Uma receita ensaística

Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Michel de Montaigne (1533-1592) é considerado o exemplo do intelectual moderno. Talvez tenha sido o primeiro da sua estirpe. Como bem define Carlos Eduardo Ortolan (em “Montaigne: um ensaísta refinado”, Cadernos EntreLivros 4 – Panorama da Literatura Francesa, 2007), ele foi um “cavalheiro elegante que, recluso em sua propriedade em Bordeaux e cercado por vasta biblioteca como um herói solitário do pensamento, produziu reflexões sobre os temas mais variados. Montaigne forneceu o tom para o estudioso erudito, o trabalhador intelectual incansável, às voltas com a leitura e a redação de seus artigos”. Montaigne foi um sábio, no que de mais positivo possa ter essa palavra. Praticante da “epoché” do ceticismo clássico, a suspensão do juízo diante da antinomia de duas formulações igualmente razoáveis e fundamentadas, evitava, entre outras coisas, falar tolices.

E Montaigne foi – ou, melhor, é – o autor de uma obra considerada seminal das letras universais, “Os ensaios” (“Les Essais”, 1580), que tratam de quase tudo e que fundam um novo gênero literário. Como anota o citado Carlos Eduardo Ortolan, “uma breve vista de olhos por suas páginas nos brindará com um cortejo imenso, heterogêneo e vazado, no melhor estilo clássico de uma variedade de temas que faria inveja a qualquer enciclopédia moderna. (…) Esse é um dos encantos da obra: os ensaios podem ser lidos sem compromisso com uma ordem rígida, abertos ao acaso e fruídos em sua sabedoria e elegância, mesmo nos tempos atuais”.

Mas, a partir do exemplo de Montaigne, o que faz alguém ser um bom ensaísta? E, em tempos tão “líquidos”, que pedem textos mais curtos, o que faz um bom cronista/ensaísta? Existe uma receita para um “fino corte ensaístico”?

Certamente, ensaios/crônicas devem ser sistemáticos somente até certo ponto. Os textos, espalhados em jornais e revistas, ou mesmo reunidos em livro, podem possuir um ou mais núcleos temáticos, é verdade. Mas o que realmente importa é que eles sejam o resultado das reflexões mais íntimas do autor, das suas preferências na vida ou mesmo do momento, enfim, do seu estado anímico, quando ele, tinta e papel à mão, ou defronte a uma tela de computador, deixa fluir suas ideias e sua imaginação.

O ensaísta/cronista não deve cair na tentação da rigidez acadêmica, embora não deva abrir totalmente mão dos elementos indispensáveis a uma formulação de ideias fundamentada e crítica. Nesse ponto, basta ser sensato.

Ele deve ser informativo. Conhecer o mundo, as pessoas e as ideias. Mas deve ser também opinativo. Ter posição. Não precisa – aliás, não deve – ser extremista. O ensaísta/cronista deve ter a coragem de ser moderado.

Pode ser irônico, até sarcástico, mas na medida certa. A ironia oferece expressividade a qualquer discurso. E o riso, para desespero dos casmurros de hoje, nos une.

Por derradeiro, o ensaísta/cronista de gênio deve saber interpretar o mundo. Para além de saber das ideias, é necessário compreendê-las. Deve sobretudo descobrir e dizer o ainda não dito a partir daquilo que já foi dito. Mark Twain (1835-1910) certa vez disse algo como: “Não existe uma nova ideia. É impossível. Nós simplesmente pegamos um monte de ideias antigas e, então, as colocamos em um tipo de caleidoscópio mental”. E assegurava o revolucionário Picasso (1881-1973): “Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”.

E, claro, o ensaísta/cronista deve concluir o seu raciocínio ou, pelo menos, sugerir alternativas coerentes de conclusão para o leitor. Pois essa é a minha receita de “fino corte ensaístico”. Que, confesso, copiei ou roubei, por partes, de muita gente.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Direito, séries e seriados: papel e tela

Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Sou um efusivo defensor das superpotencialidades das séries e dos seriados de TV para fins de estudo sério do direito. Voluntariamente confesso.

Todavia, devo reconhecer o fato de que o direito se desenvolveu ao longo de sua história, fundamentalmente, na forma escrita. A prática do direito e o compartilhamento do saber jurídico se deram, não podemos negar a história, essencialmente com “a tinta posta no papel”. Se o direito é uma ciência, se é uma arte, se é um gênero literário, ela ou ele se fez (e ainda se faz), sem dúvida, majoritariamente através da escrita.

Mas tem de ser necessariamente assim? Ou tem de ser somente assim? Como indaga Julio Cabrera (em “O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes”, Editora Rocco, 2006): “Existe alguma ligação interna e necessária entre a escrita e a problematização filosófica [no nosso caso, jurídica] do mundo? Por que as imagens não introduziriam problematizações filosóficas [ou jurídicas], tão contundentes, ou mais ainda, do que as veiculadas pela escrita?”.

Não enxergo qualquer coisa na essência do direito que o “condene” a se manifestar tão somente pelo meio da escrita como conhecemos, muito menos apenas através de enfadonhos códigos ou tratados. Pelo contrário.

Já disse, entre outras coisas, que: (i) as séries e os seriados jurídicos testemunham a visão sobre o mundo do direito existente em determinada sociedade em certa época, e esse testemunho é bem mais acessível ao cidadão, para fins de reconstrução da imagem que se tem do direito e de seus atores, do que os áridos estudos achados em livros de caráter estritamente científico; (ii) eles podem ser um bom instrumento para que os estudantes e os profissionais no mundo real repensem e reconstruam com aprimoramento os seus papéis e as suas imagens na sociedade; (iii) esses legal dramas de regra resolvem satisfatoriamente problemas jurídicos intrincados, sendo frequentemente, a partir da dramaticidade casuística, excelentes aulas de direito; e (iv) a produção televisiva, ao mesmo tempo em que reproduz o direito posto e o imaginário popular, também influencia a construção desse direito, subversivamente antecipando muito das modernas teorias e tendências do direito, tais como a ética jurídica, o ambientalismo, o biodireito, o feminismo, a transexualidade etc.

Aqui adiciono: a TV até possui uma linguagem mais adequada que a linguagem da escrita, sobretudo da nossa escrita técnico-jurídica, para expressar nuances, intuições e elementos afetivos que também permeiam – e assim deve ser – o direito. Como explica Julio Cabrera, diferentemente da letra fria da lei e dos manuais de direito, os conceitos-imagem do cinema (e da TV, ajunto), por meio da “experiência instauradora e plena, procuram produzir em alguém (um alguém sempre muito indefinido) um impacto emocional que, ao mesmo tempo, diga algo a respeito do mundo, do ser humano, da natureza etc.”. E assim eles têm um valor cognitivo e persuasivo não só pela informação objetiva que transmite, mas também – e muito – pelo seu componente emocional.

Com certeza não estou só nessa empreitada transdisciplinar. No final do ano passado, eu mesmo prefaciei um maravilhoso livro, “O Direito e as séries – temporada 2”, organizado por Adelmar Azevedo Régis e Nicole Leite Morais, que serve como perfeito libelo para que os profissionais do direito incluam as séries e seriados, incluindo as obras de ficção, em suas formações e atividades jurídicas, na academia e na vida profissional cotidiana.

Parafraseando palavras de André Karam Trindade e Roberta Magalhães Gubert (em “Direito e literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito”, texto constate do livro “Direito & literatura: reflexões teóricas”, Livraria do Advogado Editora, 2008), a ficção, o cinema e a TV abrem o “universo de análise do fenômeno jurídico, na medida em que este deixa de ser descritivo, conforme exige o positivismo, e torna-se narrativo e prescritivo”, demonstrando “que o direito é um sistema cultural, do qual participam a imaginação e a criatividade literária [e cinematográfica/televisiva], como componentes da racionalidade jurídica”.

E assim grito, em prol da unidade dessas duas culturas, o direito e a arte, viva!

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Direito, séries e seriados: os recursos

Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Como outrora dito, a dramaticidade que nos envolve e a emoção que nos toca no cinema e perante a TV estão fortemente relacionadas aos recursos técnicos pertinentes a tais artes visuais, como a pluriperspectiva, a capacidade de manipular tempos e espaços, o corte cinematográfico, os efeitos especiais etc., que superpontencializam, para o espectador, os dados sensoriais da vida real.

            A “pluriperspectiva”, por exemplo, é, nas palavras de Julio Cabrera (em “O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes”, Editora Rocco, 2006), “a capacidade que tem o cinema [e a TV, ajunto] de saltar permanentemente da primeira pessoa (o que vê ou sente o personagem) para a terceira (o que vê a câmera) e também para outras pessoas ou semipessoas que o cinema é capaz de construir, chegando ao fundo de uma subjetividade. (…) A pluriperspectiva pode ser considerada uma espécie de qualidade ‘divina’ (ou demoníaca!) do cinema, no sentido da Onisciência e da Onipotência. Evidentemente, a montagem, a estratégia dos cortes, os movimentos de câmera etc. podem intensificar esta característica fundamental do cinema, que contribui grandemente para a eficácia do choque emocional”.

E aqui cito o seriado “Cold Case” (2003-2009), que tem como “cenário” a cidade de Filadélfia (EUA) e como personagem principal a detetive Lilly Rush (interpretada por Kathryn Morris). A missão da equipe de polícia é investigar casos antigos, de décadas atrás e já arquivados, com crimes até então nunca desvendados. “Cold Case” contém características que são comuns à maioria dos seriados policiais: investigando um crime por episódio, os detetives, a partir de uma introdução aos acontecimentos (geralmente em forma de flashback), colhem as evidências, ouvem testemunhas e suspeitos, fazem uso das novas tecnologias da criminalística etc., juntando as peças necessárias para desvendar o caso. Mas esse seriado faz uso de uma pluralidade de vozes toda especial: os testemunhos/versões dos acontecimentos são acompanhados por cenas em flashback da época do crime, que dramatizam sobremaneira a coisa. As cenas em flashback fazem com que tenhamos pluriperspectivas até nos depoimentos de uma mesma personagem, com cada testemunha/investigado enxergando os acontecimentos duplamente, tanto sob o “olhar” do passado (contemporâneo ao crime) como do presente (quando da investigação em curso). Esses flashbacks apresentam questões relacionadas à mentalidade do século 20, que influenciaram o cometimento do crime, tais como racismo, sexismo, aborto, homofobia, transfobia e violência policial, fazendo mais um interessante paralelismo, ao mostrar as diferentes perspectivas, com os dias atuais. Ao fim de cada episódio, desvendado o crime, é mostrada a prisão do assassino, geralmente em cena de flashback e testemunhada, essa prisão, pela própria vítima. Tem-se, então, até a perspectiva/olhar da própria vítima.

            “Cold Case” é assim também um perfeito exemplo daquilo que Julio Cabrera registra como “a quase infinita capacidade do cinema [e da TV] de manipular tempos e espaços, de avançar e retroceder, de impor novos tipos de espacialidade e temporalidade como só o sonho consegue fazer”. Em grande medida, a TV consegue isso fazendo uso do chamado “corte cinematográfico”, recurso que, nas mãos de uma direção de TV talentosa e com recursos técnicos para tanto, pode fazer milagres. E isso pode ser levado a um grau elevadíssimo com os cortes/capítulos/episódios nas séries/seriados de TV.

Mas aqui podemos ir ainda mais longe sobre a adequação da TV para retratar fatos e temas relacionados ao direito, sobretudo naqueles chamados seriados de tribunal. Afinal, o que é um processo, e sobretudo um criminal, se não a análise retrospectiva de uma conduta juridicamente/penalmente relevante? A TV, manipulando tempos e espaços, avançando e retrocedendo, quase ao vivo, reconstrói os fatos, nos apresenta e questiona as testemunhas, reanalisa as evidências, debate os argumentos das partes, faz tudo de novo se necessário ou conveniente à trama/processo/julgamento, e por aí vai.

            De fato, ao conseguir intensificar de forma colossal a “impressão da realidade”, a TV nos dá, com grande eficácia, quase a plenitude da desejada “experiência vivida”. Pelo menos assim eu acredito.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Direito, séries e seriados: a emoção

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Como descobri por meio de Julio Cabrera e de sua obra “O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes” (Editora Rocco, 2006), há aspectos bastante sutis que militam em prol das séries e dos seriados de TV como meios adequados para o tratamento do direito. Uma assertiva constante do citado livro é a de que, para se apropriar de um problema filosófico – e, no nosso caso, de um problema jurídico –, “não é suficiente entendê-lo: também é preciso vivê-lo, senti-lo na pele, dramatizá-lo, sofrê-lo, padecê-lo, sentir-se ameaçado por ele, sentir que nossas bases habituais de sustentação são afetadas radicalmente”.

De fato, há frequentemente um componente “experiencial”, relacionado às nossas histórias de vida, que nos torna mais ou menos sensíveis e engajados a uma questão jurídica. Em não sendo possível viver todas as experiências, o cinema/TV, com a sua dramaticidade, que nos faz “viver” a questão contada, pode nos ajudar no desenvolvimento dessa sensibilidade, nos fazendo apaixonar por uma tese ou por toda uma temática jurídica. Nas séries e seriados jurídicos somos mais do que espectadores da história/estória. Quase participamos da trama. Sentimos medo, raiva e alegria. E há os dilemas éticos e morais. O que faríamos no lugar da personagem X?  

É verdade que a temática jurídica ajuda bastante. Como tenho seguidamente dito, as questões judiciais geralmente envolvem dinheiro, violência, sexo, pessoas ilustres, o que, sabemos, é algo que sempre atiça a nossa curiosidade e nos faz, muitas vezes, tomar o partido de X ou Y. O crime em si, do mais banal ao mais grave, normalmente chama a nossa atenção. A perversidade do crime praticado é suficiente para, sem o acréscimo de qualquer recurso dramático, emprestar emoção a uma série ou seriado. A personalidade do criminoso, assim como a sua conduta antes e depois do crime, é também motivo de interesse. Temos ainda a própria teatralidade dos operadores do direito – policiais, juízes, jurados, promotores e advogados: a atmosfera de uma corte de justiça em pleno funcionamento é tensa e ao mesmo tempo encantadora. De fato, a mise en scène do processo penal, em alguns casos, assemelha-se a uma tragédia grega. Já a busca pela justiça, que é uma busca pela verdade, sempre envolve angustia. E até a execução da pena, na trágica realidade carcerária existente mundo afora, é marcadamente perversa para invariavelmente nos tocar fundo. Ademais, atualmente há uma certa tendência de os seriados jurídicos contarem suas estórias com um toque de humanismo. Um grande sofrimento ou injustiça prévia pode até explicar/justificar o comportamento do seu anti-herói. E, claro, abordam, mesmo que lateralmente, questões atualíssimas, como igualdade e justiça social, gênero, classe, raça e por aí vai.

Mas, para além disso, a verdade é que o cinema e a TV possuem linguagens mais adequadas que a linguagem da escrita, sobretudo a nossa enfadonha escrita técnico-jurídica, para expressar as nuances, intuições e elementos afetivos que permeiam – e assim deve ser – o direito. Como explica Julio Cabrera, diferentemente da letra fria da lei e dos manuais de direito, os conceitos-imagem do cinema (e da TV), por meio da “experiência instauradora e plena, procuram produzir em alguém (um alguém sempre muito indefinido) um impacto emocional que, ao mesmo tempo, diga algo a respeito do mundo, do ser humano, da natureza etc.”. A produção cinematográfica/televisiva tem um potencial cognitivo e persuasivo não só pela informação objetiva que transmite, mas também – e muito – pelo seu componente emocional. É o que Cabrera chama de abordagem “logopática”, lógica e pática ao mesmo tempo.

Boa parte disso – falo da dramaticidade que nos envolve e da emoção que nos toca no cinema e também perante a tela pequena – está relacionada aos recursos técnicos pertinentes a tais artes visuais, como a pluriperspectiva, a capacidade de manipular tempos e espaços, o corte cinematográfico, os chamados efeitos especiais etc., que superpontencializam, para o espectador, os dados sensoriais da vida real.

E sobre esses recursos técnicos, devidamente ilustrados com a querida série “Cold Case” (2003-2009), falaremos na semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Sergio Moro chega, enfim, ao Supremo: como investigado

Sen. Sérgio Moro no plenário do Senado Federal falando sibre as ameças do crime organizado (PCC) que planejou ameaças a familia do senador e a sua família. | Sérgio Lima/Poder360 22.mar.2023
Kakay 26.jan.2024 (sexta-feira)
“Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?” –Fernando Pessoa, na pessoa de Álvaro de Campos, no “Poema em linha reta” Temos que reconhecer que foi uma longa caminhada para o senador Sergio Moro chegar ao Supremo Tribunal. Desde o início da operação Lava Jato, em 2014, para quem acompanhou de perto a postura de instrumentalização do Poder Judiciário pelo então juiz, que coordenava seus procuradores adestrados, começou a ficar evidente que o objetivo do grupo era político.
A sede de poder foi aumentando de acordo com o forte apoio midiático. A turma era bem fraquinha em conhecimento específico de direito, mas tinha uma excelente estrutura de marketing. Como são indigentes intelectuais e desprovidos de qualquer senso crítico, acreditavam que realmente eram super-heróis. Passaram a viver os personagens que foram sendo construídos pela grande mídia. E, cada vez mais, expunham-se ao ridículo, em atitudes messiânicas e pretensiosas.
Entretanto, em um Brasil ávido por líderes, ainda que com pés de barro, eles ocuparam o imaginário popular. Dezenas de horas nos telejornais, rádios, capas de revistas, prêmios no exterior, primeiras páginas dos veículos de informação, enfim, toda a estrutura montada para assumirem o poder. Como o projeto era verdadeiramente de assumirem o poder, a qualquer custo, não hesitaram em destruir parte das grandes empresas nacionais, em uma ousada estratégia entreguista. Foram responsáveis por milhões de desempregados e pela quebra de companhias que dominavam setores estratégicos da economia brasileira.

Progressivamente, vem à tona o jogo afinado com interesses norte-americanos, de empresas e do governo. Com um mote falso, como quase tudo na extrema-direita, ficaram conhecidos como os combatentes da corrupção. Implacáveis. Usavam uma tese infantil, maniqueísta, mas que, com o apoio decisivo de grande parte da mídia, emplacou: quem tivesse coragem de denunciar os excessos da República de Curitiba era taxado como alguém que defende a corrupção. Primário. Porém, eficiente. Criaram um Código de Processo Penal próprio, não se envergonhavam de prender pessoas indefinidamente para conseguir as delações.

Distribuíam para a 13ª Vara Federal de Curitiba todos os processos que interessavam ao bando. Não existia para eles o princípio constitucional do juiz natural. Aliás, não respeitavam nenhuma regra de competência, a não ser as que servissem aos seus interesses políticos, financeiros e estratégicos. Como se despregaram da realidade, resolveram cometer os maiores abusos sem relevantes cuidados. Não leram Clarice Lispector:

“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Combinaram de prender o então candidato Lula, em 1º lugar nas pesquisas, para favorecer o fascista Bolsonaro. Tornaram-se os principais eleitores do atraso e da barbárie. Mantiveram Lula preso por 580 dias, de maneira ilegal, inconstitucional e imoral. E o próprio juiz, em impensável desfaçatez, aceitou –em aparente caso clássico de corrupção– ser ministro da Justiça do governo que ajudou a eleger. Até mesmo alguns procuradores se sentiram desconfortáveis com a jogada inescrupulosa. A ideia era ser candidato à Presidência da República depois de Bolsonaro, ou ser ministro do Supremo Tribunal Federal.
Depois, entraram em choque frontal com o monstro que criaram, numa disputa sangrenta de divisão de poder. Esse imbróglio resultou na eleição do ex-juiz para o cargo de senador da República. Agora, começa a ruir o mundo de fantasia que criaram. Deltan já foi cassado e agora posa até de jornalista. E o senador Sergio Moro deve ter seu mandato cassado até, provavelmente, fevereiro. Por ironia do destino, existe uma forte hipótese de o chefe da República de Curitiba ser cassado pelo Tribunal Regional do Paraná.
Depois, será só o Tribunal Superior Eleitoral confirmar. Como cidadão, acompanho os movimentos desesperados do ainda senador para manter o mandato. Mal sabe ele, ignorante e pretensioso que é, que seria muito melhor ele ser cassado. É humilhante e constrangedor ser cassado como senador, mas daria a ele uma sobrevida em liberdade.
O inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal investiga uma série de graves crimes. O congressista atualmente tem direito ao foro privilegiado na Suprema Corte, um Tribunal que conta com uma grande quantidade de ministros que o desprezam. Que sabem o que ele fez nos verões passados. Há murmúrios de outros inquéritos. Uma denúncia no Supremo Tribunal Federal, com a cobrança da mídia que já o abandonou, será julgada muito rapidamente e, penso, a condenação será inexorável. Daí para o cárcere, sem recurso para instância superior –salvo para o Bispo–, é um pequeno passo.
Caso seja cassado, o processo irá para a 1ª instância, com direito a todos os recursos a serem utilizados pela regra constitucional da ampla defesa. E, sempre é bom lembrar, a ADC 43, da qual fui signatário e que cuidou da presunção de inocência, derrubou a prisão depois de condenação em 2º grau. Segundo dizem os amigos do ainda senador, ele fala que aquela foi sua maior derrota. Foi o julgamento em questão que deu liberdade a Lula. E é ele que vai fazer com que os integrantes da República de Curitiba possam acompanhar todos os recursos em liberdade.
Já me pediram para eu não dar esse conselho e deixar o infeliz continuar congressista, pois a prisão se dará antes. Mal sabem que essa turma de Curitiba não têm o hábito da leitura. Se quiserem manter segredo deles, é melhor escrever. Pelo menos a gente se diverte. Remeto-me a Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”

www.poder360.com.br

Direito, séries e seriados: vale a pena?

Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Vale a pena estudar o direito por intermédio de séries e seriados de TV? Eles se prestam a propósitos que vão além do divertimento? São instrutivos sob o ponto de vista do conhecimento jurídico? É minimamente seguro embarcar nessa interdisciplinaridade?

Quanto às séries em forma de “documentário” isso parece bastante óbvio.

Mas acho que podemos fazer a mesma afirmação quando se tratar de obras de ficção. Embora os seriados jurídicos possam levar a visões equivocadas sobre o sistema judicial de dado país e do direito como um todo – afinal, são ficção –, se os assistirmos com um mínimo de senso crítico, eles são altamente instrutivos para os profissionais do direito. E posso dar até um depoimento pessoal: quando estava fazendo meu PhD no Reino Unido, no King’s College London – KCL, frequentemente assistia e muito aprendi com “Law & Order: UK”, a versão adaptada do badalado seriado para o Reino Unido. Apesar das inconsistências com a realidade, ele me fez aprender bastante sobre o mundo judiciário daquele país, sua história e, sobretudo, sua geografia, ao mostrar alguns dos mais belos prédios de Londres (da Legal London, como as Royal Courts of Justice, as Inns of Courts e a Old Bailey), prédios que, quase todos os dias, passava em frente para admirar.

Na verdade, posso dar uma série de motivos para justificar essa assertiva de que as séries e os seriados de TV são meios adequados para o tratamento sério do direito.

Em primeiro lugar, posso dizer que esses legal dramas testemunham a visão sobre o mundo do direito existente em determinada sociedade em certa época, muito embora essa visão esteja marcada, em certa medida, pela ótica particular do roteirista ou do diretor da obra. E esse testemunho é bem mais acessível ao espectador (com ou sem formação jurídica), para fins de reconstrução da imagem que determinada sociedade tem do direito e de seus atores, do que os áridos estudos jurídico-sociológicos postos em livros de caráter estritamente científico. Parece certo que o cidadão médio tem muito mais contato com operadores jurídicos ficcionais – incluindo-se aqui os personagens de filmes, séries, seriados e, no Brasil, sobretudo, os de telenovelas – do que com profissionais reais. Consequentemente, a imagem que o cidadão médio faz da lei, do direito, da justiça, dos juízes, dos promotores, dos advogados etc. é formada muito mais através da ficção (em suas diversas formas) do que a partir de experiências diretas pessoais.

            Em segundo lugar, alguns legal dramas resolvem satisfatoriamente problemas jurídicos intrincados. As séries e seriados, com suas intrigantes estórias, relatando a casuística das prisões, da vida forense ou dos escritórios de advocacia em linguagem bem mais acessível que a linguagem técnico-jurídica, são frequentemente excelentes aulas de direito. O relato televisivo, com sua dramaticidade, muitas vezes é bem mais elucidativo do que a objetiva descrição técnica do mesmo fato, processo ou instituição. De fato, vale a pena estudar o direito através das séries e dos seriados porque, na medida em que haja uma correspondência entre o conteúdo do filme e a realidade do mundo jurídico, o estudo do direito, partindo da casuística narrada no filme analisado, torna-se bem mais concreto e compreensível.

Em terceiro lugar, acredito que vale a pena estudar o direito através das séries e dos seriados porque a (re)construção televisiva dos operadores jurídicos pode ser um bom instrumento para que os estudantes e os profissionais no mundo real repensem e reconstruam com aprimoramento os seus papéis e as suas imagens na sociedade. E pode-se ainda acrescentar que, valendo-se de uma análise da TV de outros países, é possível se conhecer melhor – e comparar – a imagem que a sociedade brasileira tem da atividade jurídica e dos profissionais do direito no nosso país.

            Em quarto lugar, a produção televisiva, ao mesmo tempo em que reproduz o direito posto e o imaginário popular acerca das diversas temáticas jurídicas, também influencia, em graus variados, a construção desse direito e, sobretudo, desse imaginário. Nesse ponto, como se dá com outras interfaces da TV – por exemplo, com a religião, com os costumes, com a moda e por aí vai –, ela, a televisão, é subversiva, tanto para o direito positivo em si como para a “mentalidade” jurídica de modo mais abrangente. Não causa assim espanto que essa televisão mais “subversiva” – sobretudo a telenovela, no caso do Brasil – tenha antecipado muito das modernas teorias e tendências do direito, tais como a ética jurídica, o ambientalismo, o biodireito, o feminismo, a transexualidade etc. De fato, muitas das ideias inovadoras no direito, assim como boa parte das críticas à mentalidade jurídica consolidada, historicamente encontraram sua mais vívida expressão na ficção – seja através de romances, do teatro, do cinema, da TV etc. –, nesse meio de expressão que William P. MacNeil (em “Lex Populi: The Jurisprudence of Popular Culture”, Stanford University Press, 2007) chamou, poeticamente, de “lex populi”.

Mas há ainda aspectos mais sutis…

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

A VIDA DÁ, NEGA E TIRA

Foto: reprodução – O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay

Há muitos anos tenho corrido o Brasil fazendo palestras, participando de debates em rádios e televisões, escrevendo artigos para fazer uma denúncia: o Moro e seu bando de procuradores adestrados corrompiam o sistema de justiça e pressionavam os investigados a fazerem delações criminosas com intuito de instrumentalizar o judiciário com finalidade política. As delações eram claramente dirigidas e centenas de vezes eu denunciei este fato gravíssimo, criminoso. Sempre afirmei que , em uma delação dirigida o delator mente, omite, protege, acusa quem o juiz e os procuradores querem culpabilizar.

Há tempos atrás fui procurado pelo Tony Garcia. Disse a ele que , por princípio, eu não advogava para delatores, mas ouvi a história dele. Estarrecedora. Desvenda uma teia criminosa que certamente levará para o cárcere esta republiqueta de Curitiba. É muito impressionante a ousadia destes indigentes intelectuais.

Muita coisa ainda vai acontecer.

Eu, cuidadosamente, instrui o Tony Garcia e o orientei.
Vale acompanhar.

Kakay