Articulista afirma que vê com esperança expectativa da PF em concluir investigações sobre o 8 de Janeiro ainda neste ano; na imagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-coach Pablo Marçal e o ministro Alexandre de Moraes.
Por Kakay.
“Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”
–Carlos Drummond de Andrade, poema “Os Ombros Suportam o Mundo”
É como se o ano tivesse chegado ao final antes da hora: de repente, já se avizinham as festas. Tem sido um período duro, embora com bons enfrentamentos. Cresce no Congresso uma ideia que ouvi pela primeira vez, há mais de ano, e que julguei ser um disparate total. A oposição se organiza para fazer uma ampla maioria no Senado com a finalidade específica de promover o impeachment de ministros do Supremo, especialmente o do ministro Alexandre de Moraes.
Não é uma agenda pensada com tanta antecedência para melhorar a vida do cidadão brasileiro, ou as relações entre os Poderes, ou para regular setores que precisam ser discutidos em um ambiente democrático e saudável. O interesse dos partidos de extrema-direita é buscar garantir força no Senado para ter o Supremo Tribunal como refém. Ao que parece, a agenda golpista bolsonarista segue sedenta por mais violências e absurdos, como se o impeachment de quem quer que seja fosse mera opção política. E não é! Ao longo dos últimos tempos, a política tem sido alvo de frequentes testes e ataques. O próximo alvo parece já escolhido e é preciso reagir imediatamente.
Com a meta de desorganizar a sociedade –priorizando mentiras e propostas teratológicas como maneira de fazer política–, o país não conseguiu ainda superar o caos de 4 anos de bolsonarismo. A estratégia de desarrumar as conquistas sociais cravou na alma do Brasil as garras que fizeram a democracia sangrar. Depois de um desastre social e humanitário no enfrentamento da pandemia, com mais de 700 mil mortos pela irresponsabilidade criminosa e estupidez do governo, o país assistiu, perplexo, à completa incapacidade do Estado de responsabilizar os que estavam à frente da condução da crise.
Praticamente não houve uma responsabilização dos que, dolosamente, agiram para levar o país para o abismo. Existem milhares de corpos insepultos e almas penadas à espera da condenação dos agentes públicos criminosos. Rondam sem rumo, impulsionados na dor dos familiares e amigos.
E a sanha da extrema-direita, vendo que a impunidade é a regra, não se conformou em perder as eleições no voto. Fizeram o diabo. Infernizaram a vida do cidadão brasileiro com inverdades e total desprezo pelos princípios democráticos. Atacaram as instituições, tentaram desmoralizar o Supremo e cooptaram o Congresso. Não satisfeitos, culminaram com a tentativa de golpe de Estado no 8 de Janeiro. O Brasil passou a viver de uma aventura a outra. A certeza da inação do Estado faz com que as ações golpistas e de terror aconteçam à luz do dia.
Na disputa pelo cargo de prefeito da maior cidade do país, um candidato que logrou 28,14% dos votos teve o descaramento de apresentar um laudo falso, sabendo ser falso, tentando mudar o jogo na última hora, quando não daria mais tempo para resposta. A imoralidade e os métodos assumidamente criminosos viraram a regra dos grupos de direita radical. Percebo, com um olhar de esperança, uma declaração do diretor-geral da Polícia Federal no sentido de concluir as apurações sobre os descalabros bolsonaristas até o final do ano. Ele tem toda razão em afirmar que o tempo da investigação não é o tempo da política e da imprensa. Tem que haver rigor técnico e cuidado com a prova.
Mantendo a presunção de inocência. O que nos permite ser angustiados são os exemplos que vêm da omissão na pandemia e de tantos outros prejuízos. Por isso, hoje, todos entendem por que Bolsonaro aparelhou órgãos do Estado. Mas devemos ter a certeza de que o Estado deve chamar à responsabilidade os Pablos e Bolsonaros. Já passou da hora de o país voltar à normalidade democrática. Quero começar o dia novamente lendo o caderno de cultura e os programas ligados à arte e à literatura. Ninguém pode viver, permanentemente, sob a insegurança e sob o medo.
Repetindo Torquato Neto:
“É preciso que haja algum respeito, ao menos um esboço ou a dignidade humana se afirmará a machadadas”.
Eis o que indagou um mestre potiguar a seus alunos. A resposta foi um silêncio acompanhado de indiferença, frieza e possivelmente outros sentimentos. Após insistir com a pergunta em várias salas de aula, levanta-se a mão tímida de um aluno, com rendimento acadêmico acanhado. O mestre observou a taciturna reação dos estudantes com certa perplexidade e tristeza. Lembrou-se de uma pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP, realizada no início desta década, mostrando que mais da metade dos alunos dos cursos de licenciatura daquela instituição de ensino superior não estão dispostos a se tornarem professores. Detalhe inquietante: licenciaturas foram criadas exatamente para formar docentes.
É voz corrente o quanto os mestres são valorizados e estimados em países, onde acontece uma verdadeira revolução educativa e cultural. Com tal apreço, tornar-se professor é sinônimo de grande reconhecimento, fazendo com que ótimos alunos almejem o magistério. No Brasil, vislumbra-se exatamente o inverso. Não raro, aqueles com menor desempenho escolar, por falta de opções e um ensino fundamental de qualidade, escolhem a docência. Sem atrativos, o que levaria um jovem a buscar “uma vida heroica, esse martírio, a virtude cristã medieval da mortificação e renúncia? O nosso professor é um malabarista, espartano e asceta”, exclamou, por ocasião do Dia do Mestre, na Câmara dos Deputados, o renomado educador Monsenhor Walfredo Gurgel, deputado constituinte em 1946. Isto evoca à nossa memória o conhecido conto-metáfora de Machado de Assis, intitulado “Um apólogo”.
Se hoje, nas escolas públicas, verifica-se um déficit de docentes para disciplinas básicas (sem contar o desvio de função), considerando-se o pífio desempenho nas avaliações oficiais, o que acontecerá com a educação das novas gerações? É preocupante a ausência de estadistas e educadores, que estejam acima de interesses político-partidários, corporativistas ou ideológicos, que pensem com seriedade em educação. Inexiste vontade política e fundamentalmente compromisso com o futuro da nação. O que se pode esperar desse menoscabo, senão o agravamento da deterioração do ensino e, consequentemente, o esgarçamento do tecido social? Enquanto governantes não repensarem seriamente a realidade educacional, teremos um resultado deprimente, incapaz de contribuir para as transformações, das quais a nação tanto necessita. Até quando a educação será moeda política e eleitoreira em nossa pátria? Queremos quantidade ou qualidade, espaço de raciocínio e criatividade ou lugar de ilusão e faz de conta, do viés e discurso ideológico?
Durante doze anos, participei de conselhos de educação. Por vezes, constatava mais ideologia do que pedagogia, mais narrativas do que objetividade, mais sofismas que certeza ou verdade. É preciso tempo e empenho para estabelecer prioridades e estratégias, pois educação não se improvisa. A história de descaso e malversação de administradores, a leviandade na aplicação dos recursos existentes, levam-nos a pensar que inexistem visão e gestão educacionais eficazes, bem como cobrança das parcas e inconsistentes políticas públicas no setor. “Neste país, brinca-se de ensinar. A escola parece um sisudo e mal apresentado espetáculo de mamulengos, sem menosprezar a riqueza de nosso rico folclore”, afirmou Celso Furtado, quando Ministro da Cultura, na década de 1980.
Será que o recente sufrágio das urnas trará algum alento e esperança para a sociedade e os nossos educadores? Investir em educação vai contra a sede de manipulação, egoísmo, desigualdade e injustiça. Há que formar para a responsabilidade e liberdade. Necessita-se dar um basta ao imediatismo, aos arranjos, aparências e aviltamentos do ser humano, imagem e semelhança de Deus. Educa-se, ao promover e dignificar o homem, reduzindo-se tudo aquilo que concorre para a sua destruição. Há muitas indústrias de morte, alimentando uma perversa cadeia político-econômica, incapaz de ser instrumento de humanização. Vai aqui o nosso abraço de gratidão e incentivo aos educadores e a todos “aqueles que não medem esforços em seu contínuo engajamento, contra a sede de dominar, em favor da lapidação do homem, criado livre e soberano, nunca objeto de ditadores cotidianos do estilo de vida e consequentemente do espírito”, dissera o monge beneditino Dom Lourenço de Almeida Prado, despedindo-se do Colégio São Bento (RJ), após sessenta anos de profícua direção. “Ensina ao jovem o caminho a seguir e ele não se desviará, mesmo quando envelhecer” (Pr 22, 6).
Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
Por estes dias, referi-me aqui à denominada “cultura de massa”, anotando que os gostos, hábitos, valores, ideias e atitudes – o agir do homem moderno – estavam cada vez mais condicionados pelos meios de comunicação de grande escala. Desde a era do rádio, do cinema e da TV, e hoje em tudo amplificado pelo fenômeno, ainda mais agudo e capilarizado, da Internet. A ação crescente desses meios de comunicação – sobretudo a TV e a Internet – criam um certo tipo de “cultura”, dita “de massa”, homogênea e invariavelmente de baixa qualidade, padronizando os gostos, preferências, interesses, motivações, ideias e valores do homem-massa contemporâneo.
E essa cultura, de há muito transformada em mercadoria, mexe com muito – muitíssimo mesmo – dinheiro. Ela tem, para além da sua relevância como “coisa do espírito”, altíssimo “valor”.
De fato, Nelson Werneck Sodré, em “Síntese de história da cultura brasileira” (DIFEL, 1985), reproduzindo o para lá de controverso Karl Marx (1818-1883), já nos alertava para a gritante transformação dos produtos da cultura em mercadorias: “Houve um tempo, como na Idade Média, em que não se trocava senão o supérfluo, o excedente da produção sobre o consumo. Houve também um tempo em que não somente o supérfluo, mas todos os produtos, toda a existência industrial, passaram ao comércio, em que a produção inteira dependia da troca. (…) Veio, finalmente, um tempo em que tudo o que os homens tinham encarado como inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico, e podia ser alienado. Este foi o tempo em que as próprias coisas que, até então, eram transmitidas, mas jamais trocadas; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. – em que tudo enfim passou ao comércio. Este foi o tempo da corrupção geral, da venialidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que tudo, moral ou físico, tornando-se valor venal, é levado ao mercado, para ser apreciado no justo valor”.
Pondo de lado o tom panfletário de Marx, parece certo – ou pelo menos é o que diz um outro Nelson, o Rodrigues – que, hoje em dia, “o dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”.
Com isso eu chego aonde quero chegar: é possível “comprar” o sucesso na cultura? Partindo do pressuposto da existência de um mínimo existencial de talento, parece mais do que certo que sim. Publicidade/propaganda é muito mais do que muito.
Como diz Nelson Werneck Sodré (favor não confundir os Nelsons), “na medida em que se amplia a área de atividade artística e que suas criações se tornam mercadoria, muda o quadro e, inclusive, a escala de valores. Antes, quando não havia público ou, nele, reduzido que era, preponderava o julgamento dos oficiais do mesmo ofício, dos confrades, a consagração, pelo menos a curto prazo, ficava na dependência dos especialistas – eram os escritores que julgavam os escritores, por exemplo – e isso conferia uma nota provinciana ao meio, assemelhava-se ao arraial interiorano, permitindo a influência das igrejinhas; só estas poderiam consagrar. O aparecimento e o crescimento do público, que passa a ser árbitro do sucesso, transfere esse poder de consagração àqueles que estão fora da atividade artística e não sofrem as suas injunções e competições. Na medida em que as criações artísticas se transformam em mercadoria e que, portanto, há consumidores para ela, são estes os juízes de seu valor. Com o desenvolvimento desse mercado, surge a possibilidade de forjar falsos valores, à base da publicidade, aquilo que a chamada ‘cultura de massa’ pode impingir. Assim, em seu desenvolvimento dialético, o positivo se torna negativo, o avanço se transforma em recuo”.
De toda sorte, talvez esse panelão da cultura seja melhor do que as panelinhas/igrejinhas de outrora, referidas por um dos Nelsons, que, embora menos poderosas, ainda hoje subsistem tanto nas artes como nos esportes. Pensando bem, deve ser por isso que eu não estou conseguindo apresentar devidamente, na pelada da AABB, o meu futebol clássico e eficiente.
Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
“Você acha que este Congresso é ruim? Espere o próximo.”
Ulysses Guimarães
O melhor da política é ler e ouvir os comentários mais desencontrados sobre o que pode ocorrer com o país. Advoguei para 4 presidentes da República, mais de 90 governadores e dezenas de ministros e senadores. Sempre me diverti com os comentaristas políticos fazendo análises, muitas vezes, completamente divergentes da realidade. Até por isso, permito-me também dar meus pitacos, sem nenhuma pretensão, mas metendo a colher de pau na discussão após as eleições municipais.
Acho graça das afirmativas peremptórias sobre a provável derrota do PT em 2026. Penso ser importante lembrar que existe, no Brasil, um fenômeno chamado Lula. Ele se elegeu presidente da República em 2003, foi reeleito e conseguiu eleger sua sucessora, a presidenta Dilma (PT), que não era propriamente uma candidata popular. Qualquer político teria sido eleito com o apoio dele. É preciso recordar a história para entender esse fenômeno, o fundador e quase, esse um grande problema, dono do PT. Enfrentou um impeachment covarde, criminoso e irresponsável da presidenta Dilma. Hoje, todos admitem que não houve crime. Ou seja, retiraram da Presidência da República uma presidenta honesta e legitimamente eleita pelo voto popular para atender a interesses políticos escusos. Crime. Golpe.
Com o clima que se instalou no país à época, o PT perdeu 60% dos seus prefeitos e vereadores na eleição de 2016. Enquanto o PT fez 256 prefeituras, o PMDB (hoje, MDB – Movimento Democrático Brasileiro) fez 1.028 e o PSDB –lembram-se dele?– fez 792. É bom rememorar que o afastamento definitivo da presidenta ocorreu em 31 de agosto de 2016 e o 1º turno das eleições municipais foi praticamente 1 mês depois. Não faltaram analistas políticos para “vaticinarem” o fim do Partido dos Trabalhadores. Depois, removeram os principais auxiliares e ministros do Lula, inclusive o grande José Dirceu, que seria seu sucessor natural, para estrangular a continuidade do PT no poder. Não satisfeitos, a ultra direita e a burguesia econômica prenderam Lula por 580 dias, mantiveram-no em uma cadeia comum. Ele, com muita dignidade, não se entregou. Mas o país viu o fascismo chegar ao poder pelo voto popular nas mãos manchadas de sangue do bolsonarismo, impulsionado pelo lavajatismo. O Brasil foi arrastado para o abismo sob todos os ângulos.
Ainda assim, contra todos os poderosos grupos, com o desgaste de um impeachment criminoso, amargando 580 dias de cadeia, com a maior ação midiática contrária da história do Brasil e com um movimento nojento e abominável como a Lava Jato, Lula enfrentou o presidente da República em exercício, em 2022. Foi uma campanha de reeleição na qual Bolsonaro gastou em torno de R$ 370 milhões de dinheiro público e Lula foi eleito. Ganhou. Governa o país pela 3ª vez. Será que alguém acha que as eleições de milhares de cidades pequenas pelo país, de prefeitos do PL, terão real importância nas eleições para presidente da República? O prefeito eleito da cidade de Patos de Minas vai influenciar a eleição para a Presidência da República? Por sinal, interessante notar que, para quem acompanhou as eleições para prefeito, parecia, pela grande mídia, que só havia eleição para o município de São Paulo. Vez ou outra lembravam-se do Rio de Janeiro. E olhe que, em SP, o fascista do Pablo Marçal (PRTB) ficou fora do 2º turno. E, no Rio, Eduardo Paes (PSD) deu uma surra histórica em Bolsonaro e nos seus seguidores. O fascista apoiou um auxiliar direto dele que sequer conseguiu ir para o 2º turno.
Nesse contexto, é possível imaginar um governador como Tarcísio de Freitas (Republicanos), que comanda o orçamento de São Paulo, só menor do que o da União, afastar-se do cargo, deixando o governo do Estado mais poderoso da Federação, e não tentar uma reeleição razoavelmente tranquila para enfrentar o velho Lulinha paz e amor?! Só que agora com uma pitada de maldade. Não devemos nos esquecer de que em 2018, com Lula na prisão e o PT sendo demonizado, Fernando Haddad teve 44.87% dos eleitores, ou seja, 47.038.963 votos. E isso tendo demorado muito a sair candidato, pois parte significativa das pessoas queria Lula, mesmo ele estando preso. Agora, olha eu aí fazendo conjecturas como se fosse analista político: é esperar a vitória do Lula em 2026 e depois pavimentar a eleição de Haddad para Presidência da República em 2030. Ele é novo e brilhante. Já conquistou a Faria Lima, só falta conquistar o Nordeste.
Sempre nos lembrando de Nietzsche: “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu”.
A gratidão é uma das grandes virtudes humanas. Santa Teresa de Calcutá a definia como “delicadeza da alma.” Esopo a chamou de “virtude das almas nobres”. Jesus tratou do assunto com os apóstolos. Lamentou a ingratidão. Pode-se ler no evangelho de Lucas o relato da cura dos dez leprosos por Cristo (Lc 17, 11-19). Foram agraciados, após a súplica: “Mestre, tem compaixão de nós” (Lc 17, 13). Um deles, ao perceber que havia sido curado, voltou glorificando a Deus. Prostrando-se aos pés do Senhor, agradeceu-Lhe. Então lhe foi perguntado: “Por acaso, não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão?” (Lc 17, 17). Jesus ressaltou que apenas o samaritano voltou para render graças pela cura. Mostra-nos que a sensibilidade humana não é determinada pela raça, religião, cultura, nível de instrução ou condição social. É fruto de cultivo da personalidade e ajuda da graça divina. Ser grato transforma nosso coração, ilumina e amplia a nossa visão. Permite-nos entender a vida de modo diferente. Quem dá, participa do mistério do Pai Celestial, que concede tantos bens e graças a seus filhos. Agradecer é a consciência dessa gratuidade. “Senhor, deste-me tanto em minha vida. Dá-me uma coisa a mais: um coração agradecido”, rezava o poeta galês George Herbert.
Saber agradecer faz crescer no coração do homem o sabor pela bondade. Ajuda-nos a eliminar sentimentos que obscurecem a mente, fecundando o desejo de ser generoso. Dissipa aquilo que enfraquece a compaixão ou aumenta a indiferença. Ajuda a vencer a soberba e a inveja, bem como tantos vícios e erros de uma sociedade que adota dinâmicas desastrosas de disputa, mentira, injustiça e ódio. São Francisco de Assis escreveu que “a gratidão é uma das moedas mais difíceis de ofertar na vida.” Por isso, preocupava-se sempre em ser grato a tudo e a todos. Agradecia ao irmão sol por aquecê-lo e proporcionar vida à terra. Ao irmão vento, por acariciá-lo e à natureza nos dias de calor. À irmã lua por brilhar e enfeitar as noites. Ao irmão sofrimento, que lhe permitia aprendizados sobre o viver humano. O exemplo do “Poverello” remete-nos a profundas reflexões neste tempo em que predominam insensibilidade, utilitarismo, desrespeito e desprezo pelo outro. Na desenfreada busca por sobrevivência e sucesso, vivemos encastelados, envoltos em problemas e desafios. Nesse tumulto de compromissos e dificuldades, não paramos para perceber tudo aquilo que Deus nos regala e, egoisticamente, esquecemo-nos do agradecimento.
Os amores dos filhos e netos que, aconchegados em nossos braços, parecem amainar as dores da alma, quem no-los ofertou? A possibilidade do progresso profissional e amadurecimento humano, as chances de desenvolvimento do intelecto, a paz interior, o bem-estar do espírito, quem nos concede? O corpo que é nosso instrumento de expressão, trabalho, convivência, emoções, quem no-lo presenteou? E nós, mal nos damos conta da grande bênção da saúde, quando nossa corporeidade, apesar das deficiências ou limitações, oferece-nos oportunidades riquíssimas.
Temos o costume de ser gratos a Deus e à vida pelas nossas conquistas e alegrias? E por que não sermos também agradecidos ao Pai pelo mal que não nos atingiu, pelas dores que não precisamos suportar? E mesmo que os dias difíceis nos cheguem à jornada terrestre, agradeçamos a dor, que lapida a alma imperfeita, fazendo brotar virtudes que ainda permanecem latentes em nossa intimidade. Deveremos sempre recordar que dependemos da bondade e misericórdia do nosso Criador, o qual nos sustenta na caminhada da via. Foi comovente a história de um idoso italiano, vítima do coronavírus quando, após a alta hospitalar, foi-lhe cobrado um valor alto pelo uso de oxigênio. Chorou efusivamente e exclamou: “Sou um ingrato, tenho isso dias e dias, anos e anos, gratuitamente e não percebia. Deus nunca me pediu nada em troca.” A gratidão será o sentimento que nos inundará a alma de bênçãos divinas, doce quietude e suave luz. Aqueles que a têm adormecida, é preciso despertá-la. É necessário cultivá-la e manifestá-la. Por se tratar de uma virtude cristã, os pastores devem lembrar sempre a sua importância e praticá-la. Digamos como o salmista: “Dai graças ao Senhor, pois Ele é bom. Sua bondade é infinita, incomensurável a sua misericórdia” (Sl 118/117, 1).
Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
Por esses dias, muito se falou da “epidemia das bets” no Brasil. Não precisava ser dos mais atentos para notar que havia/há algo de podre no reino… do Brasil. São tantas bets na TV e patrocinando times de futebol que já não sabemos mais quem é quem. Jogadores estão envolvidos em apostas. “Influenciadores” e artistas metidos em lavagem de dinheiro e outros crimes. Gente presa. Tem um tal do “Tigrinho”. E, claro, amigos ou conhecidos perdendo o que têm; outros, o que nem têm. A epidemia, para a qual ainda não temos a vacina, adoeceu/viciou muitíssima gente.
Os números, que colhi de uma matéria da Deutsche Welle, são estarrecedores: “Um estudo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), em parceria com a AGP Pesquisas, mostrou que 63% de quem aposta no país teve parte da renda comprometida com as bets. Outros 19% pararam de fazer compras no mercado e 11% não gastaram com saúde e medicamentos. Esses dados refletem uma tendência preocupante, evidenciada ainda mais por um relatório divulgado pelo Banco Central nesta terça-feira (24/09), que revelou que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em sites de apostas esportivas, somente no mês de agosto. O valor equivale a 21,2% dos recursos distribuídos pelo programa no mesmo mês. Ainda segundo o banco, 24 milhões de brasileiros fizeram ao menos uma transferência deste tipo no país desde janeiro. A maioria dos apostadores tem entre 20 e 30 anos e gasta cerca de R$ 100 por aposta. Este valor sobe de acordo com a idade. Brasileiros acima de 60 anos gastam uma média de R$ 3 mil reais em bets”.
Quando gozava dos meus 20 anos, eu ainda arriscava apostas no futebol. ABC x América. Presencialmente, no estádio. Coisa pouca e o meu ABC não decepcionava. Mas essa onda não durou muito. Por temperamento sou econômico. Para além disso, um livro teve forte influência em mim: “O jogador” (1867) de Dostoiévski (1821-1881). Escrito para que o autor pagasse suas próprias dívidas de jogo, é uma pequena obra-prima, parcialmente autobiográfico, de quem entendia bem – ou mal, a depender do ângulo – de jogos e apostas.
A trama de “O jogador” gira em torno de Alexei Ivanovich, que, apaixonado (as paixões…), é introduzido no jogo pela manipuladora Polina Alexandrovna. Alexei torna-se “profissional”. Joga para sobreviver. E para “matar” a compulsão. A desgraça chega. No final, Alexei tem uma chance de redenção. Mas esse fim só retrata a loucura do vício: “Oh! Foi um notável exemplo de resolução: tinha perdido tudo, tudo… Saio do casino, olho… um florim repousava ainda na algibeira do meu colete: Ah! Ainda tenho com que jantar!, disse eu, mas depois de ter andado uns cem passos, mudei de opinião e voltei atrás. Pus esse florim no manque (dessa vez foi no manque) e, realmente, experimenta-se uma sensação especial quando, sozinho, num país estrangeiro, longe da pátria, dos amigos, não sabendo o que se vai comer nesse mesmo dia, se arrisca o último florim, o último, o último! Ganhei e, vinte minutos mais tarde, saí do casino com cento e setenta florins no bolso. É um fato! Eis o que pode por vezes significar o último florim! E se tivesse deixado ir abaixo, se não tivesse tido a coragem de me decidir?… Amanhã, amanhã, tudo estará acabado!…”.
Nelson Werneck Sodré, em “Síntese de história da cultura brasileira” (DIFEL, 1985), já lembrava que os gostos, hábitos, valores, ideias e atitudes – o agir do homem moderno – estavam cada vez mais condicionados pelos meios de comunicação de massa. Se então vivíamos a era do rádio, do cinema e da TV, hoje somamos o fenômeno, mais agudo, da Internet. A ação crescente desses meios de comunicação de massa – sobretudo a TV e a Internet – criam um certo tipo de “cultura”, a “cultura de massa”, cujas “características essenciais seriam a homogeneidade, a baixa qualidade e a padronização de gostos, ideias, preferências, motivações, interesses e valores”.
Dostoiévski é um autor cult. Dizer que é “pouco lido” no Brasil seria quase um eufemismo. Não faz parte da nossa “cultura das massas”. Mas procuro manter minha aposta nos grandes livros. Na influência destes sobre o público. É fato que o lançamento, em 1784, de “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe (1749-1832), provocou uma onda de suicídios na Europa. Longe de mim desejar a repetição de atos desesperadores. Pensava num relançamento “bombástico” de “O jogador” como fomentador da consciência dos malefícios das apostas/jogos. É muito arriscado?
Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
Cortes têm se debruçado seriamente em investigar ações da Lava Jato para passar o Brasil a limpo e retomar estabilidade democrática. Na imagem, o martelo da Justiça.
Por Kakay
“Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura, não é utopia, é justiça.” –Frase bem atribuída a Dom Quixote Quando começamos a combater os excessos da força-tarefa de Curitiba, principalmente os do ex-juiz Moro e dos seus procuradores adestrados –coordenados por Deltan–, ainda não imaginávamos a teia de capilaridade que estávamos enfrentando. Aos poucos, o xadrez foi se delineando: boa parte do Tribunal Regional da 4ª Região, alguns ministros das Cortes superiores, interesses poderosos no Brasil e no exterior –especialmente na área de petróleo, construção pesada, grande mídia, partidos políticos, Bolsonaro e a elite brasileira, enfim. Éramos poucos os que se aventuravam em palestras por todo o Brasil e no exterior, em artigos escritos, bem como em debates públicos. Um confronto que nos fez perder muitos clientes e a ter que fazer duros embates com os que se julgavam donos do poder.
Lembro-me de um certo advogado, sócio do bando, dizer em uma palestra que eu teria que deixar a advocacia, pois não haveria mais espaço para advogados como eu. Ou seja, sem conluio com os procuradores e juízes, nós não poderíamos advogar. Sem aceitar torturar clientes com delações criminosas, nós estaríamos fora do mercado. Sem concordar em ser linha auxiliar do Ministério Público, sob as ordens de certo Judiciário, a advocacia não sobreviveria. Recordo-me sempre do poeta Trasíbulo Ferraz: “A vida dá, nega e tira”. Todo esse conjunto de enfrentamento levou à percepção de que o bando performava uma organização criminosa, saqueando o país e com um projeto político. À época, eu dizia isso Brasil afora e, agora, reconheço que corria certo risco ao detonar tantos poderes. Mas penso que o Brasil tem uma oportunidade única de ser passado, pelo menos em parte, a limpo. A entrevista concedida ao jornalista Leandro Demori pelo juiz Eduardo Appio –que chegou a ser titular na maldita 13ª Vara Federal de Curitiba–, bem como o seu livro “Tudo por dinheiro: a ganância da Lava Jato”, indicam um caminho que é o mesmo que eu trilhei anos atrás.
Mas uma coisa é o fato de advogados fazerem o enfrentamento de grupos tão poderosos; outra, é um juiz federal que teve assento no centro do poder na República de Curitiba. Razão pela qual ele foi defenestrado. Porém, está tendo a coragem e a hombridade de vir a público dizer a verdade. A verdade é sempre a mesma, mas depende de quem a diz. Também tenho alertado o importante, sério e fundamentado trabalho levado a cabo pelo Conselho Nacional de Justiça, em junho de 2024, sob a coordenação do competente e independente ministro Luis Felipe Salomão, à época corregedor, que redundou em um avassalador relatório aprovado pelo Plenário do Conselho.
O documento apontava suspeita de corrupção, peculato, prevaricação e organização criminosa por parte da cúpula da República de Curitiba. O relatório aponta sérias hipóteses criminais que não estão sujeitas à esfera administrativa e que serviram como notícia de crime para os órgãos competentes, especialmente à Polícia Federal e ao Ministério Público –titular exclusivo da ação penal.
O atual corregedor do CNJ, ministro Mauro Campbell, igualmente sério e comprometido com a moralidade pública, tem a atribuição de zelar pelo bom andamento das investigações. Todos nós temos. Todavia, bom saber que não é só um grupo pequeno de advogados, professores e defensores públicos que está atrás da verdade. Pois, como nos ensinou Winston Churchill: “A verdade é inconvertível, a malícia pode atacá-la, a ignorância pode zombar dela, mas, no fim, lá está ela”.