de então.

Grandes romancistas, com suas tocantes estórias, algumas vezes são ótimos historiadores, inclusive do direito. Seus textos literários testemunham a visão sobre o mundo jurídico existente em certa sociedade em determinada época, embora essa visão seja marcada pela ótica particular do autor. E esses testemunhos, em linguagem elegante, são bem mais acessíveis aos leitores (com ou sem formação jurídica), para fins de reconstrução da imagem que determinada sociedade tem do direito e de seus atores, que os áridos estudos jurídico-histórico-sociológicos de caráter estritamente científico.

Para além disso, os grandes romances, ao mesmo tempo em que reproduzem o direito posto e o imaginário popular acerca das diversas temáticas jusfilosóficas, também influenciam, em graus variados, a construção desse direito e, sobretudo, desse imaginário. Nesse ponto, como se dá com outras interfaces da literatura (com a religião, com os costumes, com a moda etc.), ela (a literatura) é subversiva, tanto para o direito positivo como para a filosofia do direito. De fato, muitas das ideias inovadoras no direito, assim como boa parte das críticas à mentalidade jurídica consolidada, encontraram sua mais vívida expressão nesse popular e imaginativo meio de expressão, denominado por nós de romance, mas que, poeticamente, o mesmo William P. MacNeil chamou certa vez de “lex populi” (na obra “Lex Populi: The Jurisprudence of Popular Culture”, Stanford University Press, 2007).

Dois grandes exemplos disso são precisamente os casos de Bovary e Karenina, como anota Antonio Padoa Schioppa em “História do direito na Europa: da Idade Média à Idade Contemporânea” (edição da WMF Martins Fontes, 2014): “Um primeiro setor de inovações legislativas diz respeito à família. Na França, a Restauração havia abolido o divórcio admitido no Código Napoleônico. A crescente consciência das consequências não raro dramáticas, sobretudo para a mulher, de uniões irremediavelmente viciadas – uma consciência exaltada com muita eficácia também pela literatura: pense-se em Madame Bovary de Flaubert ou em Anna Karenina de Tolstoi – levou em 1884, após longas batalhas parlamentares e de opinião, à reintrodução do divórcio na França, limitado contudo a poucas causas específicas (rapto, estupro, sevícias, condenação penal) e com a exclusão do consentimento mútuo como causa de dissolução do vínculo. Ainda na França, muito gradualmente se impôs também a proteção da mulher: à esposa é reconhecida uma pequena capacidade de agir, bem como o usufruto de uma parcela dos bens do cônjuge falecido, a mulher separada foi subtraída ao poder marital, concedeu-se à mulher trabalhadora a possibilidade de dispor livremente de seu salário”.

No mais, definitivamente não somos fofoqueiros. Nem eu nem muito menos Flaubert ou Tolstói.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – A

Tragédia de Mariana: o rio Doce deságua no Tâmisa

rio Doce contaminado pela lama do rompimento da barragem de Mariana
Na imagem, rio Doce contaminado pela lama do rompimento da barragem de Mariana.
Por Kakay
“O que muda a gente não é o que a gente fala, é o que a gente cala.”
–A citação costuma ser atribuída a Mario Quintana.
Às vezes, num processo judicial, o resultado depende de como a história é contada. Se essa história, qualquer que seja, tiver uma boa estrutura de mídia, ela tem uma enorme chance de vingar e virar verdade. Foi um pouco o que aconteceu com a operação Lava Jato. A República de Curitiba era composta por um bando de aproveitadores, com uma enorme fome de poder. Indigentes intelectuais que resolveram contar uma história, com uma estratégia de marketing bem montada.
Por um tempo, incensados pela grande mídia –sempre com fortes interesses econômicos–, os chefes da operação viraram semideuses. E o pior, passaram a acreditar que eram semideuses. Quebraram setores econômicos fortes, estupraram a Constituição, destruíram milhões de empregos, deram um prejuízo fenomenal às contas do país e solaparam os direitos e garantias fundamentais. Só caíram quando a sociedade percebeu que o cheiro putrefato das irregularidades e dos crimes cometidos pelo grupo já podia ser sentido nas ruas.
Nesta semana, vim a Londres para um debate na London School of Economics com advogados, estudantes de direito e alguns prefeitos de Minas Gerais e do Espírito Santo sobre a tragédia de Mariana, ocorrida há longos 9 anos. A lama tóxica, criminosamente, correu 700 km no leito do rio Doce, matando gente, destruindo o rio, que era o próprio sentido da vida para muitos, acabando com o sustento e sepultando o sonho de ribeirinhos, povos originários e quilombolas. Era uma lama que só vazou por causa de uma inapelável ação criminosa.
Mas a história que está sendo contada não leva em consideração os milhares de atingidos. A versão dos responsáveis fica mais bem acolhida nos tapetes dos tribunais, da cara e perversa grande mídia e passa ao largo das dores e lamentos dos que foram tragados pela tragédia. Basta ver a versão que a grande mídia divulgou sobre a ação penal que tramita em Minas Gerais para responsabilizar criminalmente uma série de pessoas e as empresas pelo crime ocorrido. A juíza admitiu, expressamente, que os fatos narrados pelo Ministério Público na denúncia “podem ser suficientemente para uma responsabilização nas esferas cível e administrativa”.
Mas reconheceu, corretamente, que não houve a necessária e imprescindível individualização das condutas de cada réu para ensejar uma condenação penal. Isso não significa dizer que não houve ação ilícita e também criminosa. O que afirmou a magistrada é que as acusações são “genéricas demais para sustentar uma imputação penal”. Ou seja, mesmo com a evidência do crime ocorrido é impossível condenar criminalmente sem especificar cuidadosamente quem foi o responsável por cada ação. É assim que deve ser em um processo penal democrático. Mas a narrativa dos réus é a de que não houve crime. Na verdade, não foi o que ocorreu.
A fala de um prefeito, aqui em Londres, dizendo que não entendia o porquê de eles não terem sido ouvidos pelo governo e pelas autoridades num estranho acordo fechado a 4 chaves, ecoou fundo. Lucidamente, ele colocou que os verdadeiros interessados não foram chamados para sentar à mesa de negociação e que eles não iriam aderir ao que foi pactuado no Supremo Tribunal, sem poder expor e difundir a real história contada pelos que realmente sofreram com o crime perpetrado.
E, ainda mais grave, até em claro desrespeito à intervenção do STF, há relatos de que emissários das mineradoras agora pressionam os municípios a aderirem ao acordo no Brasil para obrigá-los a desistirem da ação em Londres, onde sabem que serão condenadas brevemente a valores muito mais significativos e que serão pagos em um curto espaço de tempo. Imoral essa pressão. A história, quando contada sem escrúpulos, pode ter o tom que interessar a quem conta. A disputa judicial na Inglaterra é simplesmente a maior ação que corre no tribunal londrino. A força econômica das mineradoras, no mundo todo, não precisa ser explicada.
E um trabalho bem engendrado cuida não só de ter os grandes escritórios de advocacia do mundo, mas também de tentar impedir as vítimas de ter acesso não só a bons advogados, mas também ao Poder Judiciário. Criaram, com muito dinheiro e competente trabalho de imprensa, uma versão negativa para os financiadores da causa em Londres contra as mineradoras. Aqueles que, honesta e de maneira transparente, ousaram investir no escritório londrino para financiar uma ação caríssima em nome das vítimas (povos originários, quilombolas, ribeirinhos, município e tantos outros) contra o super poder econômico das mineradoras, foram taxados de fundos abutres. Os que foram responsáveis pela tragédia são os bonzinhos da história contada.
Uma pergunta simples deveria ser feita pela grande mídia: em 9 anos, não julgaram a indenização no Brasil; como os quilombolas –meus clientes– poderiam bater às portas de uma Justiça cara e restrita como a inglesa? Sem o financiamento do litígio seria impossível! As mineradoras, felizmente, não precisam de financiadores. Podem gastar milhões de pounds –honesta e corretamente, registre-se– contratando grandes escritórios. Penso que esta é que deveria ser a regra básica para resolver essa questão que se arrasta há longos 9 anos: deixe a Justiça decidir.
Vamos aos fatos. Vamos desnudar o que está sendo encoberto de maneira cruel. Por que ter medo do Poder Judiciário da Inglaterra?
Lembrando-nos do mestre Cervantes:
“Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, nem utopia, é justiça!”.
Fonte: www.poder360.com.br

Sextooou. Nem o lixo quer saber do Baiacu

O ex-líder, apelidado de Baiacu, continua acumulando uma série de histórias para se vangloriar de suas “conquistas”, mas sua lista de “grandes feitos” está prestes a superar o do bilionário Elon Musk. No entanto, o que realmente o atormenta não são os feitos passados, mas o avanço dos competentes e íntegros cidadãos, cuja ascensão é inevitável. A fila está andando, e, pelo ritmo atual, o destino do peixe baiacu que só se movimenta em águas rasas será mais uma decepção.

A exclusão do Baiacu, aliás, será um alívio para a administração da prefeita Nilda, que busca uma gestão limpa e eficiente. A trajetória do ex-líder é marcada por sucessivas derrotas: perdeu o emprego, a esposa, a saúde, o crédito, o respeito, a eleição proporcional e, sobretudo, a vergonha. O que ele nunca teve, porém, foi o “caráter” a ética e a competência.

O Baiacu ainda se agarra à vara de pesca, tentando capturar alguma oportunidade. No entanto, não terá vez em qualquer nova empreitada, já que foi expulso do quartel devido à sua indisciplina e administração desastrosa. Sua herança? Péssimas condições resultantes de gestões desprovidas de probidade. Agora, Baiacu exala o cheiro de fracasso, como enxofre e urina, rejeitado até pelo lixo, que só o aceita se for para transformá-lo em adubo.

Enquanto isso, resta apenas a trilha sonora de Bartô Galeno: “Só lembranças, só lembranças e nada mais…”.