O Lula merece o ouro olímpico

Lula inaugura faculdade no Rio de Janeiro para alunos campeões de olimpíadas de matemática – Noticias R7
Por Kakay.
Quando eu era menino pequeno, lá em Patos de Minas, tinha a ingênua impressão de que não existia muita diferença de classe. Antes da crueza da vida me mostrar a chapada realidade, eu levava uma vida simples. A filha do vaqueiro era minha grande amiga no grupo Marcolino de Barros; o filho, o meu companheiro de perplexidades. Eu era melhor do que ele em montar em bezerro bravo no pelo. O que me dava certo prestígio. Não me esqueço de quando o levei a primeira vez ao cinema, num faroeste, e ele se escondeu no chão, atrás das cadeiras, com medo das flechas dos índios. Éramos felizes. E sabíamos.
Com muito pouco tempo, fui vendo as diferenças se avolumarem. Mesmo com minha família quebrando e perdendo praticamente tudo, todos os meus irmãos se formaram e fizeram curso superior em universidades públicas. Nenhum dos meus amigos da roça ousou a universidade. Uma regra, à época, da realidade brasileira.
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Agora, aqui em Paris, acompanhando as Olimpíadas, posso constatar o quanto a política pública pode mudar a vida das pessoas. Em 1977, quando entrei na Universidade de Brasília para fazer Direito, só existia um negro que era estudante no curso. E esse fato não era objeto de grandes indagações. Era uma realidade que não chocava a esmagadora maioria branca. Talvez, muitos achassem estranho ter um negro entre nós, e, não, ter somente um negro. Plena Ditadura, AI-5 vigendo, tortura, desaparecimento e violência como regra. Os fascistas brasileiros ainda não tinham a dimensão da força da raça negra, que iria surpreender o país.
A política de cotas foi um marco. Contra a hipócrita versão da meritocracia, mudou a composição da sociedade. Como querer que um menino pobre, negro, que mora na periferia e tem que pegar 3 ônibus, acordando às 4 da madrugada, sem conexão com internet, sem dinheiro para comprar livros e somente acesso às parcas bibliotecas, possa competir com os nossos filhos? Nossos burgueses, que reclamam quando a internet falha 2 minutos, com motoristas para levar e buscar, com acesso à biblioteca em casa com mais de 15 mil livros, viagens ao exterior e outras “vantagens” que forjam nossa diferença abissal. Meu Deus, obrigado pela política de cotas.
Agora, aqui em Paris, nas Olimpíadas, cada vez mais, devemos tirar o chapéu para a política de apoio ao esporte. O Lula é um craque e merece uma medalha de ouro. O programa foi criado em 2004, na primeira gestão do governo Lula, e regulamentado no ano seguinte. A bolsa atleta, que é paga diretamente aos esportistas, é, seguramente, o maior programa de patrocínio individual do mundo e está completando 20 anos. É uma mudança histórica. Eles podem ousar e sonhar a se dedicarem com exclusividade aos treinamentos.
Imagine um atleta brasileiro pobre, sem ter condições de comprar um tênis para correr, sem ter uma quadra digna para treinar e sem um técnico exclusivo competir com alguém que tem o tênis feito sob medida, com orientação sobre o que comer e beber? E, o pior e mais grave, o pobre muitas vezes nem sequer pode comer adequadamente. Para isso serve a força do Estado. O governo Lula tem que subir ao pódio. Desde o início, tivemos 8,7 mil atletas beneficiados. Gestantes, puérperas, surdos e técnicos em paradesporto. Um exemplo para o mundo.
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Por isso, é bom ressaltar que o programa investiu 121 milhões em esportistas de modalidades olímpicas e paraolímpicas, com impressionantes 8,292 bolsas concedidas. Em 2024, mais de 9 mil atletas foram contemplados. Vale destacar que, aqui em Paris, 241 atletas são apoiados pelo Bolsa Atleta. Ou seja, 87,3% do total. O governo Lula merece uma medalha de ouro.
Lembrando-nos do nosso Caeiro brasileiro, o matuto Manoel de Barros: “Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay.

“A história se repete”: novos bispados


Padre João Medeiros Filho

Há muito de verdade no supracitado axioma popular. Dom Marcolino Esmeraldo de Sousa Dantas, baiano de Inhambupe, quando bispo de Natal, desvelou-se para dotar o RN de mais duas circunscrições eclesiásticas. Foram quase dez anos de árduo trabalho, entre 1929-1939, coroado de pleno êxito. Sentiu a alegria de ver as origens das dioceses de Mossoró e Caicó, das quais foi administrador apostólico até a posse de seus primeiros bispos. Pelas bulas papais “Pro eclesiarum omnium” (datada de 28/07/1934) e “E dioecesibus” (promulgada em 25/11/1939), Pio XI e Pio XII erigiram os bispados, respectivamente, de Mossoró e Caicó. Dom Marcolino foi além. Durante mais de oito anos, empenhou-se juntamente com Dom Moysés Sizenando Coelho, arcebispo de João Pessoa, em prol da elevação de Campina Grande à categoria de sé episcopal. Teve mais um sonho realizado. Em 14 de maio de 1949, pelo documento pontifício “Supremum Universi”, Pio XII constituiu diocese aquela cidade paraibana, desmembrando-a dos bispados de João Pessoa e Cajazeiras.

Dom Marcolino foi um prelado diligente e de grande atuação pastoral. A elevação daquela cidade paraibana à condição de bispado possibilitaria Natal em se tornar sé metropolitana, separando o RN da Província Eclesiástica da Paraíba. Isto ocorreu, em 16 de fevereiro de 1952, pela bula “Arduum onus”, de Pio XII, menos de três anos após Campina Grande ser constituída sé diocesana. Há de se reconhecer que para as condições da época, o bispo de Natal foi célere em suas decisões e gestões, em favor do Povo de Deus.

Decorridas mais de oito décadas, Dom João dos Santos Cardoso (também baiano, de Dário Meira), arcebispo de Natal, em seu dinamismo, zelo pastoral e ampla visão eclesial, dá prosseguimento à tarefa de tornar a Igreja mais próxima dos fiéis. Em apenas sete meses de pontificado em solo potiguar, propôs a criação de duas dioceses no RN: uma na Região Trairi (sediada em Santa Cruz); a outra no Vale do Assú (com sede nessa cidade), incluindo a Região Salineira pertencente ao arcebispado natalense. A iniciativa conta com o total apoio do metropolita, as bênçãos do bispo mossoroense, Dom Francisco de Sales Alencar Batista e a colaboração do clero e fiéis católicos. Gesto nobre do arcebispo, que, além de ceder parcela significativa do território de sua jurisdição, sugeriu que a sede fosse em Assú, freguesia pertencente a outro bispado. A comissão interdiocesana, responsável pela elaboração do projeto, é presidida pelo eminente canonista Monsenhor José Valquimar Nogueira do Nascimento. Cumpre o seu cronograma, estando na fase de formação das subcomissões e escolha de assessores para o desempenho de sua missão.

Em 25 de julho passado, recebi um primoroso estudo do advogado assuense e militante católico, Dr. Gregório Celso Medeiros de Macêdo Silva, sobre o futuro bispado. A obra resulta de pesquisas, iniciadas em 2022, sobre a região do Vale do Assú e seu entorno. Será de grande valia para ajudar a comissão a atingir os objetivos propostos. O ilustre autor de “Uma nova diocese no Rio Grande do Norte”, não poderia inicialmente vislumbrar a perspectiva pastoral do metropolita natalense, quando integrou a Região Salineira no projeto da sede diocesana a ser criada.

Dr. Gregório aborda aspectos e dados geográfico-históricos, patrimoniais, socioeconômicos, pastorais e antropológico-culturais da futura diocese. A partir de elementos hauridos das paróquias que integrarão o novo bispado, a equipe responsável pela elaboração do texto final delineará o perfil da tão desejada sé episcopal. “Ad maiorem Dei gloriam”, tudo para a maior glória de Deus, afirmava Santo Inácio de Loyola, cujos discípulos evangelizaram os habitantes da primitiva paróquia do Assú na época colonial.

Os católicos vinculados ao território da sonhada circunscrição eclesial não poderão ficar indiferentes a este projeto de Igreja, devendo cooperar com recursos humanos, financeiros e orações. Ele é obra do Reino de Cristo e uma necessidade do Povo de Deus. “Somos servidores inúteis” (Lc 17, 9), afirmara Cristo. É salutar que os fiéis leiam atentamente o trabalho de Dr. Gregório, com a participação do Professor Nestor Vieira de Melo Neto. Nosso reconhecimento aos que abraçaram essa causa. Convém lembrar as palavras do apóstolo Pedro: “Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual” (1Pd 2, 5).

O pesquisador entusiasta

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Amaro Cavalcanti (1849-1922) foi um pesquisador entusiasta do direito dos Estados Unidos da América, cuja história se confunde com a formação do próprio país.

A conformação do direito estadunidense remonta à fundação, pelos ingleses, nos albores do século XVII, de colônias independentes no chamado novo mundo (a primeira, em 1607, foi Virginia). Então, com o exemplo do processo Calvin, de 1608, é o common law que vigora nas treze colônias inglesas a partir de 1607 até 1722. Em conjunto com o common law inglês, desenvolveu-se um direito primitivo nas colônias americanas, no qual a Bíblia tinha também papel de fonte do direito. Surgiram codificações, tais como a de Massachusetts de 1634, que ajudavam na administração da justiça. E a presença de colonos vindos de outros países explica a coexistência, nesse período, do common law com um esboço, mesmo que rudimentar, de codificação. Já o século XVIII, o Século das Luzes e da secularização do conhecimento, vem lançar a luz que originará a especificidade do direito americano, sobretudo porque as normas do common law importadas da Inglaterra já não ofereciam, para todos os casos, as soluções idôneas aos problemas jurídicos da futura nação.

Em 1776, veio a Declaração de Independência das primeiras colônias americanas, emancipação que se consumou com a Constituição de 1787 e o Bill of Rights de 1789. A independência dos Estados Unidos fez com que, apesar de mantida a filiação ao common law, fossem elaboradas leis novas que, ocasionalmente, divergiam da tradição pura do sistema inglês. Foi nesse período tumultuado da independência dos Estados Unidos da América que os representantes dos estados (antigas colônias), em congresso de delegados na Filadélfia, no Independence Hall, optaram pela criação da célebre e modelar Federação.

Segundo Amaro Cavalcanti – e aqui já se mostra o entusiasmo do autor de “Regime Federativo e a República Brasileira” (1900) com a Federação estadunidense –, era o caso, “nada mais, nada menos, do que, no dizer de um escritor, – ‘salvar os Estados confederados da bancarrota, da desordem e da anarquia, e dar a todos uma existência nacional’”. Mas “a tarefa era por demais difícil, em vista dos interesses encontrados nos Estados”, que, “antes de tudo, não queriam abrir mão dos seus antigos privilégios e direitos soberanos, mantidos na Confederação”. Triunfou “o querer patriótico e a habilidade de alguns chefes proeminentes da Convenção” e “foi adotada a Constituição Federal da República Americana”.

Amaro nos dá, pela ótica de então, à luz da Constituição estadunidense, a conformação do Estado federal criado, com seus ramos do poder público completos e bem definidos: (i) o poder legislativo foi confiado a um Congresso, composto da Câmara dos Representantes e do Senado; (ii) o poder executivo foi confiado ao Presidente dos Estados Unidos, eleito para um período de quatro anos, pelo povo, mediante sufrágio de dois graus, isto é, o povo de cada Estado elege os eleitores presidenciais, e estes, o Presidente da República. Conjuntamente com o Presidente é também eleito um vice-presidente, para servir-lhe de substituto, e tanto um como outro podem ser reeleitos; (iii) o poder judiciário foi confiado a uma Corte Suprema e às cortes inferiores, que por lei forem criadas. Os membros deste poder são nomeados pelo Presidente da República, mediante assentimento do Senado, e são conservados nos seus lugares, enquanto bem servirem (during good behaviour); (iv) a Constituição federal investiu os três poderes ditos de todas as atribuições e faculdades necessárias, de modo a constituir o governo federal a autoridade soberana da Nação, tanto nos negócios interiores, como nas relações exteriores da República; (v) e, talvez o mais importante, já que estamos tratando da conformação de um Estado federal, quanto aos estados federados, conservaram eles, sem dúvida, a mais completa autonomia nas matérias de legislação, administração e justiça local; mas, em todo o caso, dependentes do poder central, segundo os princípios da nova organização feita.

Ao finalizar sua “história” da formação da Federação estadunidense, Amaro não fez a menor questão de esconder seu entusiasmo com a obra comentada: “desta sorte, começou a ter efetivo vigor esse documento memorável que, sob o título de ‘Constitution of the United States of America’, subsiste há mais de século [lembremos que ele escreveu por volta do ano 1900], fazendo a prosperidade de um grande povo, e provocando a admiração dos estadistas do mundo inteiro”.

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Paris sem medo de ser feliz

Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay.
A força que tem o poder público na vida da gente, das pessoas, moradores das cidades ou turistas, é brutal. Escrevi sobre o bloqueio a que foi submetida Paris quando da abertura das Olimpíadas. Por uma questão do medo generalizado, a cidade foi brutalmente bloqueada. Medo de atentado. Medo da violência política. Medo. Estive em Berlim antes da queda do muro; as cancelas lembravam a divisão. Brutal. Desumana, até.
Aqui, a divisão era entre Rive Gauche e Rive Droite. O Sena era o divisor de tudo. Como vou nadar no Sena, senti-me tolhido. Mas assim que acabou a abertura, Paris voltou a sorrir. Na verdade, não havia deixado o sorriso, mas a preocupação com atentado estava no ar. É muito triste viver em um tempo no qual o medo senta ao nosso lado na cadeira reservada ao prazer e à alegria. Mesmo um de nós, donos dos espaços oníricos, somos submetidos ao estresse da violência. O mundo de sonhos está à nossa frente, com a realidade posta, a gente quase participa dos jogos, posa de atleta, de artista e de herói olímpico, mas a realidade é, como sempre, outra história.
É lindo ver Paris se abrir e se postar à disposição do que sempre foi e é: o imaginário de todos nós sobre ela, Paris. Uma cidade que embala nossos sonhos, mas não só no embalar óbvio da áurea olímpica parisiense. É um sonhar da Paris dos livros, das poesias, dos romances e dos casos ouvidos. Uma Paris que entranha em nós e que nos consome. Ao correr pela manhã no Sena, ao tomar um vinho no Café de Flore, ao jantar na Lippi, ao existir, principal ato dos que se pretendem parisiense, tudo é mágico. Existir. E ser feliz.
Por isso, é preciso resistir. A obviedade não pode tomar conta de Paris. Numa olimpíada, é sempre permanente a exposição entre os contrastes. Certa tensão intrínseca. A beleza da medalha, simples e indizível, com a exposição brega e constrangedora dos que arrotam poder olímpico. Os jogos têm esse poder mágico: mostrar ao mundo inteiro quem é quem. Lindo. Quase puro.
Resta a nós a alegria de estar aqui por perto e, de certa maneira, nos sentirmos também heróis olímpicos. Saber ser feliz com a glória do outro é um sinal de maturidade. Afinal, ser feliz é tudo que se quer!
Como diz o poeta maior Mia Couto: “Uma coisa aprendi na vida. Quem tem medo da infelicidade nunca chega a ser feliz”.
Fonte: www.odia.ig.com.br

Refletindo sobre as eleições

Por Padre João Medeiros Filho

Acontecem as convenções partidárias, antecedendo às campanhas em função das próximas eleições. Em breve, o período de comícios e embates. Os pleitos são cada vez mais onerosos, financeira e moralmente, sem considerar os logros e patranhas, já tradicionais e atávicos na política brasileira. O Tribunal Superior Eleitoral – TSE divulgou alguns dados, dentre eles, o orçamento do Fundo Partidário, definido em R$ 4,9 bilhões, dinheiro oriundo dos impostos obrigatórios, pesando sobre a população trabalhadora e desprezando suas necessidades mais prementes. Segundo cientistas políticos, trata-se de um dos embustes mais caros do mundo. Nessa bilionária dotação não estão incluídas ingentes despesas com a realização de votações em dois turnos. Tempestivamente, os marqueteiros entram em cena. Versão estilizada do publicitário, eles ganharam um nome aportuguesado, do inglês “marketing”. Trata-se do profissional encarregado de maquiar o perfil e a biografia dos candidatos, transfigurando a imagem dos pretendentes a funções públicas. No caso deles, buscam adorná-los com uma roupagem atraente. Após “o banho de simpatia e popularidade” (segundo os jargões da área), o “produto” está pronto para ser apresentado e consumido por um eleitorado incauto e alienado. Apresenta-se o candidato, como se fosse o melhor dos seres humanos. Procura-se moldar até o seu caráter a ser apresentado nas imagens televisivas ou em fotos fugazes e ilusórias.

Existem verdadeiros “experts”, capazes de grandes transformações. Conseguem exibir na vitrine política um personagem rejeitado por muitos, como sendo o legislador ou executivo do sonho de eleitores exigentes. Empulhação que, muitas vezes, traz bons resultados. O comunicador habilitado em “marketing” tenta encontrar um meio de vender a imagem do político, cuidando de suas aparições, discursos e ideias. Amiúde, reina o axioma visceralmente antiético: “Os fins justificam os meios.” Tanto no presente, quanto no passado, verificam-se bons exemplos de criação publicitária.

É clássica a história do anúncio da venda de um sítio atribuído a Olavo Bilac, após solicitação de um de seus amigos. Interessados poderão pesquisar o assunto. O autor do texto demonstra originalidade e preconiza técnicas modernas de “merchandising”, causando inveja aos marqueteiros atuais. O amigo de Bilac dissera-lhe que ele possuía muita imaginação, escrevia divinamente bem, capaz de produzir algo atraente. Foi redigido de forma poética. Não há certeza se o comunicado do vate carioca correspondia à realidade ou era mera ficção. Tempos depois, o poeta parnasiano teria perguntado ao amigo, se conseguira alienar a propriedade. Respondeu-lhe que havia desistido da venda, pois ao ler os classificados dos jornais, convencera-se da maravilha que possuía. Este texto é considerado por muitos publicitários uma página antológica da profissão. Não basta fazer. É preciso também saber como dizer ou escrever.

Hoje, trava-se uma discussão sobre a ética publicitária. É justo e lícito, em campanhas eleitorais, realizar tipos de propaganda enganosa, quando está em jogo o bem-estar e o futuro do povo? O objetivo é eleger um candidato. Por isso, tenta-se a qualquer custo influenciar ou convencer, embora o postulante seja inapto ou despreparado. Já lamentava o profeta Jeremias: “Engana-se o próximo. Não se fala a verdade. Treina-se a língua para a mentira” (Jr 9, 4). Não se definiu ainda se tais manifestações poderão ser consideradas enganosas. Segundo os estudiosos, a rigor, não se trata de oferta de serviços ou bens de consumo, previstos na Lei 8078/90 (Defesa do consumidor). Entretanto, é uma situação diante da qual se requer honestidade intelectual, não se admitindo falsidade ideológica.

O apóstolo Paulo já advertia: “Portanto, deixando a mentira, cada um diga a verdade a seu próximo, pois somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25). William Ugeux, docente da Universidade de Louvain, outrora Ministro da Informação do Reino da Bélgica, colocava a propaganda política no mesmo patamar da publicidade de medicamentos. Os efeitos podem vir a ser altamente deletérios. Não é correto brincar com a vida de outrem, mormente de uma população. O eleitor, por vezes, tem a ingenuidade de uma criança e não se deve abusar de seus sentimentos. É preciso ser sincero e honesto. É o que pregava o Apóstolo dos Gentios: “Nossa palavra não contém erros, engodos, tampouco acompanhada de astúcia” (1Ts 2, 3).

O historiador comparatista

Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

Grande nome da história do direito e da política em nosso país, o potiguar Amaro Cavalcanti (1849-1922) é autor, dentre muitos outros títulos, de “Regime Federativo e a República Brasileira” (1900), um clássico das nossas letras jurídicas, escrito na virada do século XIX para o XX. Nele, constatando a ignorância da maior parte do nosso público sobre o sistema político-administrativo federativo e a necessidade de se “firmar, enquanto é tempo, a boa regra e doutrina contra certas ideias preconcebidas e a continuação de práticas abusivas” na nossa jovem República, o autor promete o seu “sincero empenho de concorrer para a satisfação da necessidade apontada”. E, de fato, ele bem estabelece uma “teoria do regime federativo, tão completa quanto possível nos limites traçados”, servindo-se, para isso, “da melhor lição dos autores, que no estudo da matéria são reputados os mais proficientes e abalizados”.

De logo, entusiasta que sou do direito comparado, sobretudo quando misturado com o conceptualismo jurídico (que visa a sistematizar e esclarecer os conceitos e termos do direito), chamo a atenção para a busca do autor em estabelecer conceitos precisos acerca das expressões/termos Estado unitário, confederação e federação, o que não era de todo comum em sua época.

Amaro Cavalcanti afirma ser o Estado unitário ou simples quando a “organização política de um povo em determinado território é a de um governo geral, único, com autoridade exclusiva sobre o todo”. Já a situação de um Estado simples “ligar-se a um outro ou a vários outros, e, então, sem perder cada um sua personalidade jurídica, estipularem cláusulas, de cuja aceitação mútua resulte uma nova entidade governamental com direitos próprios independentes, não só, vis-à-vis dos governos dos Estados unidos, como também, em relação a quaisquer outros Estados estranhos”, é o que se entende por vínculo federativo, como gênero a englobar as espécies confederação e federação.

Como explica Amaro, “apesar da consonância dos vocábulos e da similitude dos caracteres e dos atos” que se oferecem à primeira vista, o fato é que “confederação e federação, no atual momento significam coisas sabidamente distintas, ou mesmo regimes políticos diferentes, assim considerados no direito público dos povos modernos”. Segundo ele, “coube à rica terminologia da língua alemã e às condições históricas da vida política desse povo ocasião memorável para o emprego de vocábulos, que fixassem a significação especial do que se devia entender por confederação e federação; designando-se a primeira pela expressão ‘Staatenbund’, e a segunda por ‘Bundesstaat’”.

Amaro tem a confederação de Estados como meio mais precário, muitas vezes temporário, de segurança e defesa comum dos membros confederados, com uma mínima renúncia de poder em prol da confederação pactuada. E afirma: “Quando, porém, os Estados soberanos, que se ligam, querem dar-se uma coesão e homogeneidade, renunciando em favor do poder federal a maior ou melhor parte das suas prerrogativas, a união, ora instituída, é uma federação ou Estado-federal. Este pressupõe, não, um simples pacto, mas uma constituição federal, com um governo, dotado de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, cuja ação estende-se, em maior ou menor escala, sobre os próprios negócios e interesses de cada um dos Estados federados”, tanto no que diz respeito aos negócios internos, como às relações externas do país.

É também interessantíssimo o passeio que Amaro Cavalcanti faz pela história, nos mostrando onde estão as origens assim como a evolução do que hoje chamamos de federação.

Ele trata do federalismo na Antiguidade e nos ensina: “organizações políticas, possuindo os caracteres, às vezes, de uma simples aliança ou liga temporária, e outras vezes, as condições de uma verdadeira confederação de Cidades ou Estados, são fatos, pode-se dizer, comuns ou frequentes nas histórias dos diversos povos antigos. Não querendo remontar além do berço da nossa civilização – Grécia, só esta oferece numerosas provas do nosso acerto; e, nomeadamente, a Amphyctionia, composta dos doze povos principais da raça grega, podia talvez ser mesmo invocada, como uma das origens históricas das uniões federativas dos Estados modernos”.

Amaro também descreve fenômenos aglutinativos mais recentes, em forma de confederação ou federação, a exemplo das idas e vindas da história alemã e da Confederação Suíça. Até chegar na Federação Brasileira. Mas não sem antes passar pelo clássico exemplo dos Estados Unidos da América, para quem ele, a meu ver, tendo ali vivido e estudado, dedica o seu mais sincero entusiasmo. É sobre esse retrato entusiasmado da Federação estadunidense que conversaremos na semana que vem.

Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

A Democracia agradece

Donald Trump e Kamala Harris
Reprodução/Instagram – Donald Trump e Kamala Harris
“A Democracia enfrenta um imenso desafio ao redor do planeta, talvez maior do que no período da Segunda Guerra Mundial.”
Discurso do Lula ao ser diplomado Presidente da República no TSE, em 12/12/2022

Com o fortalecimento da extrema direita, o mundo passa por um momento muito delicado que coloca em risco valores democráticos e humanistas reunidos em séculos de história. A sanha predatória da direita mais desqualificada pressupõe a derrubada de conquistas civilizatórias, que não representam um ou outro partido político, mas o acúmulo de conhecimento de gerações em nome de um mundo mais justo, mais igual e mais solidário.

Quando o Presidente Lula resolveu enfrentar o então presidente Bolsonaro, que buscava a reeleição, ele deixou explicitado que aquela eleição era o confronto entre a barbárie e a civilização. Ele me disse exatamente isso, na minha casa, quando da festa da diplomação no Tribunal Superior Eleitoral.

Se a extrema direita tivesse conseguido a reeleição do Bolsonaro, o país estaria em um abismo sem fundo. O desmantelamento de todas as conquistas civilizatórias e o fim de todos os avanços sociais são a base desse grupo que preza ser machista, armamentista, misógino, racista e preconceituoso. A política de terra arrasada visa formar indivíduos sem análise crítica e não cidadãos conscientes. Um grupo que possa ser tangido como gado.

Os sinais são tão preocupantes que começa a haver um movimento, também mundial, para derrotar a extrema direita em qualquer eleição. Na eleição brasileira, foi preciso fazer um leque amplo de apoio, além do PT, partido do então candidato Lula, para derrotar o cancro bolsonarista. Foi um sinal para o mundo. Para estancar o avanço perigoso desses extremistas, é necessário estratégia política. O aviso era claro: vale a pena compor até com uma direita civilizada – sim, ela existe-para afastar a chance de permitir que os métodos que se aproximam do fascismo dominem o mundo.

Recentemente, a França deu indicativo de maturidade política e, para impedir a entrada da extrema direita no poder, fez um arriscado e ousado jogo político que surtiu efeito. Os fascistas já comemoravam a chegada ao governo quando o Parlamento foi dissolvido e novas eleições foram convocadas. A parcela mais jovem da população foi expressivamente às urnas. Vários candidatos retiraram suas candidaturas para apoiarem outros com mais chance- algo raro de se ver na política- e um surpreendente leque se formou para impor uma derrota significativa aos radicais de direita.

E agora, ainda que por motivos não completamente claros, o mundo foi surpreendido com a carta do Presidente dos EUA, Joe Biden, anunciando a  retirada da sua candidatura à reeleição e o apoio à sua vice, Kamala Harris, na disputa da Casa Branca.

Sei que ela é muito conservadora e claramente punitivista. Foi uma promotora dura, mais dura com os menos favorecidos. Teve um papel questionável no controle da imigração na fronteira com o México e se portou muito mal no massacre na Palestina. Mas o que mais importa agora é barrar a eleição de Donald Trump. E vê-lo ser derrotado por uma mulher, negra, filha de uma indiana e de um jamaicano, não tem preço. A Democracia agradece.

Com sua habitual ironia e sagacidade, o velho Winston Churchill disse: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”.

Por Antônio Carlos de Almeida Castro, kakay

Fonte: www.ultimosegundo.ig.com.br